sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Insensatez e chatice

Humor & Direito

Advogado canadense questiona sisudez do mundo jurídico
Por João Ozorio de Melo

No Canadá, uma grande e conhecida firma de advocacia teve de se submeter a um humilhante pedido oficial de desculpas, na quarta-feira (25/1), por utilizar em um anúncio, em nome do bom humor, um apelido que lhe foi atribuído há alguns anos – e usado até hoje – por estudantes de Direito. A Davies Ward Phillips & Vineberg é chamada pelos estudantes de "Slavies" – um trocadilho com a logomarca da firma, que é apenas DAVIES, com a palavra "slaves", que significa "escravos". Isso porque a firma tem a fama de pegar pesado no trabalho com seus estagiários.
O anúncio na revista estudantil Obiter Dicta, da Faculdade de Direito Osgoode Hall da Universidade de York, feito para recrutar estagiários, só traz a logomarca da firma e um texto curto. Os criadores do anúncio acharam que o trocadilho era apropriado para a mensagem. Na logomarca DAVIES, com letras em branco e fundo em vermelho, riscaram a letra "D" e escreveram, em cima, "SL", em tinta preta – transformando-o em "SLAVIES". O texto dizia: "É APENAS MEIA VERDADE. É verdade que temos padrões rígidos, mas nossos estudantes não apenas trabalham duro, eles também se divertem muito e aprendem muito. Saiba mais em dwpv.com".
Uma carta da Faculdade de Direito ao editor da Obiter Dicta declarou que o anúncio da DAVIES "invocou uma prática vergonhosa, genocida e desumana de trabalho forçado, não pago e permanente (...). O que é mais ofensivo é que o legado do comércio transatlântico de escravos ainda está vivo nas disparidades de acesso ao emprego, à educação, à saúde e à justiça, que os descendentes de escravos ainda sofrem". De uma maneira geral, as reações foram de ultraje, diz o site estudantil do Canadá Law is Cool – um trocadilho de "Law School" (Faculdade de Direito), que significa "A lei é legal". A notícia do Law is Cool foi repercutida pelo ABA Journal (o jornal da ordem dos advogados dos EUA) e pelo site Legal Humour.
Nos Estados Unidos, o juiz Richard Posner, de um tribunal de recursos de Chicago, está sob fogo cruzado por seu gosto por humor e ilustrações gráficas em suas decisões. Ele usou, por exemplo, uma foto de Bob Marley, com suas longas tranças esvoaçando em todas as direções, em um caso que examinou o direito de um prisioneiro, com tranças rastafári, de se recusar a cortar seu cabelo, com base em princípios religiosos. Em outro caso, ele usou uma imagem de uma avestruz, com a cabeça enfiada na areia, e de um homem de terno, também com a cabeça enfiada na areia, para repreender um advogado que ignorou um precedente. O advogado se sentiu ofendido e submeteu uma queixa ao tribunal. A notícia da Reuters foi repercutida pelo site Legal Humour.

Rir é legal
Esses fatos transmitem a ideia de que o humor no Direito é um erro. Mas, o advogado canadense Marcel Strigberger não concorda com isso. Ele se rebelou contra a sisudez do meio jurídico, fundou o Legal Humour e mudou o seu comportamento. Com um jeito de Juca Chaves, ele diz que leva seu trabalho a sério, mas isso não quer dizer que tem de se levar a sério. Para ele, o humor, usado de forma apropriada e nos momentos certos, pode trazer vários benefícios para a prática da advocacia: 1) quebra e libera tensões; 2) cria uma afinidade instantânea entre as pessoas; 3) ajuda a superar medos e fobias na vida profissional e pessoal; 4) melhora a saúde e aumenta a energia para trabalhar.
"A menor distância entre duas pessoas é um sorriso", disse o comediante Victor Borge (que viveu até os 91 anos), citado por Strigberger. Mas, esse é um ensinamento que os profissionais de Direito têm dificuldades de assimilar, ele diz, referindo-se aos canadenses e americanos. Ele diz que criou o Legal Humour quando constatou que existiam muitos sites de piadas de advogados, mas nenhum que destacasse o humor no mundo jurídico. O site traz textos sobre casos engraçados ou ridículos, que correm na justiça, e análises jurídico-humorísticas de fatos cotidianos e históricos. Por exemplo, ele defende a tese de que pais que obrigam crianças a aprender a executar Chopin no piano deviam ser processados por abuso infantil.
Em sua edição de quarta-feira (25/1), ele repercute notícia da MSN News/ Associate Press sobre um prisioneiro de Flagstaff, no estado do Arizona, EUA. Depois de cumprir sua pena, Martin Batieni Kombate se recusou a deixar a cadeia do condado de Coconino. A direção da cadeia chamou então a polícia de Coconino para resolver o problema. E a polícia resolveu o problema a seu jeito: prendeu Kombate sob a acusação de invasão de propriedade, por sua permanência desautorizada em uma instituição pública. Ralmente, Direito é coisa séria.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 26 de janeiro de 2012

A crítica do advogado canadense é totalmente pertinente. Esta é uma seara em que impera a imbecilidade, como se pode ver em um comentário anônimo a minha postagem "Estranhos costumes", sobre a indumentária dos profissionais do Direito. Mas mesmo entre pessoas esclarecidas, cunhou-se um dogma absurdo de que o exercício do Direito exige roupas e solenidades que só fazem sentido no contexto simbólico, mas nenhum (ou quase nenhum, por causa dos efeitos psicológicos) no prático, ainda mais quando se privilegia o conteúdo sobre a forma, o resultado efetivo sobre os meandros do processo e o elemento humano sobre as futilidades.

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