segunda-feira, 30 de abril de 2012
Render-se jamais!
Em especial para você, brasileiro que vai passar os próximos meses acertando as contas com o mais canalha de todos os leões: o do imposto de renda!
Fonte: http://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/foca-escapa-de-mordida-de-tubarao-por-pouco-4266457.html
Os Vingadores
Fui uma criança que não gostava de super-herois e tinha aversão aos quadrinhos da Marvel e DC. Quando em 1989 Tim Burton lançou o seu controverso Batman, fui ao cinema sem problemas, porque o Cavaleiro das Trevas era o único que contava com a minha simpatia. Afinal, ele está mais para psicopata bem focado do que para heroi. Quando apareceu o primeiro Homem-Aranha, entretanto, tive uma dificuldade maior para me decidir, mas fui e acabei gostando. Era uma boa franquia, até se perder na etapa final.
Nos últimos anos, intensificou-se a produção de filmes baseados nos quadrinhos, através de superproduções classificadas como blockbusters, o que não é exatamente um elogio. A maioria não mereceu a minha atenção e todos deixaram claro que eu não sabia absolutamente nada sobre o universo daqueles personagens. As pessoas ao meu redor comentavam mundos e fundos e eu ali, no ar. Fui ver Homem de Ferro e gostei, mas não perderia meu tempo com Hulk, Thor e Capitão América. Mas eis que uma sucessão de críticas altamente elogiosas fez coro à insistência de minha esposa nerd e lá fui eu, ontem, ver Os vingadores.
As críticas estavam corretas. Para um filme do gênero, com personagens nada cativantes para mim (o que posso achar de um sujeito vestido com a bandeira dos Estados Unidos?), repleto de cenas de porrada (nunca tive esses problemas de testosterona) e de piadinhas (que funcionam muito bem), o resultado é o melhor possível. O roteiro nada possui de novo ou surpreendente, podendo-se dizer até que bastante previsível: um vilão malvado, traumatizado por fantasmas da infância (e com óbvios problemas de afirmação de sua masculinidade) pretende conquistar/destruir o mundo/escravizar a humanidade (neste caso, podia ser outro mundo; a Terra apenas estava no lugar errado, na hora errada) e para tanto ele vem aqui e faz uma zoeira do c@$@*%#, mas acaba derrotado pelos super-herois, que são caras éticos e por isso não o matam, dando margem a um retorno. Seja como for, haverá uma continuação, com um outro vilão.
Filmes do gênero, porém, não são bons pela originalidade e sim pela condução do projeto. Os Vingadores acertou em cheio, em todos os aspectos.
O diretor Joss Whedon (47), que também assina o roteiro, até aqui não era um nome que logo viesse à mente do grande público. Trazendo na carreira lixos televisivos do quilate de Buffy, a caça-vampiros e Angel, fez coisa útil na vida, tendo sido laureado com um Oscar pelo roteiro de Toy Story (1996), que dispensa apresentações. Famoso nesse ramo, era o cara que os produtores chamavam para salvar um roteiro que naufragava. Já como diretor, fez carreira na TV e, pasme, Os Vingadores é o seu primeiro longametragem (segundo o IMDB)! Teve participação em Thor, mas quem levou o crédito pela direção neste foi Kenneth Brannagh. Seja como for, agora, fez um trabalho primoroso.
O elenco também merece homenagens. Todos foram competentes, inclusive Scarlett Johansnon, que todos sabemos não ser uma boa atriz (mas, em compensação, é uma atriz muito boa). Nada que se compare, porém, à cativante interpretação de Mark Ruffalo - para mim, de longe, o melhor em toda a projeção.
Os aspectos técnicos do filme são de primeira linha. Em suma, um blockbuster com méritos de grande entretenimento, para ser sempre lembrado. Quem diria...
Nos últimos anos, intensificou-se a produção de filmes baseados nos quadrinhos, através de superproduções classificadas como blockbusters, o que não é exatamente um elogio. A maioria não mereceu a minha atenção e todos deixaram claro que eu não sabia absolutamente nada sobre o universo daqueles personagens. As pessoas ao meu redor comentavam mundos e fundos e eu ali, no ar. Fui ver Homem de Ferro e gostei, mas não perderia meu tempo com Hulk, Thor e Capitão América. Mas eis que uma sucessão de críticas altamente elogiosas fez coro à insistência de minha esposa nerd e lá fui eu, ontem, ver Os vingadores.
As críticas estavam corretas. Para um filme do gênero, com personagens nada cativantes para mim (o que posso achar de um sujeito vestido com a bandeira dos Estados Unidos?), repleto de cenas de porrada (nunca tive esses problemas de testosterona) e de piadinhas (que funcionam muito bem), o resultado é o melhor possível. O roteiro nada possui de novo ou surpreendente, podendo-se dizer até que bastante previsível: um vilão malvado, traumatizado por fantasmas da infância (e com óbvios problemas de afirmação de sua masculinidade) pretende conquistar/destruir o mundo/escravizar a humanidade (neste caso, podia ser outro mundo; a Terra apenas estava no lugar errado, na hora errada) e para tanto ele vem aqui e faz uma zoeira do c@$@*%#, mas acaba derrotado pelos super-herois, que são caras éticos e por isso não o matam, dando margem a um retorno. Seja como for, haverá uma continuação, com um outro vilão.
Filmes do gênero, porém, não são bons pela originalidade e sim pela condução do projeto. Os Vingadores acertou em cheio, em todos os aspectos.
O diretor Joss Whedon (47), que também assina o roteiro, até aqui não era um nome que logo viesse à mente do grande público. Trazendo na carreira lixos televisivos do quilate de Buffy, a caça-vampiros e Angel, fez coisa útil na vida, tendo sido laureado com um Oscar pelo roteiro de Toy Story (1996), que dispensa apresentações. Famoso nesse ramo, era o cara que os produtores chamavam para salvar um roteiro que naufragava. Já como diretor, fez carreira na TV e, pasme, Os Vingadores é o seu primeiro longametragem (segundo o IMDB)! Teve participação em Thor, mas quem levou o crédito pela direção neste foi Kenneth Brannagh. Seja como for, agora, fez um trabalho primoroso.
O elenco também merece homenagens. Todos foram competentes, inclusive Scarlett Johansnon, que todos sabemos não ser uma boa atriz (mas, em compensação, é uma atriz muito boa). Nada que se compare, porém, à cativante interpretação de Mark Ruffalo - para mim, de longe, o melhor em toda a projeção.
Os aspectos técnicos do filme são de primeira linha. Em suma, um blockbuster com méritos de grande entretenimento, para ser sempre lembrado. Quem diria...
sábado, 28 de abril de 2012
Mais mortes. Não chega?
Acabei de ver pela imprensa e me senti mal com a notícia de que o bebê recém-nascido desaparecido no Município de Uruará foi encontrado morto, largado em um poço. O caso estava sendo tratado como um sequestro, havendo a suspeita de que um casal teria subtraído a criança.
Subtração de uma criança, na grande maioria dos casos, destina-se a que o próprio sequestrador a crie como filho (é o mais comum quando se trata de mulher cometendo o crime e agindo sozinha) ou à venda, porque existe muita gente que se presta a comprar os filhos alheios. Assim, haveria uma grande chance de esse bebê crescer e até ser feliz em algum lugar, ainda que violentado em seu direito de ser quem realmente é. Mas diante da ação policial e midiática, os sequestradores se sentiram acuados e mataram o infante. Um desfecho trágico, muito pior do que a alternativa.
Não faço críticas à polícia nem à imprensa, neste caso. Do pouco que sei, penso que agiram dentro da rotina. Sabemos que a ampla divulgação do sequestro é, em geral, o meio mais eficaz de conseguir recuperar a criança. Não são poucos os casos de pessoas que, cientes de que não poderão explicar de onde surgiu a criança que carregam, desistem dela e a abandonam em algum lugar, permitindo o retorno às famílias. Houve casos de mulheres que contaram estórias fantasiosas aos vizinhos e acabaram delatadas. Em suma, a divulgação precisava ser feita, sendo deplorável que os agentes não tenham vislumbrado outra conduta que não a pior.
Espero que sejam identificados e punidos como devem. O sofrimento que provocaram à família vem acompanhado de comoção geral. Tudo muito horrível.
Dá para piorar? Dá.
Subtração de uma criança, na grande maioria dos casos, destina-se a que o próprio sequestrador a crie como filho (é o mais comum quando se trata de mulher cometendo o crime e agindo sozinha) ou à venda, porque existe muita gente que se presta a comprar os filhos alheios. Assim, haveria uma grande chance de esse bebê crescer e até ser feliz em algum lugar, ainda que violentado em seu direito de ser quem realmente é. Mas diante da ação policial e midiática, os sequestradores se sentiram acuados e mataram o infante. Um desfecho trágico, muito pior do que a alternativa.
Não faço críticas à polícia nem à imprensa, neste caso. Do pouco que sei, penso que agiram dentro da rotina. Sabemos que a ampla divulgação do sequestro é, em geral, o meio mais eficaz de conseguir recuperar a criança. Não são poucos os casos de pessoas que, cientes de que não poderão explicar de onde surgiu a criança que carregam, desistem dela e a abandonam em algum lugar, permitindo o retorno às famílias. Houve casos de mulheres que contaram estórias fantasiosas aos vizinhos e acabaram delatadas. Em suma, a divulgação precisava ser feita, sendo deplorável que os agentes não tenham vislumbrado outra conduta que não a pior.
Espero que sejam identificados e punidos como devem. O sofrimento que provocaram à família vem acompanhado de comoção geral. Tudo muito horrível.
***
Dá para piorar? Dá.
Nem eu
Você já ouviu falar de um shopping center que inaugura e, após dois dias de funcionamento, para por causa de "normas e procedimentos internos"?
Alguém no Diário do Pará deve estar muito chateado com o povo do Parque Shopping Belém. Chamou para o empreendimento de "um shopping no Benguí". Mal sinal...
***
Alguém no Diário do Pará deve estar muito chateado com o povo do Parque Shopping Belém. Chamou para o empreendimento de "um shopping no Benguí". Mal sinal...
sexta-feira, 27 de abril de 2012
Reflexões sobre perdas
No espaço de apenas cinco dias, o curso de Direito do CESUPA se viu privado de duas acadêmicas, ambas em circunstâncias súbitas e difíceis. Ambas eram jovens e muito queridas. Não ter conhecido nenhuma das duas não me priva, entretanto, dessa sensação de estranheza e desconforto, para dizer o mínimo.
Durante minha graduação, dois de nossos colegas de turma faleceram. Não colegas de curso, contemporâneos ou algo assim: duas pessoas que estudavam na mesma sala de aula que eu. O primeiro deles foi levado por um acidente de trânsito e atingiu a todos com perplexidade. Para vários de nós, ainda tão jovens, decerto era o primeiro contato com a morte. A segunda sofria de uma doença grave, que acabou por atingir o seu sistema nervoso. Ela deixou o curso e a cidade, sendo que meses depois soubemos que ela se fora, sob graves sofrimentos. Não estava mais entre nós, o que de certo modo anestesia a dor, mas as circunstâncias também foram perturbadoras.
Os primeiros dias após essas perdas foram de estranheza. É muito diferente quando acontece com alguém que você conhece, tornando-se mais agudo quanto maior a proximidade. Nós nos olhávamos com expressões estranhas, difíceis de definir. Era infelicidade, simplificando. Mas, no final, tocávamos adiante, como tinha que ser. Nossas vidas são como água que escorre: ela procura todos os espaços por onde possa escoar. Se há obstáculos, se acumula e transborda, transpõe o que for preciso. Sempre chega a algum lugar. E cada um de nós, de seu jeito, como pode, chegou.
Em 30 de abril de 1997, na condição de orador das quatro turmas de concluintes, iniciei meu discurso dizendo que não havia apenas 155 colandos, e sim 157, porque incluí na conta os dois amigos, como presenças vivas naquele recinto. Houve uma reação calorosa por parte da plateia. Nossos amigos se fizeram presentes de fato, por meio de uma emoção firme, exteriorizada pelos aplausos a sua memória. Eu me calei e esperei que os colegas se recompusessem. Olhei para o ar e pensei: "Isto é para vocês." Houve quem agradecesse depois a lembrança de seus nomes. Eu realmente acho que a festa ficou mais completa assim.
Mais de 18 anos se passaram desde a primeira dessas separações. Com o tempo, é vero, as feridas vão cicatrizando e você arranja um local bonito e digno para as suas lembranças sofridas. Elas também nos fazem crescer. Tudo faz parte do tal ciclo da vida. E enquanto a dor ainda está presente, você busca se concentrar nas melhores recordações, nos sorrisos, nos afagos, nos abraços, nas brincadeiras, nas promessas de futuro, porque permanece havendo um futuro para todos nós.
