Eu não sei se a Internet piorou as coisas ou se apenas abriu a possibilidade de qualquer um ver que a humanidade vai mal, muito mal, por razões que já teria consigo independentemente das tecnologias de comunicação. Refiro-me ao fato de que, agora, qualquer pessoa pode comentar as notícias publicadas nos portais. De vez em quando, eu me permito ler alguns comentários, mas em geral o resultado é bastante desalentador.
Não interessa o assunto. Quando as pessoas se manifestam, na esmagadora maioria dos casos é para fazer algum comentário cruel (não maldoso, exagerado, provocativo: é cruel, mesmo); é para espezinhar ou humilhar alguém; é para demonstrar o máximo de menosprezo ao semelhante, a total ausência de empatia. As táticas são diversificadas: uso ostensivo dos palavrões mais cabeludos; julgamento de pessoas e situações mesmo sem informações sobre eles; generalizações absurdas; conclusões tiradas sabe-se lá de onde, processadas como verdades indiscutíveis. E por aí vai.
Há também os clichês: se o alvo é uma mulher, ela é vagabunda, puta, piranha ou mal comida; se a matéria versa sobre algum tipo de crime, propõe-se e festeja-se o extermínio e se distorce qualquer ponderação sobre fatores criminógenos diversos da simples vontade do agente; se a matéria envolve política, tudo é PT x PSDB e o adversário sempre é o mais baixo da escala evolutiva; se se fala em dinheiro, transforma-se a coisa numa absurda luta de classes; se o escrito é sobre ciência, aparece logo um religioso e, em instantes, a pancadaria entre os que odeiam a fé e os que odeiam a ciência está feita. Também é comum criticar acidamente atitudes que o crítico provavelmente teria ou fazer exigências que ele provavelmente não cumpriria.
O governo é corrupto, o acusado é obrigatoriamente culpado, o vizinho é um canalha, a explicação sempre é mentirosa, o filme/livro/novela/seriado/peça é sempre um lixo e tudo, por melhor que seja, tem sempre um defeito a ser destacado. Aparecem, como notáveis exceções, matérias que, deliberadamente, destacam alguma boa ação humana, como vi hoje, uma lista de 26 belas ações praticadas em 2012 que ganharam a imprensa. Nesses casos, os comentaristas costumam entrar no clima da reportagem (que destoa do padrão jornalístico cotidiano) e deixam mensagens bonitinhas. Fico até emocionado quando vejo textos com agradecimentos, homenagens, orações e votos de felicidade. São uma minoria constrangedora.
Em um dos livros espíritas que li, sabe lá qual e quando, aprendi que um dos problemas do mundo é que os bons são tímidos, enquanto os maus são audaciosos. Tive inúmeras oportunidades de constatar o quão verdadeira é tal assertiva. Isso pode explicar por que não surgem os lúcidos, os generosos, os conciliadores nessas horas. Eles estão por aí, mas não pretendem remar contra a maré, porque sabem que serão tragados por ela. Devem pensar, também, que os males da Internet se acabam no mundo virtual e, o mais das vezes, não doem nem geram consequências (sim, eu sei que há exceções).
O problema é que a rede é um microcosmo (micro?), um espelho de nossas relações reais. Nela, o sujeito escreve todos os desaforos que têm dentro do coração porque o anonimato e a distância física o protegem. É fácil ser canalha quando se está protegido de toda reação. Na vida real, o sujeito teria medo de respostas, particularmente das que implicassem em socos. E quem faz esse tipo de coisa é essencialmente um covarde. Mas este é o ponto: se o sujeito só não mostra quem é por medo ou conveniência, isso não muda o que ele de fato é. Portanto, na vida real, provavelmente estamos cercados por pessoas que só não nos dizem e fazem o mal porque acham que não podem ou que não vale a pena para elas.
Não é uma perspectiva nada simpática. O pior é que, não sei se por pessimismo deste escriba, não vislumbro a menor chance de esses sentimentos melhorarem.
4 comentários:
Perfeito professor!!! Sabe aquela sensação, quando você lê um bom livro, de que queria ter escrito aquelas palavras? É como estou me sentindo agora. Concordo bastante com tudo que disse.
Gostei do artigo.
Kenneth
Já tive essa sensação antes, Hemetério, mas com poemas. Fico honrado em ler tuas palavras.
A aprovação de um psicólogo muito me anima, Kenneth.
Compartilho do teu desalento! É realmente deprimente ler comentários em portais.
Até consigo compreender a motivação por trás de comentários raivosos sobre política ou crimes. Nada justifica a virulência, é claro, mas essa parece ser a linguagem padrão da internet, atualmente. Observo, porém, que o discurso é repetido no "mundo real", sem tanto constrangimento.
É nas notícias positivas que toda a inveja e crueldade ficam evidentes. Parece que os comentaristas não suportam o sucesso e a felicidade alheia e sempre depreciam, caluniam ou duvidam do merecimento, da verdade, da duração, etc. Um horror, que normalmente é dito sob anonimato e jamais revelado no convívio pessoal.
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