Ontem à tarde, minha esposa me aguardava na sala de espera de um consultório. Chega uma senhora com duas crianças — uma menina com os seus três anos e um menino mais velho. Agitados, os dois apresentam brincadeiras agressivas. Provocações e tapinhas são repetidos. Lá pelas tantas, Júlia, que ressonava no colo da mãe, desperta. A menina se aproxima e faz duas perguntas: "É menino ou menina?" (o cabelo de Júlia ainda é curto e ela vestia calças jeans e uma batinha; crianças pequenas não costumam reparar em detalhes como sapatos de florzinha) e "Qual é o nome?"
Após obter as duas respostas, a menina se senta e, passado um momento de silêncio, dispara uma revelação que deixa Polyana perplexa: "A minha mãe me bate. Ela me bate quando faço tolice."
Polyana, que é intransigentemente contrária ao uso da força na educação, fica atônita e desconversa. Não quer criar problemas com a tia das crianças, que as acompanhava na oportunidade. Pensou numa resposta indireta ("Pois eu não bato na minha filha"), mas nem essa ela soltou. Fosse para mim que a menina falasse, eu diria sem pena: "É mesmo? Você sabia que isso é crime? Diga a sua mãe que um advogado orientou que você a denunciasse ao conselho tutelar". E quero ver se a tia teria peito de redarguir.
Na verdade, diferentemente de Polyana, não sou absolutamente avesso a uma força corretiva, chamemos assim. Ou palmadinha evangélica, como prefiro. Mas pertenço àquela categoria de pessoas quem veem nesses recursos a via final e odiosa a que não esperam sucumbir. Pelo contrário: a ideia é jamais chegar a isso. Para se ter uma noção, inúmeras vezes fui obrigado a bater nos cachorros que criei ou crio — e sempre me sentia mal depois de fazê-lo. Imagine uma criança! Não consigo compreender com alguém possa ver na violência um instrumento natural, automático, de prima ratio. Nem tolerar que se reproduza acriticamente o passado em que a pedagogia do tapa era a tônica.
Pelo visto, a criança de ontem, por mais danada que fosse, possuía uma mãe que batia como recurso primeiro. Bater é extremamente mais fácil do que educar. E produz resultados incomparavelmente menos satisfatórios. E ao contrário do que pode parecer, diante de uma menina de olhar malicioso e comportamento agressivo, as surras que leva geram uma mágoa tão profunda que ela já chegou ao ponto de, sem mais nem menos, levar seu queixume a qualquer estranho pelo caminho. É como um pedido de socorro.
E assim vemos um ser humano deseducado, perdendo-se dentro da própria casa. Uma lástima.
3 comentários:
Eu tenho 2 filhos adultos. Ambos levaram algumas palmadas no bumbum, mas credito a boa educação que ambos têm aos longos diálogos que tínhamos qdo eles eram crianças. Dá muito trabalho sentar, explicar os nãos e manter a palavra, mas os frutos que colhemos qdo eles crescem, fazem valer o sacrifício.
Ana Miranda.
Comungo exatamente da mesma opinião que a tua. E, por sinal, nem me importo em criar problemas com pais desse tipo quando cruzo com eles por aí.
Uma vez vi um homem alto e forte batendo num garoto de aproximadamente 3 anos no aeroporto de Belém. Não contei conversa. Cheguei com o cara e disse "O que vc está fazendo é crime e policia é o q não falta aqui. Se continuar batendo dessa forma coverda nesse menino, eu chamo um rapidinho".
O cara tentou ser agressivo comigo, mandando eu cuidar da minha vida. E eu fui. Chamei um guarda q tinha por lá, segurança mesmo. O cara deu uma chamada tão forte nesse pai, que ele ficou mofino e pediu desculpas para o filho. Disse q estava nervoso.
Eu só fiquei com medo de, ao chegar em casa, ele tentar descontar no pobre do moleque. Covardes são assim, né?
Tenho certeza que esse diálogo valeu muito mais a pena, Ana. As palmadas devem ter sido apenas acidentes de percurso, mais enfáticas do que dolorosas, que é o máximo que me imagino fazendo - e sem nenhuma vontade, muito menos alegria.
Muito bom, Waleiska. O cara achou de mexer com uma mãe cidadã?!
Melhor é pensar que a Constituição de 1988 dá suporte a esse tipo de intervenção, na medida em que determina ser dever de toda a sociedade colocar a criança e o adolescente a salvo de toda forma de violência. No caso, mesmo que a agressão física não fosse severa, temos que considerar a humilhação da criança, apanhando em público. Essa vergonha pode ter doído bem mais que o tapa.
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