Durante minha graduação, dois de nossos colegas de turma faleceram. Não colegas de curso, contemporâneos ou algo assim: duas pessoas que estudavam na mesma sala de aula que eu. O primeiro deles foi levado por um acidente de trânsito e atingiu a todos com perplexidade. Para vários de nós, ainda tão jovens, decerto era o primeiro contato com a morte. A segunda sofria de uma doença grave, que acabou por atingir o seu sistema nervoso. Ela deixou o curso e a cidade, sendo que meses depois soubemos que ela se fora, sob graves sofrimentos. Não estava mais entre nós, o que de certo modo anestesia a dor, mas as circunstâncias também foram perturbadoras.
Os primeiros dias após essas perdas foram de estranheza. É muito diferente quando acontece com alguém que você conhece, tornando-se mais agudo quanto maior a proximidade. Nós nos olhávamos com expressões estranhas, difíceis de definir. Era infelicidade, simplificando. Mas, no final, tocávamos adiante, como tinha que ser. Nossas vidas são como água que escorre: ela procura todos os espaços por onde possa escoar. Se há obstáculos, se acumula e transborda, transpõe o que for preciso. Sempre chega a algum lugar. E cada um de nós, de seu jeito, como pode, chegou.
Em 30 de abril de 1997, na condição de orador das quatro turmas de concluintes, iniciei meu discurso dizendo que não havia apenas 155 colandos, e sim 157, porque incluí na conta os dois amigos, como presenças vivas naquele recinto. Houve uma reação calorosa por parte da plateia. Nossos amigos se fizeram presentes de fato, por meio de uma emoção firme, exteriorizada pelos aplausos a sua memória. Eu me calei e esperei que os colegas se recompusessem. Olhei para o ar e pensei: "Isto é para vocês." Houve quem agradecesse depois a lembrança de seus nomes. Eu realmente acho que a festa ficou mais completa assim.
Mais de 18 anos se passaram desde a primeira dessas separações. Com o tempo, é vero, as feridas vão cicatrizando e você arranja um local bonito e digno para as suas lembranças sofridas. Elas também nos fazem crescer. Tudo faz parte do tal ciclo da vida. E enquanto a dor ainda está presente, você busca se concentrar nas melhores recordações, nos sorrisos, nos afagos, nos abraços, nas brincadeiras, nas promessas de futuro, porque permanece havendo um futuro para todos nós.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Sou a favor
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (24/4), proposta de criação de banco nacional de DNA para auxiliar nas investigações de crimes violentos. A medida está prevista no Projeto de Lei 2.458/2011, já aprovado pelo Senado. Pela proposta, os dados do banco de DNA serão sigilosos e as pessoas que os utilizarem para qualquer fim diferente daquele determinado pela Justiça responderão civil, penal e administrativamente. Os perfis genéticos seguirão normas internacionais de direitos humanos. Ou seja, não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais, apenas o gênero do investigado ou do condenado.
Leia o restante.
Esse tipo de banco de dados, bastante comum nos Estados Unidos, ainda não existe no Brasil. Mas é uma medida importante para elucidação de crimes, desde que bem utilizado. Confesso que tenho medo da utilização que será dada num país como o nosso, onde tudo é deturpado. Mas penso que é o caso de corrermos o risco.
Leia o restante.
Esse tipo de banco de dados, bastante comum nos Estados Unidos, ainda não existe no Brasil. Mas é uma medida importante para elucidação de crimes, desde que bem utilizado. Confesso que tenho medo da utilização que será dada num país como o nosso, onde tudo é deturpado. Mas penso que é o caso de corrermos o risco.
O n. 4
Neste momento está acontecendo a cerimônia de inauguração do quarto shopping center da cidade, e primeiro horizontal (com seu estacionamento ao ar livre, nada simpático ao nosso clima), o Parque Shopping. É o segundo empreendimento da Alliansce, que já mantém o Boulevard. Com isso, ela passa a titularizar os dois shoppings mais novos, mais bonitos e de mais alto nível de Belém.
Para assegurar a data de hoje, que foi amplamente explorada em sua publicidade, o empreendimento será inaugurado tal qual uma obra pública, ou seja, incompleto. O próprio site noticia que 70% das lojas já estarão abertas. Contudo, a conta não fecha. Se serão 200 lojas, e apenas 124 vão abrir hoje, isso dá 62%. A matemática também está mais para discurso de politico. As salas de cinema, que graças a Deus serão exploradas pelo Cinépolis e não pelo Moviecom, não têm data para abrir. Lembremos que, no Boulevard, o atraso foi absurdo.
Passei pela frente ontem, a caminho do supermercado, e os serviços pareciam atrasados. Ainda estavam instalando as grades externas, finalizando o letreiro e depositando as placas de grama. Isso nos leva a especular sobre como estarão as coisas por dentro. Se pedaços do forro não caírem, já ajuda.
Os empreendedores juram que fizeram uma prospecção de mercado e detectaram uma "demanda reprimida" na região, que hoje é a de maior expansão imobiliária em Belém. O tempo dirá. Pergunto-me o que acontecerá com o Castanheira, shopping mais discriminado da cidade. Afetado em seu entorno quase imediato, pode perder ainda mais público, o que me leva a pensar na oportunidade que ele perdeu de se consolidar no mercado, já que há anos e anos desenvolve um plano de expansão que não acaba nunca. Pior para eles.
Desejo sucesso ao Parque Shopping, porque gera milhares de empregos, além de tributos, o que pode ser muito bom para a cidade. Já quanto ao impacto sobre o trânsito, o pânico é grande. Ontem, e somente ontem, a prefeitura resolveu fazer umas obras de perfumaria no asfalto esburacado da Augusto Montenegro e o resultado foi caótico.
Enfim, eis o progresso.
Para assegurar a data de hoje, que foi amplamente explorada em sua publicidade, o empreendimento será inaugurado tal qual uma obra pública, ou seja, incompleto. O próprio site noticia que 70% das lojas já estarão abertas. Contudo, a conta não fecha. Se serão 200 lojas, e apenas 124 vão abrir hoje, isso dá 62%. A matemática também está mais para discurso de politico. As salas de cinema, que graças a Deus serão exploradas pelo Cinépolis e não pelo Moviecom, não têm data para abrir. Lembremos que, no Boulevard, o atraso foi absurdo.
Passei pela frente ontem, a caminho do supermercado, e os serviços pareciam atrasados. Ainda estavam instalando as grades externas, finalizando o letreiro e depositando as placas de grama. Isso nos leva a especular sobre como estarão as coisas por dentro. Se pedaços do forro não caírem, já ajuda.
Os empreendedores juram que fizeram uma prospecção de mercado e detectaram uma "demanda reprimida" na região, que hoje é a de maior expansão imobiliária em Belém. O tempo dirá. Pergunto-me o que acontecerá com o Castanheira, shopping mais discriminado da cidade. Afetado em seu entorno quase imediato, pode perder ainda mais público, o que me leva a pensar na oportunidade que ele perdeu de se consolidar no mercado, já que há anos e anos desenvolve um plano de expansão que não acaba nunca. Pior para eles.
Desejo sucesso ao Parque Shopping, porque gera milhares de empregos, além de tributos, o que pode ser muito bom para a cidade. Já quanto ao impacto sobre o trânsito, o pânico é grande. Ontem, e somente ontem, a prefeitura resolveu fazer umas obras de perfumaria no asfalto esburacado da Augusto Montenegro e o resultado foi caótico.
Enfim, eis o progresso.
terça-feira, 24 de abril de 2012
Curti isso
Apressado, cheguei ao CESUPA para as minhas aulas e, após os habituais transtornos da sempre congestionada Alcindo Cacela, eis que me deparei com agentes da CTBel botando para correr e multando os desgraçados que param em fila dupla. Que deleite! Que realização! Quase que bato palmas para aqueles homens.
Vale lembrar, todavia, que se a ação foi apenas hoje, de nada adiantará. Afinal, aos poucos, os veículos estão voltando a estacionar à direita da Alcindo Cacela, eis que não existe fiscalização. Espero, portanto, que a fiscalização se faça presente de novo, de novo e de novo.
E depois vem um babaca e diz que isso é "indústria de multa"...
Vale lembrar, todavia, que se a ação foi apenas hoje, de nada adiantará. Afinal, aos poucos, os veículos estão voltando a estacionar à direita da Alcindo Cacela, eis que não existe fiscalização. Espero, portanto, que a fiscalização se faça presente de novo, de novo e de novo.
E depois vem um babaca e diz que isso é "indústria de multa"...
Errático
Vivendo uma semana atípica e cansativa, o blog — que já vinha negligenciado há tempos — ficará ainda mais largado ao vento. Como de hábito, dou aos gentis visitantes esta satisfação, a fim de saberem que tenho meus motivos para sumir. Mas a qualquer momento posso dar uma passadinha por aqui.
Abraços.
Abraços.
Reforma do Código Penal IX: enriquecimento ilícito e violação às prerrogativas do advogado
Seguem os trabalhos da comissão de notáveis que elabora o anteprojeto de novo Código Penal. A mais recente proposta divulgada é muito boa em termos de punitividade, mas deixará muitos canalhas chateados: querem criminalizar o enriquecimento ilícito!
A medida está na contramão da habitual criminalização da pobreza, porque desta vez atinge em cheio aqueles cujo patrimônio é composto de chicanas de toda ordem. Curiosamente, quem mais vai penar com isso são os políticos, que para se candidatar e para tomar posse em eventuais cargos eletivos precisam apresentar suas declarações de bens, normalmente mirradinhas, anoréxicas como modelos horrorosas. Isto porque, claro, boa parte do patrimônio está em nome de parentes, inclusive falecidos, empregados domésticos, animais de estimação, etc.
Gostei desta.
O advogado Tércio Lins e Silva, membro da comissão, propôs uma medida que deixará os advogados com um sorriso de orelha a orelha, mas que, presumo, não será digerida com facilidade: criminalizar a violação das prerrogativas advocatícias.
A notícia é vaga, por isso ainda não sei se houve o cuidado de respeitar o princípio da taxatividade, descrevendo com cuidado quais seriam as formas de cometer tal delito, haja vista que criminalizar prerrogativas do advogado é vago demais.
Na esteira desta proposta, passariam a constituir crimes contra a administração da justiça um conjunto de ações que afetam a dignidade humana, tais como uso indevido de algemas (provavelmente um exagero, que deve ensejar muita confusão), revista íntima vexatória de visitantes em presídios e invasão de casas e estabelecimentos para diligências em busca de provas. Estas duas últimas propostas são bastante interessantes, porque se cuida de abusos evitáveis, mas que se renovam a todo momento, inclusive por conta do menosprezo de seus executores a direitos elementares dos cidadãos.
A medida está na contramão da habitual criminalização da pobreza, porque desta vez atinge em cheio aqueles cujo patrimônio é composto de chicanas de toda ordem. Curiosamente, quem mais vai penar com isso são os políticos, que para se candidatar e para tomar posse em eventuais cargos eletivos precisam apresentar suas declarações de bens, normalmente mirradinhas, anoréxicas como modelos horrorosas. Isto porque, claro, boa parte do patrimônio está em nome de parentes, inclusive falecidos, empregados domésticos, animais de estimação, etc.
Gostei desta.
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O advogado Tércio Lins e Silva, membro da comissão, propôs uma medida que deixará os advogados com um sorriso de orelha a orelha, mas que, presumo, não será digerida com facilidade: criminalizar a violação das prerrogativas advocatícias.
A notícia é vaga, por isso ainda não sei se houve o cuidado de respeitar o princípio da taxatividade, descrevendo com cuidado quais seriam as formas de cometer tal delito, haja vista que criminalizar prerrogativas do advogado é vago demais.
Na esteira desta proposta, passariam a constituir crimes contra a administração da justiça um conjunto de ações que afetam a dignidade humana, tais como uso indevido de algemas (provavelmente um exagero, que deve ensejar muita confusão), revista íntima vexatória de visitantes em presídios e invasão de casas e estabelecimentos para diligências em busca de provas. Estas duas últimas propostas são bastante interessantes, porque se cuida de abusos evitáveis, mas que se renovam a todo momento, inclusive por conta do menosprezo de seus executores a direitos elementares dos cidadãos.
domingo, 22 de abril de 2012
Reforma do Código Penal VIII: furto, tráfico de pessoas e abuso de autoridade
A Agência Brasil informou sobre as mudanças aprovadas na sexta-feira pela comissão de notáveis que elabora o anteprojeto de novo Código Penal. Na reunião, as propostas foram estas:
O grande problema é que a esmagadora maioria dos condenados, neste país, é de gente que não tem um pau para atirar no gato, portanto a punição através de multa pode se tornar simplesmente inútil. De acordo com a lei brasileira, quem não pode pagá-la não paga e nada lhe acontece. Por conseguinte, a medida deve se fazer acompanhar de uma alternativa. E penas não prisionais deveriam ser aplicadas também a um número bem maior de crimes.
Outras medidas também relacionadas ao furto dizem respeito à redução da pena máxima, de 4 para 3 anos (a fim de viabilizar a proposta de suspensão condicional do processo, em caso de réus primários), além de condicionar a ação penal pública à representação do ofendido. As duas ideias tendem a reduzir o número de ações penais em tramitação por furto.
