sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O dinheiro do brasileiro

A foto está meio desfocada, mas creio ser possível identificar a mochila e a bolsa térmica com tema da Merida, protagonista do filme Valente, da Disney/Pixar, atual paixão de minha filha (uma delas). A partir da próxima semana, Júlia irá com esse conjunto para a escola. Mas como isto aqui não é o Facebook nem eu tenho o ridículo hábito de postar fotos de bens de consumo para me exibir (até porque fazer firula com uma mochila é coisa de pobre), há uma razão que me parece decente para tratar de um assunto que, em princípio, ninguém quer saber (como no Facebook: ninguém quer saber se você já vai dormir ou se foi à boate da modinha).

A mochila aí ao lado não é comercializada no Brasil ou, ao menos, consultando inúmeros sites de comércio eletrônico, além das lojas de Belém, ele não foi visto. Os modelos de mochila com o tema Merida disponíveis têm outras imagens. E custam, fácil, mais de 200 reais, chegando em alguns lugares bem perto de 300. Absurdo mesmo é o preço da mochilinha que acompanha, que na verdade é a lancheira: em torno de 120 reais. O conjunto, portanto, chega fácil a 350 reais por estas bandas.

Mas minha consumidora semicompulsiva (a esposa, claro) adquiriu tudo por 104 reais (se, para facilitar, usar o câmbio de 2 reais para o dólar). A depender do câmbio, poderíamos contabilizar menos. É isso que quero explicar como se deu.

A mochila foi adquirida junto a uma fornecedora na Inglaterra, através do eBay. Numa troca de e-mails com a vendedora, Polyana tirou suas dúvidas e foi sempre atendida cordialmente. Como a lancheira não aparecia na página da vendedora, Polyana perguntou se poderia incluir, pois ela queria aproveitar o frete. O que fez a vendedora? Deu a lancheira de brinde! Exatamente o que faria um empresário no Brasil.

Na verdade, nós estamos convictos que a vendedora deve ter achado Polyana muito doida por se submeter a comprar uma mochila por 27 dólares (isso mesmo: 27 dólares apenas!) e pagar um frete de 25 dólares, praticamente o mesmo valor. Talvez ela tenha pensado que o Brasil é um país estranho, onde não se fabricam mochilas. A inocente súdita da rainha certamente desconhece a voracidade do governo e dos capitalistas brasileiros.

Em suma, ela vendeu uma mochila bonita, de ótima qualidade (e que, de quebra, ainda será exclusiva, para os que se importam com isso), presenteou com uma bolsa térmica grande o suficiente para guardar até o almoço de um adulto e despachou tudo numa encomenda com rastreamento. Aqui, aliás, um detalhe: o rastreamento só funciona no exterior. A partir do momento em que a carga ingressou no Brasil, o sistema dos Correios não permitiu mais que se acompanhasse a movimentação. Pode isso, Arnaldo?

O último aspecto da questão diz respeito à tributação. Compras até 50 dólares não são tributadas; logo acima disso, a Receita Federal morde por amostragem (o que sempre me reforça a sensação de que a coisa não é séria). No nosso caso, não foi cobrado o imposto de importação. Se fosse, a covardia do governo seria da ordem de 60% (isso mesmo, 60%!) sobre o valor da mercadoria. E essa foi a lógica de Polyana ao fechar o negócio: se eu tiver que pagar 160 reais, ainda sairei no lucro em relação a uma compra no Brasil.

A insignificante compra de uma mochila escolar acabou, para mim, servindo de demonstração de como o brasileiro padece. Espoliado pelo governo através de impostos extorsivos, espoliado por empresários alucinados que pretendem lucrar 50 vezes em cima de um só produto, maltratado por um sistema de entrega que não permite o rastreamento e apresenta uma embalagem avariada (por isso tivemos que ir buscar a encomenda no centro de distribuição, um trabalho adicional), por funcionários ineficientes que não abrem a porta um segundo antes do início do expediente (mas também não abrem 10 minutos depois, exceto se você for lá perguntar o que está acontecendo) e que, de quebra, pedem a sua identidade como condição para encontrar a mercadoria, embora a caixa seja identificada pelo código dos Correios e não pelo nome do destinatário (o cara sabe o que está fazendo?), etc.

Tudo é caro e tudo é difícil, sem necessidade. Brasileiro sofre. Nós devemos ser muito doidos, mesmo, por concordarmos com tudo isso.

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu também tenho meu lado semiconpulsivo e tenho ao meu lado uma pequena fã de princesas e sininhos (ou Tinker Bell, como ela se chama na modernidade). Deixe contar: comprei na loja da Disney algumas bonecas, sabendo que teria que pagar algum imposto. Surprise, surprise. O valor final dobrava (sim, as taxas todas passam de 90%, nao sei a razão) e a Disney soube disso quando o produto entrou no Brasil e me contatou com aquela gentileza mágica dizendo que por uma política de satisfação do cliente arcaria com o custo para mim. Nem sei se fiquei mais feliz ou mais com vergonha dessa carga tributaria...
Anna

Yúdice Andrade disse...

A razão é a voracidade do governo, Anna. Uma voracidade indecente e incontrolável. Justamente por causa do comportamento do nosso governo e dos nossos empresários, as atitudes das empresas estrangeiras nos causam verdadeira perplexidade. Você contou um caso interessante e eu conheço outros.
O Brasil enriqueceu, mas se desenvolveu pouco. Tenho medo de pensar que nunca seremos, de fato, primeiro mundo.