Isso tem implicações gravíssimas, inclusive em âmbito penal. Se alguém comete um crime tributário, p. ex., provocando um prejuízo inferior ao limite pré-estabelecido em lei, não será alvo de ação criminal, sob o fundamento de que se o titular do crédito não pretende cobrá-lo, por considerá-lo de valor irrisório, então não se justifica a imposição de pena criminal. Eis aí o Supremo Tribunal Federal que não me deixa mentir:
"Habeas corpus. Penal. Crime de descaminho. Princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. Nos termos da jurisprudência consolidada nesta Suprema Corte, o princípio da insignificância deve ser aplicado no delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao montante mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) legalmente previsto no art. 20 da Lei n° 10.522/02, com a redação dada pela Lei nº 11.033/04. 2. Ordem concedida." (STF, 1ª Turma — HC 102935/RS — rel. Min. DIAS TOFFOLI — j. 28/9/2010 — DJe-223 DIVULG 19-11-2010 PUBLIC 22-11-2010 EMENT VOL-02435-01 PP-00181)
Agora pense: quem pode sonegar imposto de renda? Quem tem renda, ora pois! Quem pode sonegar imposto de importação, de propriedade sobre veículos automotores, etc.? Quem tem patrimônio ou condições para adquiri-lo. Depois, quando defendo o princípio da insignificância, ainda me aparecem aqueles malas moralistas me sugerindo trazer vagabundo para morar na minha casa. O nível do debate quase nunca sobe!
Mas, enfim, tudo o que escrevi acima era apenas para você poder entender o objetivo da postagem: o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA divulgou esta semana um estudo afirmando que as execuções fiscais somente são viáveis quando cobram, no mínimo, R$ 21.731,45. Acredito que todos concordarão que se trata de uma quantia expressiva. Para fins de comparação, o carro mais barato vendido no Brasil, aquela coisa medonha que atende pelo nome de Chery QQ, custa R$ 22.900,00.
Valores, meu amigo. Valores de cunho ético, eu quis dizer.
PS — Não se anime: a maior fonte de extorsão sobre o assalariado do país, que atende pelo nome de Receita Federal, possui uma regra segundo a qual dívidas inferiores a 10 mil reais não são executadas, porém não se dá baixa nelas. Isso significa que a dívida continua existindo e sendo atualizada (pela taxa SELIC, vale lembrar). Assim, quando o valor atinge o teto, a execução pode ser iniciada. Tudo pelo governo, meu amigo.
2 comentários:
Muito bom o texto. É exatamente o que dizia Carnelutti, num livrinho muito bom que todos acadêmicos de direito deveriam ler - Misérias do Processo Penal:
" [...] Considerar a questão de direito como um teorema a ser demonstrado por meio de fórmulas abstratas, em que os homens são representados por letras e os interesses por cifras, é coisa que o jurista pode fazer num tratado ou numa lição; mas o advogado prático deve ver, por trás das fórmulas, os homens vivos. Deixemos os professores ensinarem na escola que a lei é igual para todos; caberá depois ao advogado explicar aos clientes que o dirieto civil é feito sobretudo para os bens situados, havendo para os demais o direito penal."
Abraço!
Grato pelo reforço, Daniel. Estou fazendo as minhas resenhas de leituras, a teu pedido.
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