É sumamente absurdo que uma prisão ilegal, que o tratamento violento e desnecessário, dentre outras situações perpetradas habitualmente por autoridades públicas, estivesse submetido a uma punibilidade tão exígua.
- Em casos de furto simples, especialmente se a coisa furtada for de pequeno valor, a pena prisional seria substituída por multa.
O grande problema é que a esmagadora maioria dos condenados, neste país, é de gente que não tem um pau para atirar no gato, portanto a punição através de multa pode se tornar simplesmente inútil. De acordo com a lei brasileira, quem não pode pagá-la não paga e nada lhe acontece. Por conseguinte, a medida deve se fazer acompanhar de uma alternativa. E penas não prisionais deveriam ser aplicadas também a um número bem maior de crimes.
Outras medidas também relacionadas ao furto dizem respeito à redução da pena máxima, de 4 para 3 anos (a fim de viabilizar a proposta de suspensão condicional do processo, em caso de réus primários), além de condicionar a ação penal pública à representação do ofendido. As duas ideias tendem a reduzir o número de ações penais em tramitação por furto.
- Criação de um novo tipo de furto, qualificado por ser cometido em situações de calamidade pública ou de desgraça alheia, furto de bens públicos ou de execução usando meios que possam ensejar perigo comum, notadamente o uso de explosivos, para atingir a recente onda de ataques a caixas eletrônicos.
- Aumento da pena para o crime de tráfico de pessoas, que deixa de ser limitado à finalidade de exploração sexual e passa a cobrir, também, as finalidades de tráfico de tecidos humanos e de submissão a condições análogas à escravidão.
- Aumento da pena do crime de abuso de autoridade para 2 a 5 anos de prisão.
É sumamente absurdo que uma prisão ilegal, que o tratamento violento e desnecessário, dentre outras situações perpetradas habitualmente por autoridades públicas, estivesse submetido a uma punibilidade tão exígua.
***
Lembremos que os trabalhos da comissão devem ser encerrados no próximo mês, com a entrega do anteprojeto ao Senado. A partir daí, o surgimento da nova lei dependerá da diligência das duas casas do Congresso Nacional, em ano de eleição.
No mais, destaco que o objetivo destas postagens sobre a reforma do Código Penal é analisar as propostas enquanto elas são inteligentes e não passionais, porque conduzidas por juristas sérios. A partir do momento que houver um projeto no Congresso Nacional, aí a irracionalidade, o foco nos resultados eleitoreiros e as próprias valorações subjetivas amalucadas podem por muita coisa a perder. Aí caberão outras análises, mas pode ser que menos jurídicas...
Risadas
A popularização das redes sociais introduziu na minha vida um conceito novo, que não estou digerindo com facilidade. Trata-se das risadas representadas pela notação "kkkkkkkkkkkkkkk".
Gente, na boa, não consigo entender "kkkkkkkkkkkkkkk" como risada. Praticamente todas as pessoas que conheço via redes sociais registram suas risadas desse jeito. Sinto esta aflição há muito tempo, mas hoje, talvez por conta do meu estado de alma deficitário dos últimos dias, acabei criando coragem de externar. Entendam: não é uma crítica, não é um protesto; é apenas um desabafo. O "kkkkkkkkkkkkkkk" me deixa nervoso.
Sei que é apenas uma notação, do mesmo modo que os emoticons ou as reduções (hj, tb, [], bjs, etc.), mas me dá uma espécie de pilora quando me deparo com o "kkkkkkkkkkkkkkk". Admito que seja uma fraqueza minha, mas fazer o quê? A sensação é real. Pode ser reflexo da minha incompreensão, já que, para mim, desde sempre, existem três tipos de risada:
Gente, na boa, não consigo entender "kkkkkkkkkkkkkkk" como risada. Praticamente todas as pessoas que conheço via redes sociais registram suas risadas desse jeito. Sinto esta aflição há muito tempo, mas hoje, talvez por conta do meu estado de alma deficitário dos últimos dias, acabei criando coragem de externar. Entendam: não é uma crítica, não é um protesto; é apenas um desabafo. O "kkkkkkkkkkkkkkk" me deixa nervoso.
Sei que é apenas uma notação, do mesmo modo que os emoticons ou as reduções (hj, tb, [], bjs, etc.), mas me dá uma espécie de pilora quando me deparo com o "kkkkkkkkkkkkkkk". Admito que seja uma fraqueza minha, mas fazer o quê? A sensação é real. Pode ser reflexo da minha incompreensão, já que, para mim, desde sempre, existem três tipos de risada:
- ahahahahahahahah: é a gargalhada, feliz, aberta e até espalhafatosa;
- eheheheheheheheh: é uma risada mais comedida, porém ainda aberta, animada;
- ihihihihihihihihihihih: é a risada das crianças, sobretudo das meninas.
Na Turma da Mônica, Maurício de Souza usa "quiá quiá quiá" para indicar risadas maléficas, como quando o Cebolinha elabora um plano para derrotar a dentuça. Acho divertido e já usei algumas vezes. Mas não tem quem me faça aceitar o "kkkkkkkkkkkkkkk". Não há uma explicação para isso. Não uma consciente, pelo menos. É como me perguntar por que sempre arrumo os alimentos no prato e coloco a carne na parte de cima. Não adiante me perguntar, pois não saberei explicar. É assim que organizo e pronto.
Acho que doarei meu cérebro para ser estudado pela ciência. O resto do corpo não, que essa porcaria não serve nem para isso. Mas o cérebro talvez ajude os pesquisadores a descobrir alguma coisa sobre manias, marrentices, besteiras, etc.
Indo dormir
1h20 da madrugada do domingo e dou um basta: vou-me recolher. Saio à sacada e olho a rua, quase totalmente vazia, exceto pelo vigilante adormecido. Quase totalmente silenciosa, exceto por uma TV absurda em alguma casa da vizinhança. Fico um tempo olhando, grato por dispor da possibilidade de ver o mundo numa hora dessas, sem medo de ser assaltado. Lá dentro, minhas meninas dormem.
O domingo, claro, será muito puxado. Já até me esqueci do último dia em que tive sossego. Esta será uma semana atípica, exigente e dramática. Uma frase fica rondando a minha cabeça, uma que repeti tantas vezes para diversas pessoas e agora digo para mim mesmo: a esperança é a última que morre; mas morre.
Mas ainda posso encostar a cabeça no travesseiro, sentir-me em paz e descansar. De manhã, começamos de novo. De certa forma, isso já é muito.
O domingo, claro, será muito puxado. Já até me esqueci do último dia em que tive sossego. Esta será uma semana atípica, exigente e dramática. Uma frase fica rondando a minha cabeça, uma que repeti tantas vezes para diversas pessoas e agora digo para mim mesmo: a esperança é a última que morre; mas morre.
Mas ainda posso encostar a cabeça no travesseiro, sentir-me em paz e descansar. De manhã, começamos de novo. De certa forma, isso já é muito.
sexta-feira, 20 de abril de 2012
Má vontade e sobretudo burrice
Existe um famoso documentário chamado Uma História Severina (dir. Débora Diniz e Eliane Brum, Brasil, 2005, já comentado aqui no blog), que retrata o drama de uma Severina de verdade, grávida de um anencéfalo, que tenta interromper a gestação. Àquela altura, nos primeiros momentos de existência da ADPF 54, o Min. Marco Aurélio (relator) deferira a liminar, permitindo que o procedimento fosse realizado em todo o país. Ocorre que essa liminar acabou cassada, por razões processuais, haja vista que uma deliberação dessa monta deveria ser dada pelo Plenário do STF e não por decisão monocrática.
A Severina do documentário chega ao hospital no dia seguinte à cassação da liminar e padece nas mãos dos burocratas. No final das contas, a gestação é levada a termo e o resultado é o óbvio. As imagens da tragédia familiar são intercaladas com cenas gravadas no STF, quando os ministros discutem o caso. Na cena mais contundente para mim, o Min. Cezar Peluso ironiza (ele adora ironizar coisas sérias, como vimos em seus comentários e linguagem corporal durante o julgamento da "Lei da Ficha Limpa") a questão e sugere que o problema não é tão grave quanto sugerido na petição inicial do processo. "Onde estão essas mulheres?", debocha, como se elas não existissem. Foi a primeira vez que senti aversão ao senhor ministro, mas não a última, e comemoro a sua aposentadoria. Já vai tarde.
Na semana passada, como todos sabem, a ADPF 54 teve seu desfecho e agora sabemos que interromper uma gestação com diagnóstico comprovado de anencefalia não configura abortamento, passível de incriminação. Saber, até sabemos, mas isso pode não significar muito. Em Pernambuco, uma mulher nessa situação não está conseguindo atendimento médico. O motivo? O acórdão do STF ainda não foi publicado!
Odeio burocratas e odeio, acima de tudo, gente burra. Se a decisão do STF é pública, notória e definitiva, porque não cabe mais recurso, qual a razão de dependermos da formalização de um ato cuja razão de ser é, tão somente, a publicidade? Note que o que dá à gestante o direito de interromper a gestação é a própria condição médica, não a existência de um documento judicial. Todo o controverso direito discutido nesse julgamento fica relegado a uma condição secundária, porque importante mesmo são umas letrinhas num pedaço de jornal (ou um link na tela do computador).
Por comparação, imagine-se uma lei penal que tenha vacatio legis. Se essa lei for mais benéfica, abolindo um crime ou reduzindo ônus penais, ela pode ser aplicada mesmo durante a vacância. É o bom senso que o determina. Afinal, se já sabemos que o autor da tal conduta não será punido daqui a alguns dias, e se sabemos também que a lei mais benéfica é retroativa, qual o sentido de manter hoje um conteúdo punitivo que desaparecerá em questão de dias? Seria imbecil, sem dúvida. Esperar o acórdão também é, ainda mais sabendo que ele poderá demorar meses.
Mas além de imbecil é um ato de desumanidade. E nisso nós, brasileiros, somos bons até demais!
A Severina do documentário chega ao hospital no dia seguinte à cassação da liminar e padece nas mãos dos burocratas. No final das contas, a gestação é levada a termo e o resultado é o óbvio. As imagens da tragédia familiar são intercaladas com cenas gravadas no STF, quando os ministros discutem o caso. Na cena mais contundente para mim, o Min. Cezar Peluso ironiza (ele adora ironizar coisas sérias, como vimos em seus comentários e linguagem corporal durante o julgamento da "Lei da Ficha Limpa") a questão e sugere que o problema não é tão grave quanto sugerido na petição inicial do processo. "Onde estão essas mulheres?", debocha, como se elas não existissem. Foi a primeira vez que senti aversão ao senhor ministro, mas não a última, e comemoro a sua aposentadoria. Já vai tarde.
Na semana passada, como todos sabem, a ADPF 54 teve seu desfecho e agora sabemos que interromper uma gestação com diagnóstico comprovado de anencefalia não configura abortamento, passível de incriminação. Saber, até sabemos, mas isso pode não significar muito. Em Pernambuco, uma mulher nessa situação não está conseguindo atendimento médico. O motivo? O acórdão do STF ainda não foi publicado!
Odeio burocratas e odeio, acima de tudo, gente burra. Se a decisão do STF é pública, notória e definitiva, porque não cabe mais recurso, qual a razão de dependermos da formalização de um ato cuja razão de ser é, tão somente, a publicidade? Note que o que dá à gestante o direito de interromper a gestação é a própria condição médica, não a existência de um documento judicial. Todo o controverso direito discutido nesse julgamento fica relegado a uma condição secundária, porque importante mesmo são umas letrinhas num pedaço de jornal (ou um link na tela do computador).
Por comparação, imagine-se uma lei penal que tenha vacatio legis. Se essa lei for mais benéfica, abolindo um crime ou reduzindo ônus penais, ela pode ser aplicada mesmo durante a vacância. É o bom senso que o determina. Afinal, se já sabemos que o autor da tal conduta não será punido daqui a alguns dias, e se sabemos também que a lei mais benéfica é retroativa, qual o sentido de manter hoje um conteúdo punitivo que desaparecerá em questão de dias? Seria imbecil, sem dúvida. Esperar o acórdão também é, ainda mais sabendo que ele poderá demorar meses.
Mas além de imbecil é um ato de desumanidade. E nisso nós, brasileiros, somos bons até demais!
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Controle da raiva
Nos Estados Unidos, a ideia já é antiga, mas no Brasil, uma novidade. E tinha que começar pelo Rio Grande do Sul, claro, Estado conhecido por suas posições jurídicas de vanguarda. No Presídio Central de Porto Alegre, 31 detentos estão participando, voluntariamente, de um curso de controle da raiva e do desejo de vingança. Trata-se de um programa de justiça restaurativa, que deveria ser disseminado por todo o país, ensejando melhores prognósticos da tão decantada e quase utópica ressocialização.
Segundo Damásio de Jesus, "a Justiça Restaurativa é um processo colaborativo em que as partes afetadas mais diretamente por um crime determinam a melhor forma de reparar o dano causado pela transgressão". Vale a pena conhecer melhor o assunto.
Segundo Damásio de Jesus, "a Justiça Restaurativa é um processo colaborativo em que as partes afetadas mais diretamente por um crime determinam a melhor forma de reparar o dano causado pela transgressão". Vale a pena conhecer melhor o assunto.
quarta-feira, 18 de abril de 2012
Vão-se os aneis
Mesa do Senado aprova o fim dos 14º e 15º salários para parlamentares
Um autêntico cala-a-boca, para deixar o eleitorado animadinho. Mas se pensarmos que os maiores ganhos dos parlamentares não aparecem no contracheque, então esta medida está longe de ser moralizadora. Do ponto de vista financeiro, pode ser um contratempo, mas não uma solução. Sobretudo porque os "prejudicados" vão se ouriçar para encontrar uma forma de reposição...
Um autêntico cala-a-boca, para deixar o eleitorado animadinho. Mas se pensarmos que os maiores ganhos dos parlamentares não aparecem no contracheque, então esta medida está longe de ser moralizadora. Do ponto de vista financeiro, pode ser um contratempo, mas não uma solução. Sobretudo porque os "prejudicados" vão se ouriçar para encontrar uma forma de reposição...
Paulo Freire: patrono da educação brasileira
Há dois dias, o célebre educador Paulo Freire se tornou patrono da educação brasileira. Foi o que determinou a Lei n. 12.612, de 13.4.2012, publicada e vigente no dia 16.
O pernambucano Paulo Reglus Neves Freire (19.9.1921 - 2.5.1997) foi educador e filósofo, de renome internacional. Suas maiores preocupações, em que se mesclavam o profissional e o cidadão, eram alfabetizar e dotar de consciência política os brasileiros menos favorecidos. Foi criador do MOVA, Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos.
Marxista, foi preso em 16.6.1964, acusado de "traição". Ficou encarcerado por 70 dias e tirou dessa experiência a descoberta de "novas formas de solidariedade". Típico caso de prisão ideológica, porquanto sua oposição à ditadura se implementava no plano das ideias — o que, como sabemos, é particularmente assustador para os canalhas. Liberto, sabia que sua atuação o manteria em permanente risco, de modo que optou pelo exílio até a anistia, em 1979.
É autor de 40 livros, dos quais o mais famoso é Pedagogia do oprimido (1970), traduzido para vários idiomas.
Segundo a Wikipedia, é o brasileiro que mais recebeu láureas acadêmicas, num total de 41 títulos de doutor honoris causa, conferidos inclusive por Harvard, Oxford e Cambridge.
Para conhecer esta criatura única e admirável, visite a página do Centro Paulo Freire.
A homenagem é mais do que justa. O Brasil é que está muito abaixo do homenageado.
O pernambucano Paulo Reglus Neves Freire (19.9.1921 - 2.5.1997) foi educador e filósofo, de renome internacional. Suas maiores preocupações, em que se mesclavam o profissional e o cidadão, eram alfabetizar e dotar de consciência política os brasileiros menos favorecidos. Foi criador do MOVA, Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos.
Marxista, foi preso em 16.6.1964, acusado de "traição". Ficou encarcerado por 70 dias e tirou dessa experiência a descoberta de "novas formas de solidariedade". Típico caso de prisão ideológica, porquanto sua oposição à ditadura se implementava no plano das ideias — o que, como sabemos, é particularmente assustador para os canalhas. Liberto, sabia que sua atuação o manteria em permanente risco, de modo que optou pelo exílio até a anistia, em 1979.
É autor de 40 livros, dos quais o mais famoso é Pedagogia do oprimido (1970), traduzido para vários idiomas.
Segundo a Wikipedia, é o brasileiro que mais recebeu láureas acadêmicas, num total de 41 títulos de doutor honoris causa, conferidos inclusive por Harvard, Oxford e Cambridge.
Para conhecer esta criatura única e admirável, visite a página do Centro Paulo Freire.
A homenagem é mais do que justa. O Brasil é que está muito abaixo do homenageado.
Manguaça e vadiagem
Confesso minha surpresa ao saber que 80% dos votantes em enquete do Senado (mera amostragem, sem valor científico) se disseram contrários à venda de bebida alcoólica nos estádios, durante a copa do mundo.
Vale lembrar que os participantes dessa enquete são, certamente, pessoas de maior nível de renda e de instrução, perfil que imagino para internautas que visitam o site do Senado. Daí que me chama a atenção o motivo da insurgência: os votantes não acham correto abrir exceções, mesmo na copa. Com isso, dão duas mostras de cidadania: não se render ao deslumbramento tosco em torno da copa e, mais ainda, ser contrários ao consumo de álcool nos estádios no geral do tempo.
A mesma notícia dá conta de que 62% dos internautas se mostrou favorável à decretação de feriado em dias de jogos da seleção brasileira, ficando Estados, Municípios e Distrito Federal livres para decretar feriados em caso de jogos nos seus territórios. Motivo de minha surpresa? Terem sido apenas 62%!
O brasileiro pode até me surpreender nos vícios, mas na maladragem...
Fonte: http://www.senado.gov.br/noticias/datasenado/release_pesquisa.asp?p=39
Vale lembrar que os participantes dessa enquete são, certamente, pessoas de maior nível de renda e de instrução, perfil que imagino para internautas que visitam o site do Senado. Daí que me chama a atenção o motivo da insurgência: os votantes não acham correto abrir exceções, mesmo na copa. Com isso, dão duas mostras de cidadania: não se render ao deslumbramento tosco em torno da copa e, mais ainda, ser contrários ao consumo de álcool nos estádios no geral do tempo.
A mesma notícia dá conta de que 62% dos internautas se mostrou favorável à decretação de feriado em dias de jogos da seleção brasileira, ficando Estados, Municípios e Distrito Federal livres para decretar feriados em caso de jogos nos seus territórios. Motivo de minha surpresa? Terem sido apenas 62%!
O brasileiro pode até me surpreender nos vícios, mas na maladragem...
Fonte: http://www.senado.gov.br/noticias/datasenado/release_pesquisa.asp?p=39
terça-feira, 17 de abril de 2012
Novos advogados ou quase
Saiu esta manhã a lista do último Exame de Ordem. Depois que foi autorizada a participação de acadêmicos a partir do 9º semestre do curso, o elenco passa a envolver tanto os nossos ex-alunos quanto a galerinha que ainda convive conosco. É um prazer ver todos eles concluírem esta etapa, razão pela qual mando meu abraço para:
Alexandre José França Carvalho
Amanda Pinheiro de Souza Motta
André Augusto Serra Dias
André Augusto Serra Dias
Arthur Calandrini Azevedo da Costa
Bárbara Ribeiro Ferreira e Ferreira
Bernardo Albuquerque de Almeida
Bernardo Araujo Diniz
Camila Maia Migliano
Camila Vasconcelos de Oliveira
Camilla Barbosa Figueiredo
Caio Britto Ribeiro
Caio Godinho Rebelo Brandão da Costa
Camilla Barbosa Figueiredo
Caio Britto Ribeiro
Caio Godinho Rebelo Brandão da Costa
Chyara Mello Vidinha
Claudia Salame Serique
Daniel Alves Burle
Daniel Henrique Baía Nogueira
Dirceu Ten Caten Pies
Ianna Cavalcante Da Silva
Isabela Ribeiro Lamarão
João Gabriel Moreira Cavalleiro de Macêdo Ribeiro
João Paulo de Kós Miranda Siqueira
Jorge Rachid Haber Neto
Juliana Oliveira Baía
Kecya Rhuane Antenória Matos
Leonam Von Grap Marinho Neto
Leonardo Cunha Santa Brígida
Leonardo Fadul Fernandes
Lucas Gomes Bombonato
Luiza Tuma da Ponte Silva
Luma Danin Costa
Manoela Matos Monteiro Goncalves
Manuelle Pinto Sotero
Marcella de Lima Bastos
Marina Rodrigues Vieira
Mayara Moreno Vasconcelos Araújo
Paloma Benoliel Lira
Paula Erse Oliveira
Pier Paolo Cruz Toppino
Pietro Maneschy Gasparetto
Rafael Júlio Maia Raposo
Raphaela do Nascimento Pereira
Renan Azevedo Santos
Rosiane Esteves dos Santos
Simone Cruz Nobre
Suzane da Silva Melero
Thays Gonçalves Cantanhede
Tiago de Araújo Batista
Vanessa Formigosa Vitor
Verena Holanda de Mendonça Alves
Victor Cardoso de Lima
Victor Cardoso de Lima
Para os bachareis, desejo todo o sucesso na carreira advocatícia, ainda que a intenção específica seja tentar um concurso público após o período de carência. E para os acadêmicos, minhas felicitações seguem com a lembrança de que ainda falta um semestre letivo e meio, com muitas obrigações e responsabilidades. Vocês ainda são estudantes, portanto não percam o foco.
Propaganda enganosa
"Cruzeiro vai reviver viagem do Titanic nos mínimos detalhes"
Vou logo avisando: se não afundar, vou exigir o dinheiro de volta!
A mais famosa tragédia da navegação mundial completou 100 anos anteontem, 15 de abril. Seguem os eventos alusivos à data.
Vou logo avisando: se não afundar, vou exigir o dinheiro de volta!
A mais famosa tragédia da navegação mundial completou 100 anos anteontem, 15 de abril. Seguem os eventos alusivos à data.
Perguntar não ofende
Aquela conhecida grife estrangeira, que eu supunha sofisticada e cara (mas que não é, segundo um comentarista anônimo que me corrigiu), sentará praça em Belém, numa loja de 1.800 m2 no shopping mais sofisticado da cidade. Não custa perguntar: será que alguém já está procurando imóveis com porões, a fim de manter em confinamento e situação de trabalho análogo à escravidão as pobres costureiras que produzem as peças?
Se alguém quiser me acusar de estar sendo impertinente ou injusto, antes leia aqui e aqui. Como sempre, não foi minha culpa. Foi coisa do terceirizado clandestino...
Se alguém quiser me acusar de estar sendo impertinente ou injusto, antes leia aqui e aqui. Como sempre, não foi minha culpa. Foi coisa do terceirizado clandestino...
Criando entraves
(...) uma vez caracterizado o interesse publico, o administrador não pode dispor deste interesse. Não há liberdade sobre isso. Assim, o princípio da indisponibilidade é limitação da supremacia do interesse público. A indisponibilidade é, assim, um contra peso à supremacia do interesse público.
O postulado da indisponibilidade tem duas bases fundamentais:
O administrador exerce função pública.
Função é exercer uma atividade em nome e no interesse de outrem. Assim, função pública é exercer uma atividade em nome e no interesse do povo. Este é um motivo de não se poder dispor do interesse público.
Ademais, o administrador de hoje não pode criar entraves para a futura administração. Em se dispondo do interesse público, poderá comprometer a próxima administração. Assim, por exemplo, a não realização total da obra comentada é dispor do interesse público, sendo tão grave quanto a não realização de licitação, igualmente, viola o principio da indisponibilidade do interesse público.
Juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Belém, na decisão liminar que suspendeu as obras de fachada do prefeito-desastre, finalmente minguante.
Desde já, nossos agradecimentos.Elder Lisboa Ferreira da Costa
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Nos bastidores
A despeito do tom desnecessariamente debochado da matéria, assim como de algumas críticas estranhas ao tema, acho interessante compartilhar esta descrição sobre os bastidores do julgamento da ADPF 54, pelo Supremo Tribunal Federal, na semana passada. Permite conhecer melhor os elementos subjetivos e não declarados do comportamento de cada personagem.
Além disso, duas coisas me chamaram a atenção durante os dois dias de julgamento: a insistência dos ministros em elaborar votos imensos, e lê-los na íntegra, mesmo quando pretendiam apenas concordar com o relator, o que talvez se explica pelo desejo de assegurar um lugar na história com iluminação suficiente; e a necessidade de conferir um tom lírico ao polêmico julgamento, por meio de citações poéticas e frases de efeito (o útero que vira esquife, de Carmen Lúcia). Somem-se a isso os devaneios filosóficos. Sentado diante da TV assistindo ao julgamento pela TV Justiça, senti o tédio e o sono me dominarem diante da logorreia da Min. Rosa Weber sobre (in)certezas científicas. Dormi um tempo e acordei já no ministro seguinte, senão teria literalmente babado.
No mais, o ministro pede para acabarmos com os "faniquitos anticlericais". Tudo bem, mas os religiosos aprontaram das suas até no plenário. Respeito é para quem tem, não?
Já que estamos no tema, fiquem aqui com uma análise interessante redigida pelo médico obstetra Thomaz Gollop.
Além disso, duas coisas me chamaram a atenção durante os dois dias de julgamento: a insistência dos ministros em elaborar votos imensos, e lê-los na íntegra, mesmo quando pretendiam apenas concordar com o relator, o que talvez se explica pelo desejo de assegurar um lugar na história com iluminação suficiente; e a necessidade de conferir um tom lírico ao polêmico julgamento, por meio de citações poéticas e frases de efeito (o útero que vira esquife, de Carmen Lúcia). Somem-se a isso os devaneios filosóficos. Sentado diante da TV assistindo ao julgamento pela TV Justiça, senti o tédio e o sono me dominarem diante da logorreia da Min. Rosa Weber sobre (in)certezas científicas. Dormi um tempo e acordei já no ministro seguinte, senão teria literalmente babado.
No mais, o ministro pede para acabarmos com os "faniquitos anticlericais". Tudo bem, mas os religiosos aprontaram das suas até no plenário. Respeito é para quem tem, não?
Já que estamos no tema, fiquem aqui com uma análise interessante redigida pelo médico obstetra Thomaz Gollop.
Seres humanos de espécie alguma
A postagem "A caminho do fim da humanidade" trouxe de volta o meu célebre comentarista para assuntos filosóficos André Coelho, que discorreu com a habitual sabedoria sobre o tema, permitindo uma reflexão valiosa:
Já eu acho a notícia interessante pelo quanto de simbólico ela carrega para a questão da exploração sexual em geral, principalmente de seres humanos. A presença de uma fêmea de orangotango num prostíbulo, disponível para lucro da proprietária e para uso dos clientes como qualquer outra das prostitutas, mostra bem qual é o status (um nível certamente abaixo do humano) que tal proprietária e tais clientes atribuem às mulheres do local. Se um Y pode estar entre vários X's sem causar estranheza aos Z's, é que os X's já estavam sendo tratados como Y's pelos Z's desde o princípio. Não estou negando que o animal fosse atração exatamente por ser o elemento diferente, o que estou dizendo é que essa diferença não era uma ruptura com a relação simbólica da prostituição, e sim uma continuidade dela sob uma forma que ajuda a lançar luz sobre de que tipo de relação simbólica se trata.
Já a resistência a entregar o animal mostra o quanto ele representava, por assim dizer, o ideal do que a proprietária e os clientes esperariam que as mulheres do local fossem. Se é verdade que a fêmea de orangotango não rompe a relação simbólica travada com as mulheres porque estas já estão sendo tratadas na condição daquela primeira desde o início, também é verdade que as mulheres, na medida em que estão sendo tratadas como menos que humanas, mas são ainda humanas, só se submetem a essa condição com alguma dose de desencaixe, de atrito, de resistência. Elas precisam se comportar como menos que humanas, enquanto são, na verdade, humanas. Já a fêmea de orangotango, não. Ela, que deve ter sido submetida a isso por tanto tempo e tantas vezes até perder a noção de outra existência distinta, se encaixa perfeitamente no perfil sub-humano que o "negócio" lhe empresta e, por isso, representa um objeto assim tão valioso. Não está à sua disposição a memória, a imaginação e a possibilidade de representação reconstrutiva da própria imagem e dignidade que os seres humanos "incomodamente" insistem em ter.
Por fim, vale ainda destacar o valor simbólico de tratar-se de uma fêmea de orangotango, e não de uma égua, de uma vaca ou de uma cabrita. O apelo de uma animal que mantém razoável semelhança com as formas e comportamentos humanos é revelador desse outro aspecto da prostituição. Se se trata de converter aquelas mulheres em seres menos que humanos, é preciso, contudo, que jamais se perca a semelhança com o humano. É o motivo por que elas precisam fingir-se interessadas, seduzidas, satisfeitas com aquilo que as submete, machuca ou enoja.
É que, tal como no estupro, na prostituição está envolvido não apenas um componente de prazer, mas também um componente de poder, como se a posse do dinheiro por um dos pólos lhe desse a capacidade de mandar e a necessidade do ganho pelo outro lhe tirasse a capacidade de negar. Trata-se de instrumentalização para o prazer (e para isso é preciso reduzir o humano a um sub-humano), experiência que atrai o desejo porque realiza a fantasia de ter das mulheres o que os homens geralmente buscam de seu corpo sem ter que suportar tudo aquilo que lhes incomoda em sua personalidade (no fundo, é que elas sejam pessoas, e não coisas, que tanto os incomoda); mas trata-se também de subjugação mediante poder (e para isso é preciso manter aquele sub-humano sempre em razoável analogia com o humano, pois é sempre outro humano que se quer subjugar), experiência que atrai o desejo porque realiza a fantasia de estar numa posição tal em que as pessoas objeto de seu desejo simplesmente não lhe podem dizer não.
Em última instância, no que concerne a esse componente de poder, o motivo por que os homens vão a prostíbulos é o mesmo motivo por que eles sonham em algum dia serem riquíssimos, famosíssimos ou poderosíssimos: evitar o longo, trabalhoso e arriscado investimento de conseguir um sim sincero mediante o truque de lidar apenas com aqueles que não lhe podem dizer não. Se não podem elevar-se acima de seus iguais sociais para obrigá-los a servi-los, vão procurar seus desiguais (tratados como) sub-humanos que não têm outra alternativa se não servi-los.
Quanto ao caso dos clientes e de se tratar de doença mental, quem dera fosse isso! Seria pelo menos uma situação excepcional de um prostíbulo que atendia apenas a psicopatas. O mais triste é que no fundo não é isso, é que no fundo apenas expressa em termos mais fortes (e, concordo, vizinhos do psicopático) apenas fantasias reprimidas de todos os membros de uma cultura fortemente patriarcal em que as mulheres são seres humanos de segunda classe, e as prostitutas não são seres humanos de classe alguma, mas são apenas isso que era a fêmea de orangotango: certo espécime animal que lembra vagamente um ser humano apenas na medida bastante para ser um objeto de prazer e poder masculino.
Já eu acho a notícia interessante pelo quanto de simbólico ela carrega para a questão da exploração sexual em geral, principalmente de seres humanos. A presença de uma fêmea de orangotango num prostíbulo, disponível para lucro da proprietária e para uso dos clientes como qualquer outra das prostitutas, mostra bem qual é o status (um nível certamente abaixo do humano) que tal proprietária e tais clientes atribuem às mulheres do local. Se um Y pode estar entre vários X's sem causar estranheza aos Z's, é que os X's já estavam sendo tratados como Y's pelos Z's desde o princípio. Não estou negando que o animal fosse atração exatamente por ser o elemento diferente, o que estou dizendo é que essa diferença não era uma ruptura com a relação simbólica da prostituição, e sim uma continuidade dela sob uma forma que ajuda a lançar luz sobre de que tipo de relação simbólica se trata.
Já a resistência a entregar o animal mostra o quanto ele representava, por assim dizer, o ideal do que a proprietária e os clientes esperariam que as mulheres do local fossem. Se é verdade que a fêmea de orangotango não rompe a relação simbólica travada com as mulheres porque estas já estão sendo tratadas na condição daquela primeira desde o início, também é verdade que as mulheres, na medida em que estão sendo tratadas como menos que humanas, mas são ainda humanas, só se submetem a essa condição com alguma dose de desencaixe, de atrito, de resistência. Elas precisam se comportar como menos que humanas, enquanto são, na verdade, humanas. Já a fêmea de orangotango, não. Ela, que deve ter sido submetida a isso por tanto tempo e tantas vezes até perder a noção de outra existência distinta, se encaixa perfeitamente no perfil sub-humano que o "negócio" lhe empresta e, por isso, representa um objeto assim tão valioso. Não está à sua disposição a memória, a imaginação e a possibilidade de representação reconstrutiva da própria imagem e dignidade que os seres humanos "incomodamente" insistem em ter.
Por fim, vale ainda destacar o valor simbólico de tratar-se de uma fêmea de orangotango, e não de uma égua, de uma vaca ou de uma cabrita. O apelo de uma animal que mantém razoável semelhança com as formas e comportamentos humanos é revelador desse outro aspecto da prostituição. Se se trata de converter aquelas mulheres em seres menos que humanos, é preciso, contudo, que jamais se perca a semelhança com o humano. É o motivo por que elas precisam fingir-se interessadas, seduzidas, satisfeitas com aquilo que as submete, machuca ou enoja.
É que, tal como no estupro, na prostituição está envolvido não apenas um componente de prazer, mas também um componente de poder, como se a posse do dinheiro por um dos pólos lhe desse a capacidade de mandar e a necessidade do ganho pelo outro lhe tirasse a capacidade de negar. Trata-se de instrumentalização para o prazer (e para isso é preciso reduzir o humano a um sub-humano), experiência que atrai o desejo porque realiza a fantasia de ter das mulheres o que os homens geralmente buscam de seu corpo sem ter que suportar tudo aquilo que lhes incomoda em sua personalidade (no fundo, é que elas sejam pessoas, e não coisas, que tanto os incomoda); mas trata-se também de subjugação mediante poder (e para isso é preciso manter aquele sub-humano sempre em razoável analogia com o humano, pois é sempre outro humano que se quer subjugar), experiência que atrai o desejo porque realiza a fantasia de estar numa posição tal em que as pessoas objeto de seu desejo simplesmente não lhe podem dizer não.
Em última instância, no que concerne a esse componente de poder, o motivo por que os homens vão a prostíbulos é o mesmo motivo por que eles sonham em algum dia serem riquíssimos, famosíssimos ou poderosíssimos: evitar o longo, trabalhoso e arriscado investimento de conseguir um sim sincero mediante o truque de lidar apenas com aqueles que não lhe podem dizer não. Se não podem elevar-se acima de seus iguais sociais para obrigá-los a servi-los, vão procurar seus desiguais (tratados como) sub-humanos que não têm outra alternativa se não servi-los.
Quanto ao caso dos clientes e de se tratar de doença mental, quem dera fosse isso! Seria pelo menos uma situação excepcional de um prostíbulo que atendia apenas a psicopatas. O mais triste é que no fundo não é isso, é que no fundo apenas expressa em termos mais fortes (e, concordo, vizinhos do psicopático) apenas fantasias reprimidas de todos os membros de uma cultura fortemente patriarcal em que as mulheres são seres humanos de segunda classe, e as prostitutas não são seres humanos de classe alguma, mas são apenas isso que era a fêmea de orangotango: certo espécime animal que lembra vagamente um ser humano apenas na medida bastante para ser um objeto de prazer e poder masculino.
Jogarei meus livros fora
A contundente declaração será cumprida se a tese defensória de Anders Behring Breivik prevalecer no tribunal que começou a julgá-lo, na Noruega. Para quem não lembra nem reconhece, Breivik é o extremista de direita que virou franco-atirador em Oslo, no dia 22.7.2011, matando 77 pessoas.
O ato terrorista teve como motivo o combate ao islamismo e ao multiculturalismo. E as 77 vítimas, claro, nada tinham a ver com isso.
A tese defensória é de legítima defesa!
Tudo bem que cada país tem a sua própria legislação, o seu próprio Direito, mas a maioria dos institutos penais são frutos de elaborações teóricas de longa data e conhecidas em todo o mundo, aplicadas com variações evidentemente, mas possuindo um núcleo comum.
Então se disserem que houve legítima defesa, terei que reaprender do zero.
O ato terrorista teve como motivo o combate ao islamismo e ao multiculturalismo. E as 77 vítimas, claro, nada tinham a ver com isso.
A tese defensória é de legítima defesa!
Tudo bem que cada país tem a sua própria legislação, o seu próprio Direito, mas a maioria dos institutos penais são frutos de elaborações teóricas de longa data e conhecidas em todo o mundo, aplicadas com variações evidentemente, mas possuindo um núcleo comum.
Então se disserem que houve legítima defesa, terei que reaprender do zero.
Reforma do Código Penal VII: o povo
Redução da maioridade penal para dez anos, trabalho forçado para presos, castração química de estupradores, prisão perpétua para reincidentes e pena de morte para corruptos...
Desde a instalação da comissão de reforma do Código Penal, em novembro do ano passado, o Senado Federal vem recebendo sugestões populares ao anteprojeto que está sendo elaborado por juristas e que dirá o que é crime no país, quais as penas e como elas devem ser cumpridas. Até esta semana, foram quase 2.500 participações, a maioria pedindo o aumento de penas, a criminalização de novas condutas e o endurecimento da lei penal.
Clique aqui para ler o restante da matéria.
A democracia pressupõe e exige que, nos processos decisórios da Nação, todos os setores da sociedade sejam ouvidos (ao menos, que se lhes dê oportunidade de manifestação e que esta não seja apenas formal). Tal necessidade é diametralmente proporcional ao grau de importância da deliberação, de impacto sobre a vida das pessoas. Portanto, merece elogios a preocupação do Senado em manter uma ferramenta que permite a qualquer cidadão dar suas opiniões sobre o projeto de futuro Código Penal. Como diz a matéria, temas que não haviam sido cogitados pelos especialistas (notadamente a crueldade contra animais) entraram em pauta graças a intervenções recorrentes.
Era certo, contudo, que muita gente faria questão de mandar sugestões expressivas de seus medos, ódios e rancores. Nem falo da ausência de conhecimento técnico, porque é difícil ao cidadão comum alcançar os meandros do Direito. Assim, não me impressiono nem farei discursos acerca das sugestões esdrúxulas resumidas no excerto acima. Até simpatizo com a proposta de pena de morte para corruptos. Inexequível à luz de nossa Constituição e odiosa a qualquer um que tenha um mínimo de respeito pela humanidade, sou simpático meramente enquanto mensagem, demonstração do cansaço deste povo em relação ao que está aí.
Do que está listado acima, apenas a redução da maioridade penal é possível e, mesmo assim, jamais para 10 anos. São propostas que, enfim, partiram de pessoas sob pressões emocionais, mas sem o menor conhecimento de causa. Tudo serve, entretanto, para sinalizar aos especialistas e, em seguida, aos legisladores, sobre o que é importante debater.
No mesmo exemplo, a proposta de redução da maioridade penal mais viável é para 16 anos. E há quem sugira uma responsabilização diferenciada, mais grave do que a atualmente concebida para atos infracionais (o infrator receberia uma pena e não uma medida socioeducativa, embora a diferença desta afirmação só seja compreensível aos iniciados), porém menor do que as penas atribuíveis aos adultos. As diferenças diriam respeito a estabelecimentos específicos e a uma disciplina penitenciária focada nas características dos jovens.
A ideia é até simpática, mas debatê-la exige lembrar que o Estado brasileiro não está disposto a gastar dinheiro com a construção de novos estabelecimentos penais. Afinal, não resolveu sequer os problemas basilares dos já existentes... De nada adiante uma boa ideia com uma execução ruim ou execução nenhuma. Aliás, esse é o problema do incompreendido Estatuto da Criança e do Adolescente.
Felizmente, os especialistas estão conduzindo os trabalhos com conhecimento de causa e sensatez, como se percebe pelas palavras do relator da comissão de reforma do CP, procurador da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves:
“A sociedade que pune deve, também, oferecer caminhos para que o criminoso volte para a vida comunitária. As penas servem para ressocializar e, também, para impedir que as pessoas façam justiça com as próprias mãos.”
O que me assusta é quanto o bom trabalho dos juristas chegar nas mãos dos congressistas, usualmente tão irresponsáveis e preocupados em deliberar aquilo que lhes renda votos. Temo que o novo Código Penal gere um turbilhão de dúvidas e tenha a sua eficácia comprometida por um sem número de questionamentos judiciais, especialmente no que tange à constitucionalidade. Aguardemos a entrega do anteprojeto, em maio.
sábado, 14 de abril de 2012
Indireta diretíssima
Mãe viajando a trabalho, coube-me a tarefa de cuidar sozinho de Júlia hoje. Ela brincou um tempo enquanto eu trabalhava, mas precisei lhe reservar um momento de lazer. Quando saíamos de casa, ela, que estava com os dois brinquedos, anunciou que o Bala no Alvo ia contar uma estória para a Jessie. Começou assim:
— Era uma vez uma menina que queria um irmão.
Não pude reprimir uma risada. Escutei então a voz, vinda do assento traseiro, lembrando-me que aquilo era apenas uma estória que o Bala no Alvo contava para a Jessie. Concordei e ela prosseguiu.
— Era uma vez uma menina que queria um irmão. O nome da mãe dela era Polyana, que estava viajando. O nome do pai era Yúdice, mas ele está aqui.
Enquanto eu ria, ela continuou murmurando alguma coisa que não escutei, por causa do barulho da rua. Até me diverti, mas achei melhor mudar o rumo da prosa...
— Era uma vez uma menina que queria um irmão.
Não pude reprimir uma risada. Escutei então a voz, vinda do assento traseiro, lembrando-me que aquilo era apenas uma estória que o Bala no Alvo contava para a Jessie. Concordei e ela prosseguiu.
— Era uma vez uma menina que queria um irmão. O nome da mãe dela era Polyana, que estava viajando. O nome do pai era Yúdice, mas ele está aqui.
Enquanto eu ria, ela continuou murmurando alguma coisa que não escutei, por causa do barulho da rua. Até me diverti, mas achei melhor mudar o rumo da prosa...
A caminho do fim da humanidade
Volta e meia dizemos que, nesta vida, nada mais nos impressiona. Acredito que essa afirmação seja antes de tudo um mecanismo de defesa, mas ele falha, porque sempre acontece alguma coisa que nos estremece o corpo, arrepia os pelos e até nos faz descrer da humanidade.
Na semana que passou, tomei conhecimento de que, na Indonésia, uma fêmea de orangotango era submetida a exploração sexual. Acorrentada a um ambiente imundo, era a principal "atração" do prostíbulo e rendendo altos lucros para a proprietária. O sucesso era tanto que o plano de resgate levou mais de um ano para ser executado, custou caro e envolveu até homens armados com fuzis AK-47, posto que a clientela não abriria mão facilmente de sua presa.
A escravização, notadamente a sexual, e a tortura são as coisas mais horrendas que um ser humano pode realizar, segundo entendo. Não há escusas, meios termos ou nada que minimize tamanha insanidade. E olha que estou falando de violências entre seres da mesma espécie. Mas quando penso em estimulação sexual por um animal e na industrialização dessa exploração, a perplexidade se soma ao horror. Não parece real.
Evidentemente, não estou dizendo que estuprar uma fêmea de orangotango é mais grave do que fazer o mesmo com uma pessoa. Mas esta situação implica num caráter tão absurdamente depravado, num nível de doença psíquica e moral tão aberrante, que a dona do prostíbulo eu mandaria para a cadeia (é só mais uma desgraçada que não vê limites ao seu desejo de ganhar dinheiro), mas os "clientes" eu colocaria à disposição da ciência, o resto da vida submetidos a exames. Deve ser possível aprender alguma coisa sobre o cérebro humano estudando essa escumalha. Talvez fosse razoável para fazer isso, para o bem da humanidade e dos animais.
Pony, como está agora e, na foto menor, como estava ao ser resgatada da condição de escrava sexual. |
A escravização, notadamente a sexual, e a tortura são as coisas mais horrendas que um ser humano pode realizar, segundo entendo. Não há escusas, meios termos ou nada que minimize tamanha insanidade. E olha que estou falando de violências entre seres da mesma espécie. Mas quando penso em estimulação sexual por um animal e na industrialização dessa exploração, a perplexidade se soma ao horror. Não parece real.
Evidentemente, não estou dizendo que estuprar uma fêmea de orangotango é mais grave do que fazer o mesmo com uma pessoa. Mas esta situação implica num caráter tão absurdamente depravado, num nível de doença psíquica e moral tão aberrante, que a dona do prostíbulo eu mandaria para a cadeia (é só mais uma desgraçada que não vê limites ao seu desejo de ganhar dinheiro), mas os "clientes" eu colocaria à disposição da ciência, o resto da vida submetidos a exames. Deve ser possível aprender alguma coisa sobre o cérebro humano estudando essa escumalha. Talvez fosse razoável para fazer isso, para o bem da humanidade e dos animais.
Metabólico
Na madrugada de sexta-feira, minha mãe passou mal. Agora nós sabemos que ela estava com níveis baixíssimos de glicose e sinais de infecção, o que provocou um desequilíbrio metabólico. A consequência disso foi que ela se levantou da cama surtada, completamente desorientada. Não falava coisa com coisa, repetia frases sem sentido, e alternava esses momentos de agitação com outros nos quais nos encarava de um jeito estranhíssimo, parecia lenta e distante, e demorava a responder aos nossos comandos.
Atônitos, imaginamos que poderia ser um AVC ou um processo de doença demencial. Foi um desespero. No hospital, o médico considerou todo o histórico que eu e meu irmão lhe fornecemos na anamnese e rejeitou a primeira hipótese (mas pediu uma tomografia para confirmar, por cautela), admitindo entretanto a segunda. Contudo, para ele os sinais apontavam para uma descompensação metabólica, prognóstico pelo qual passamos a torcer, porque era o único que nos permitiria ter nossa mãe de volta. Graças a Deus, era isso mesmo e, após receber glicose injetável, em poucos minutos ela foi voltando a si.
Ficamos algumas horas no hospital aguardando os resultados dos exames laboratoriais e, com base neles, o médico arriscou um palpite, que precisa ser checado em consultas posteriores, já com os profissionais que cuidam dos diversos problemas médicos de nossa mãe. Há alguns dias, ela começou a tomar um medicamento novo para diabetes, chamado Trayenta. O médico examinou a bula e disse que pode ser que este medicamento tenha levado a uma perda de açúcar que, no quadro de minha mãe, portadora de insuficiência renal, geraria uma combinação infeliz. Por cautela, mandou suspender o Trayenta até a nova consulta com a endocrinologista que o receitou.
Longe de mim levantar falsos, até porque advoguei para o Sindicato dos Médicos e vi como eles são acusados de mundos e fundos, injustamente. Mas só eu e meu irmão sabemos o terror que passamos naquela madrugada, por isso me permito compartilhar minha irresignação.
Trayenta é uma droga nova no mercado, por isso muitos médicos nem o conhecem (como o que nos atendeu, p. ex.) e não há maiores informações sobre os seus efeitos, além daquelas que o fabricante quer que sejam conhecidas. Além disso, custa caro. Já escrevi outras vezes aqui no blog sobre meu horror à indústria farmacêutica, uma das mais calhordas e criminosas do mundo. Então me ocorreu: será que a endocrinologista (que não sei quem é) recebeu a visitinha daqueles tipos odiosos (os representantes), que vivem puxando o saco, dando presentes e comodidades aos médicos, oferecendo inscrições em congressos, pagando almoços, etc. — propina, eu chamaria —, para que os seus produtos sejam prescritos aos pacientes, mesmo que caros e não sejam exatamente os mais recomendáveis à necessidade do paciente?
Como pacientes, eu e pessoas de minha família já recebemos recomendação de tomar medicamentos inócuos, já fomos orientados para farmácias de manipulação e laboratórios específicos, ou seja, instruções altamente direcionadas, que acolhemos de boa fé pela pressuposição ingênua de que o médico só nos pediria o que fosse melhor para nós. Ledo engano. Certa vez, meu irmão entrou na farmácia recomendada e deparou com o médico lá: o estabelecimento pertencia a sua família.
Insisto que isto é apenas uma suposição, mas é algo a ser considerado. Por isso digo a todos: quando receberem prescrições e demais orientações médicas, perguntem o porquê de tudo. Principalmente se lhes impuserem alguma novidade. A informação completa e correta é direito inalienável do paciente.
No mais, quero deixar registrados os nossos agradecimentos ao médico Olávio Silva Neto, que nos atendeu com grande solicitude e interesse, acertou o diagnóstico e tirou nossa mãe da crise.
Atônitos, imaginamos que poderia ser um AVC ou um processo de doença demencial. Foi um desespero. No hospital, o médico considerou todo o histórico que eu e meu irmão lhe fornecemos na anamnese e rejeitou a primeira hipótese (mas pediu uma tomografia para confirmar, por cautela), admitindo entretanto a segunda. Contudo, para ele os sinais apontavam para uma descompensação metabólica, prognóstico pelo qual passamos a torcer, porque era o único que nos permitiria ter nossa mãe de volta. Graças a Deus, era isso mesmo e, após receber glicose injetável, em poucos minutos ela foi voltando a si.
Ficamos algumas horas no hospital aguardando os resultados dos exames laboratoriais e, com base neles, o médico arriscou um palpite, que precisa ser checado em consultas posteriores, já com os profissionais que cuidam dos diversos problemas médicos de nossa mãe. Há alguns dias, ela começou a tomar um medicamento novo para diabetes, chamado Trayenta. O médico examinou a bula e disse que pode ser que este medicamento tenha levado a uma perda de açúcar que, no quadro de minha mãe, portadora de insuficiência renal, geraria uma combinação infeliz. Por cautela, mandou suspender o Trayenta até a nova consulta com a endocrinologista que o receitou.
Longe de mim levantar falsos, até porque advoguei para o Sindicato dos Médicos e vi como eles são acusados de mundos e fundos, injustamente. Mas só eu e meu irmão sabemos o terror que passamos naquela madrugada, por isso me permito compartilhar minha irresignação.
Trayenta é uma droga nova no mercado, por isso muitos médicos nem o conhecem (como o que nos atendeu, p. ex.) e não há maiores informações sobre os seus efeitos, além daquelas que o fabricante quer que sejam conhecidas. Além disso, custa caro. Já escrevi outras vezes aqui no blog sobre meu horror à indústria farmacêutica, uma das mais calhordas e criminosas do mundo. Então me ocorreu: será que a endocrinologista (que não sei quem é) recebeu a visitinha daqueles tipos odiosos (os representantes), que vivem puxando o saco, dando presentes e comodidades aos médicos, oferecendo inscrições em congressos, pagando almoços, etc. — propina, eu chamaria —, para que os seus produtos sejam prescritos aos pacientes, mesmo que caros e não sejam exatamente os mais recomendáveis à necessidade do paciente?
Como pacientes, eu e pessoas de minha família já recebemos recomendação de tomar medicamentos inócuos, já fomos orientados para farmácias de manipulação e laboratórios específicos, ou seja, instruções altamente direcionadas, que acolhemos de boa fé pela pressuposição ingênua de que o médico só nos pediria o que fosse melhor para nós. Ledo engano. Certa vez, meu irmão entrou na farmácia recomendada e deparou com o médico lá: o estabelecimento pertencia a sua família.
Insisto que isto é apenas uma suposição, mas é algo a ser considerado. Por isso digo a todos: quando receberem prescrições e demais orientações médicas, perguntem o porquê de tudo. Principalmente se lhes impuserem alguma novidade. A informação completa e correta é direito inalienável do paciente.
No mais, quero deixar registrados os nossos agradecimentos ao médico Olávio Silva Neto, que nos atendeu com grande solicitude e interesse, acertou o diagnóstico e tirou nossa mãe da crise.
quinta-feira, 12 de abril de 2012
Só para constar
Eu nunca vi, não sei quem é e jamais mantive qualquer contato com Carlinhos Cachoeira. Ao menos eu...
quarta-feira, 11 de abril de 2012
Sem medo de passar recibo
E depois chamam de "radicais" às pessoas que torcem pela procedência da ADPF 54... Além de toda a patuscada que já fizeram, parlamentares das bancadas católica e evangélica no Congresso Nacional querem o impeachment do Min. Marco Aurélio, porque teria concedido uma entrevista antecipando a sua posição sobre o tema, em entrevistas concedidas em 2008.
Eu ia dizer me compre um bode, mas neste caso deve ser melhor comprar um cordeirinho.
O episódio ilustra as razões do meu convencimento de que, num país sério, grupos religiosos não poderiam formar uma bancada no Congresso Nacional. Já disse antes e reafirmo: enquanto houver bancada ruralista e bancadas religiosas, esta país não conseguirá avançar.
A procedência da ADPF 54 é dada como certa desde sempre e muitos supunham que seria por unanimidade, dado o falecimento do Min. Carlos Menezes Direito, o que acabou por não se confirmar. E por que afirmo isso? Porque a maioria dos ministros do STF, por sua formação e nível de desenvolvimento jurídico, ultrapassou o limite de colocar a Constituição abaixo de suas miopias pessoais. A questão não está sendo analisada de modo passional. A análise é jurídica e análises jurídicas frequentemente chocam a opinião pública.
Quanto ao Min. Marco Aurélio, a contundência das razões por ele adotadas em 2004, quando concedeu liminar autorizando a interrupção de gestações de anencéfalos em todo o país, já permitia antever a sua posição no mérito. Lembre-se que, pouco depois, a liminar caiu por causa de uma tecnicalidade (tal deliberação deveria ser plenária e não monocrática). Além disso, quando o polêmico caso do habeas corpus para nascituro chegou ao STF e não pode mais ser analisado porque a gravidez já ia avançada, houve ministro lamentando que a causa não pudesse mais ser apreciada, por esse motivo.
Essas as razões pelas quais sempre tive convicção de que o STF acolheria o pedido formulado na ADPF. E como os religiosos também sabem o resultado que os espera amanhã, começaram a fazer algo que não surpreende: apelar.
Deve estar faltando o que fazer nas igrejas...
Sim, eu acabei ficando mal humorado. Mas a proposta deste blog nunca foi ser gentil. Daí o nome que lhe dei.
Eu ia dizer me compre um bode, mas neste caso deve ser melhor comprar um cordeirinho.
O episódio ilustra as razões do meu convencimento de que, num país sério, grupos religiosos não poderiam formar uma bancada no Congresso Nacional. Já disse antes e reafirmo: enquanto houver bancada ruralista e bancadas religiosas, esta país não conseguirá avançar.
A procedência da ADPF 54 é dada como certa desde sempre e muitos supunham que seria por unanimidade, dado o falecimento do Min. Carlos Menezes Direito, o que acabou por não se confirmar. E por que afirmo isso? Porque a maioria dos ministros do STF, por sua formação e nível de desenvolvimento jurídico, ultrapassou o limite de colocar a Constituição abaixo de suas miopias pessoais. A questão não está sendo analisada de modo passional. A análise é jurídica e análises jurídicas frequentemente chocam a opinião pública.
Quanto ao Min. Marco Aurélio, a contundência das razões por ele adotadas em 2004, quando concedeu liminar autorizando a interrupção de gestações de anencéfalos em todo o país, já permitia antever a sua posição no mérito. Lembre-se que, pouco depois, a liminar caiu por causa de uma tecnicalidade (tal deliberação deveria ser plenária e não monocrática). Além disso, quando o polêmico caso do habeas corpus para nascituro chegou ao STF e não pode mais ser analisado porque a gravidez já ia avançada, houve ministro lamentando que a causa não pudesse mais ser apreciada, por esse motivo.
Essas as razões pelas quais sempre tive convicção de que o STF acolheria o pedido formulado na ADPF. E como os religiosos também sabem o resultado que os espera amanhã, começaram a fazer algo que não surpreende: apelar.
Deve estar faltando o que fazer nas igrejas...
Sim, eu acabei ficando mal humorado. Mas a proposta deste blog nunca foi ser gentil. Daí o nome que lhe dei.
Emoções do julgamento
- Apenas 10 ministros julgando, face ao impedimento do Min. Dias Toffoli. Em tese, possibilidade de empate.
- Os cinco primeiros ministros votantes decidiram pela procedência da ADPF, mas o sexto a se pronunciar. Min. Ricardo Lewandowski já começou antecipando que votará em sentido contrário. Começo da reação pela improcedência?
- Basta um único voto a mais pela procedência e o resultado do julgamento estará conhecido.
- Bobajório: Fux destilou o seu belo inglês. Mas Lewandowski atacou de alemão. Alguém entendeu?
Sessão suspensa face ao adiantado da hora. Resultado, só amanhã.
Vigília
Foto: Antonio Cruz / ABr |
Até vigília e procissão foram feitas na porta do Supremo Tribunal Federal, marcando as manifestações dos religiosos acerca do julgamento da ADPF 54. Estavam lá, também, os cartazes com as frases de efeito, a dramaticidade excessiva e as imagens chocantes. A deturpação sempre foi uma estratégia comum do poder religioso e assim permanece. Não se colocam as questões em termos. Não se destaca, p. ex., que interrupção seletiva de gestação não é a mesma coisa que abortamento. Não se cogita, nem que seja apenas para fins de debate, sobre a inviabilidade da vida extrauterina. Menospreza-se o sofrimento da gestante e demais familiares, que traz à tona a questão da dignidade humana. Não se pondera sequer o risco à saúde da gestante.
Toma-se como premissa que todo cientista é um ateu odioso, um farsante e um mentiroso. Recorre-se à falácia de que, admitida a interrupção de gestações em casos de anencefalia, logo depois virá a liberação geral. Acima de tudo, sequer se cogita que religião é coisa de cada um, é íntima e pessoal. Portanto, a coisa pública não tem nada a ver com isso.
Ao menos o Brasil vai mudar um pouquinho hoje. Apenas um pouco. Mas é melhor do que nada.
Escutem, enfim!
(Foto: Carlos Humberto / SCO / STF) |
Ministro Marco Aurélio, relator da ADPF 54, que votou (como todos já sabíamos) pela não caracterização de crime no abortamento de fetos anencéfalos. Aguardemos as demais manifestações.
Roubalheira por toda parte
Às vezes, quando não tenho o que fazer, acesso o Google e digito o meu nome ou o de pessoas próximas, para ver o que aparece. Foi o que fez um amigo, um tempo desses, e se surpreendeu ao descobrir o nome de sua esposa, que é médica, aparecendo como credenciada do Sistema Único de Saúde (SUS) num Município onde ela nunca esteve, no Estado do Maranhão, onde estão radicados há alguns anos.
Intrigados, os dois começaram a investigar e descobriram que uma pessoa conhecida da minha amiga teve acesso clandestinamente a seus dados profissionais e os forneceu à prefeitura do tal Município. Graças a isso, houve a suposta contratação.
Atônita, minha amiga se viu "contratada" pelo tal Município há seis meses, percebendo vencimentos de R$ 5.500,00 e cumprindo uma jornada de 46 horas de trabalho semanais. No entanto, jamais recebeu um centavo sequer e nem poderia cumprir tal jornada, eis que reside em São Luís e, como costuma acontecer com os médicos, possui vários empregos lá. Logo, não haveria a menor possibilidade de exercer qualquer função numa cidade a mais de 400 Km de distância rodoviária. Mas se a bomba estourasse, para todos os efeitos, ela é que seria a pilantra que recebe sem trabalhar e, ainda por cima, sonega imposto de renda.
Segundo apuraram, isto tudo aconteceu porque a conhecida, vigarista, vendeu o CRM de minha amiga em troca de R$ 2.000,00 mensais. A diferença, é claro, alguém na prefeitura vem embolsando.
Temerosa das consequências que poderia sofrer, minha amiga comunicou o fato ao CRM e ao Ministério Público do Maranhão, que já estão tomando as providências que competem a cada qual. Responsabilidades criminais serão apuradas. Uma casualidade, uma curiosidade do marido permitiu que ela se livrasse de um possível problema seríssimo. O detalhe: segundo constava dos registros do SUS, havia uma equipe completa, com médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e psicólogo. Mas nem a médica era real. Imagine como deve ser o atendimento à saúde por lá.
Vale destacar que o Município em apreço possui pouco mais de 25 mil habitantes (segundo censo de 2010), com IDH de 0,592 e uma economia dependente da exploração de madeira e da agricultura de subsistência. Um lugar pobre, mas que mesmo assim rende lucros para os espertos.
PS — Em suas investigações, o casal descobriu que médicos alugam o próprio CRM por R$ 1.500,00. Recebem tal quantia apenas para ceder o direito de uso do registro por prefeitos honestíssimos do interior. Graças a gente assim, o povo pobre do Brasil vai morrendo à míngua, enquanto cada dinheirinho vira locupletamento. E tudo isso é um pouquinho de Brasil. Ai, ai.
Intrigados, os dois começaram a investigar e descobriram que uma pessoa conhecida da minha amiga teve acesso clandestinamente a seus dados profissionais e os forneceu à prefeitura do tal Município. Graças a isso, houve a suposta contratação.
Atônita, minha amiga se viu "contratada" pelo tal Município há seis meses, percebendo vencimentos de R$ 5.500,00 e cumprindo uma jornada de 46 horas de trabalho semanais. No entanto, jamais recebeu um centavo sequer e nem poderia cumprir tal jornada, eis que reside em São Luís e, como costuma acontecer com os médicos, possui vários empregos lá. Logo, não haveria a menor possibilidade de exercer qualquer função numa cidade a mais de 400 Km de distância rodoviária. Mas se a bomba estourasse, para todos os efeitos, ela é que seria a pilantra que recebe sem trabalhar e, ainda por cima, sonega imposto de renda.
Segundo apuraram, isto tudo aconteceu porque a conhecida, vigarista, vendeu o CRM de minha amiga em troca de R$ 2.000,00 mensais. A diferença, é claro, alguém na prefeitura vem embolsando.
Temerosa das consequências que poderia sofrer, minha amiga comunicou o fato ao CRM e ao Ministério Público do Maranhão, que já estão tomando as providências que competem a cada qual. Responsabilidades criminais serão apuradas. Uma casualidade, uma curiosidade do marido permitiu que ela se livrasse de um possível problema seríssimo. O detalhe: segundo constava dos registros do SUS, havia uma equipe completa, com médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e psicólogo. Mas nem a médica era real. Imagine como deve ser o atendimento à saúde por lá.
Vale destacar que o Município em apreço possui pouco mais de 25 mil habitantes (segundo censo de 2010), com IDH de 0,592 e uma economia dependente da exploração de madeira e da agricultura de subsistência. Um lugar pobre, mas que mesmo assim rende lucros para os espertos.
PS — Em suas investigações, o casal descobriu que médicos alugam o próprio CRM por R$ 1.500,00. Recebem tal quantia apenas para ceder o direito de uso do registro por prefeitos honestíssimos do interior. Graças a gente assim, o povo pobre do Brasil vai morrendo à míngua, enquanto cada dinheirinho vira locupletamento. E tudo isso é um pouquinho de Brasil. Ai, ai.
terça-feira, 10 de abril de 2012
Planejamento criminoso: impressões preliminares
O Direito Penal atual reconhece o princípio da lesividade, segundo o qual uma conduta não pode ser incriminada a menos que represente um dano efetivo ou, no mínimo, um perigo concreto a um bem jurídico. Graças a isso, não deveriam mais existir os chamados crimes de perigo abstrato, que permitiriam a punição a partir de uma mera presunção de perigo. Consagrado na doutrina, tal princípio não é homenageado pelo sistema de justiça criminal, que é mais preocupado com números e resultados. Exemplo disso foi a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que validou os crimes de direção sob efeito de álcool e de porte ilegal de arma de fogo como tipos de perigo abstrato.
Uma das implicações do princípio da lesividade é a impunibilidade de atitudes internas, da simples cogitação ou de meras tendências criminosas. Por isso, o conceito de tentativa de crime sempre exigiu um começo de afetação ao bem jurídico. Na clássica sequência de passos para a prática de um delito, que chamamos de iter criminis, temos a cogitação, a preparação, a execução e a consumação. Como expressamente determina o art. 14, II, do Código Penal, uma conduta somente se torna punível quando ingressa na fase de executiva. Mas é o caso de perguntar: precisa ser realmente assim ou podemos ampliar a incidência da norma incriminadora?
Sem fazer juízos de valor, analisando apenas a técnica, não haveria nenhum impedimento absoluto a se instituir a punibilidade dos atos preparatórios, desde que passássemos a entender que eles já representam, ao menos, perigo concreto a um bem jurídico, o que certamente parecerá até óbvio ao cidadão comum. O projeto de lei sob comento é viável, portanto.
Lendo a justificativa do senador, que é bacharel em Direito, percebe-se que ele tomou cautelas para evitar os questionamentos que sem dúvida alguma seriam feitos. Concordando ou não com a iniciativa, já merece um elogio pelo extremo cuidado em prevenir atentados a valores basilares do Direito Penal. Veja-se:
Uma das implicações do princípio da lesividade é a impunibilidade de atitudes internas, da simples cogitação ou de meras tendências criminosas. Por isso, o conceito de tentativa de crime sempre exigiu um começo de afetação ao bem jurídico. Na clássica sequência de passos para a prática de um delito, que chamamos de iter criminis, temos a cogitação, a preparação, a execução e a consumação. Como expressamente determina o art. 14, II, do Código Penal, uma conduta somente se torna punível quando ingressa na fase de executiva. Mas é o caso de perguntar: precisa ser realmente assim ou podemos ampliar a incidência da norma incriminadora?
Sem fazer juízos de valor, analisando apenas a técnica, não haveria nenhum impedimento absoluto a se instituir a punibilidade dos atos preparatórios, desde que passássemos a entender que eles já representam, ao menos, perigo concreto a um bem jurídico, o que certamente parecerá até óbvio ao cidadão comum. O projeto de lei sob comento é viável, portanto.
Lendo a justificativa do senador, que é bacharel em Direito, percebe-se que ele tomou cautelas para evitar os questionamentos que sem dúvida alguma seriam feitos. Concordando ou não com a iniciativa, já merece um elogio pelo extremo cuidado em prevenir atentados a valores basilares do Direito Penal. Veja-se:
- Procurou esclarecer que os atos preparatórios puníveis seriam aqueles que, sem margem a dúvidas, indicam uma inequívoca intenção de delinquir e um começo de movimentação para a breve efetivação do crime, tais como a contratação de pistoleiro ou ajustes descobertos através de interceptação telefônica.
- Em vez de criar uma regra esparsa de punibilidade, teve o cuidado de estabelecer um novo conceito, formalmente apresentado no mesmo artigo que define a consumação e a tentativa.
- Manifestou preocupação em não banalizar o instituto (incluiu um "elemento temporal" como critério de punibilidade), assim como se reportou expressamente ao princípio da lesividade, embora chamando por outro nome e preocupando-se com eventual cunho autoritário da norma.
- Recorreu ao princípio da taxatividade, para que a punibilidade dos atos preparatórios fique restrita às modalidades de homicídio doloso e aos crimes hediondos. Aqui vai uma crítica às opções do proponente, que recai num clichê. Por que esses delitos, apenas? Essa ridícula obsessão por crimes hediondos sempre recai no esquecimento de crimes asquerosos, como a redução à condição análoga à de escravo, o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e outros. Por exemplo, sugiro os crimes contra a Administração Pública.
- Preocupou-se com o princípio da proporcionalidade, estabelecendo que a pena do crime planejado será menor do que a do tentado, o que corresponde à evidente menor atuação do agente. Mas se observa que há hipóteses em que as penas podem ser iguais. Isso é um problema, em tese.
Planejamento criminoso: projeto de lei
O senador Ciro Nogueira (PP-PI) apresentou o Projeto de Lei do Senado n. 555, de 2011, que pode instituir um novo conceito para o Direito Penal: a punibilidade dos atos preparatórios, em certos delitos. Eis o texto do projeto e sua justificativa:
Art. 1º O art. 14 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 14. ...
Planejamento
III – planejado, quando, embora não iniciada a execução, atos preparatórios tenham sido praticados com propósito inequívoco e potencial eficácia para, em breve, consumá-lo.
Pena da tentativa
§ 1º Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um terço até a metade.
Pena do planejamento
§ 2º A punição do crime planejado depende de expressa previsão legal, e levará em conta a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de dois terços.” (NR)
Art. 2º O art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte § 6º:
“Art. 121. ...
§ 6º Os crimes previstos no caput e no § 2º deste artigo são puníveis a título de planejamento, na forma do art. 14, III e § 2º,deste Código.” (NR)
Art. 3º O art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte § 5º:
“Art. 2º ...
§ 5º Os crimes previstos neste artigo são puníveis a título de planejamento, na forma do art. 14, III e § 2º, do Código Penal.” (NR)
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Na tradição do direito penal brasileiro, os atos preparatórios são impuníveis, na medida em que o Código Penal trata apenas do “crime consumado” e do “crime tentado” (art. 14, I e II). Com efeito, para que determinado comportamento tenha relevância penal, a lei exige o início da execução do crime, o que impede a punição do planejamento da ação delituosa, como, por exemplo, a contratação de um “pistoleiro”.
Diferentemente, o direito norte-americano prevê a figura da “conspiração” (United States Code, Part I, Chapter 19), por meio da qual reconhece a responsabilidade de pessoas que planejem a execução de determinados crimes.
Sinceramente, não vemos razões para se perpetuar, no Brasil, a regra da impunidade dos atos preparatórios. Em determinados casos, a conspiração chega a tal nível de detalhamento que a sociedade não consegue entender a lacuna da lei penal. É o que acontece, por exemplo, quando interceptações telefônicas realizadas com a autorização da justiça descobrem planos concretos para matar uma determinada pessoa, inclusive com evidências sobre o pagamento realizado pelo mandante ao provável executor do crime.
Atos dessa natureza, embora não cheguem a entrar na fase da execução do crime, merecem reprovação por parte da legislação penal. Hoje, nessa situação, os órgãos de segurança pública devem impedir a realização do plano, mas ficam de mãos atadas para pedir a punição dos responsáveis.
Por essas razões, o presente projeto de lei altera o Código Penal para prever a hipótese de “crime planejado”, que consiste na prática de atos preparatórios tendentes à consumação do crime, desde que esse seja o propósito inequívoco do autor e que haja potencial eficácia nas ações de planejamento. Além disso, para não banalizar o novo instituto, entendemos por bem incluir a expressão “em breve”, como elemento temporal. Assim, mencionados atos preparatórios serão punidos na medida em que o plano criminoso tenha sido posto em ação.
Não queremos – é bom que se diga – regredir ao chamado “direito penal da atitude interior”, de cunho autoritário, que pretendia punir a simples cogitação do crime. Não. Como concebemos a figura do “crime planejado”, o autor terá de realizar algum tipo de ação preparatória que possa ser considerada potencialmente eficiente para a consumação do crime. Portanto, o juízo de reprovação penal terá uma base objetiva, qual seja, a conduta específica do autor dos atos preparatórios.
Para evitar excessos e perseguições arbitrárias, submetemos a nova figura legal ao princípio da taxatividade. Significa dizer que nem todas as infrações serão punidas a título de crime planejado, mas somente aquelas expressamente indicadas pelo legislador. Nesse sentido, estamos persuadidos de que os crimes de homicídio simples, de homicídio qualificado e os hediondos devam admitir a punição de acordo com a nova figura do “crime planejado”.
Estabelecemos que a punição do planejamento (pena para o planejamento) seguirá os mesmos parâmetros da pena do crime consumado, porém com a redução de dois terços. Por imperativo de proporcionalidade, julgamos necessário equilibrar a forma de punição da nova figura legal com o crime tentado (pena para a tentativa), que, doravante, importará na redução de um terço até a metade da pena.
Finalmente, vale destacar que a proposta, como bem traduz a ementa do projeto, procura punir a prática de atos preparatórios tendentes à execução de homicídio e de crimes hediondos, abrangendo, inclusive, a prática de tortura, o tráfico ilícito de drogas e o terrorismo.
Esperamos, assim, com a definição clara do “crime planejado”, minimizar o sentimento de impunidade e de insegurança que, infelizmente, predomina entre os cidadãos brasileiros.
Art. 1º O art. 14 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 14. ...
Planejamento
III – planejado, quando, embora não iniciada a execução, atos preparatórios tenham sido praticados com propósito inequívoco e potencial eficácia para, em breve, consumá-lo.
Pena da tentativa
§ 1º Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um terço até a metade.
Pena do planejamento
§ 2º A punição do crime planejado depende de expressa previsão legal, e levará em conta a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de dois terços.” (NR)
Art. 2º O art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte § 6º:
“Art. 121. ...
§ 6º Os crimes previstos no caput e no § 2º deste artigo são puníveis a título de planejamento, na forma do art. 14, III e § 2º,deste Código.” (NR)
Art. 3º O art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte § 5º:
“Art. 2º ...
§ 5º Os crimes previstos neste artigo são puníveis a título de planejamento, na forma do art. 14, III e § 2º, do Código Penal.” (NR)
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Na tradição do direito penal brasileiro, os atos preparatórios são impuníveis, na medida em que o Código Penal trata apenas do “crime consumado” e do “crime tentado” (art. 14, I e II). Com efeito, para que determinado comportamento tenha relevância penal, a lei exige o início da execução do crime, o que impede a punição do planejamento da ação delituosa, como, por exemplo, a contratação de um “pistoleiro”.
Diferentemente, o direito norte-americano prevê a figura da “conspiração” (United States Code, Part I, Chapter 19), por meio da qual reconhece a responsabilidade de pessoas que planejem a execução de determinados crimes.
Sinceramente, não vemos razões para se perpetuar, no Brasil, a regra da impunidade dos atos preparatórios. Em determinados casos, a conspiração chega a tal nível de detalhamento que a sociedade não consegue entender a lacuna da lei penal. É o que acontece, por exemplo, quando interceptações telefônicas realizadas com a autorização da justiça descobrem planos concretos para matar uma determinada pessoa, inclusive com evidências sobre o pagamento realizado pelo mandante ao provável executor do crime.
Atos dessa natureza, embora não cheguem a entrar na fase da execução do crime, merecem reprovação por parte da legislação penal. Hoje, nessa situação, os órgãos de segurança pública devem impedir a realização do plano, mas ficam de mãos atadas para pedir a punição dos responsáveis.
Por essas razões, o presente projeto de lei altera o Código Penal para prever a hipótese de “crime planejado”, que consiste na prática de atos preparatórios tendentes à consumação do crime, desde que esse seja o propósito inequívoco do autor e que haja potencial eficácia nas ações de planejamento. Além disso, para não banalizar o novo instituto, entendemos por bem incluir a expressão “em breve”, como elemento temporal. Assim, mencionados atos preparatórios serão punidos na medida em que o plano criminoso tenha sido posto em ação.
Não queremos – é bom que se diga – regredir ao chamado “direito penal da atitude interior”, de cunho autoritário, que pretendia punir a simples cogitação do crime. Não. Como concebemos a figura do “crime planejado”, o autor terá de realizar algum tipo de ação preparatória que possa ser considerada potencialmente eficiente para a consumação do crime. Portanto, o juízo de reprovação penal terá uma base objetiva, qual seja, a conduta específica do autor dos atos preparatórios.
Para evitar excessos e perseguições arbitrárias, submetemos a nova figura legal ao princípio da taxatividade. Significa dizer que nem todas as infrações serão punidas a título de crime planejado, mas somente aquelas expressamente indicadas pelo legislador. Nesse sentido, estamos persuadidos de que os crimes de homicídio simples, de homicídio qualificado e os hediondos devam admitir a punição de acordo com a nova figura do “crime planejado”.
Estabelecemos que a punição do planejamento (pena para o planejamento) seguirá os mesmos parâmetros da pena do crime consumado, porém com a redução de dois terços. Por imperativo de proporcionalidade, julgamos necessário equilibrar a forma de punição da nova figura legal com o crime tentado (pena para a tentativa), que, doravante, importará na redução de um terço até a metade da pena.
Finalmente, vale destacar que a proposta, como bem traduz a ementa do projeto, procura punir a prática de atos preparatórios tendentes à execução de homicídio e de crimes hediondos, abrangendo, inclusive, a prática de tortura, o tráfico ilícito de drogas e o terrorismo.
Esperamos, assim, com a definição clara do “crime planejado”, minimizar o sentimento de impunidade e de insegurança que, infelizmente, predomina entre os cidadãos brasileiros.
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Um terror
Como se não bastasse a violência nossa de todo dia, representada pelos crimes que já se tornaram feijão-com-arroz dos noticiários e foros, agora temos que nos preocupar também com o terrorismo. E não me refiro a atentados malsucedidos em automóveis, não, mas a grupos fundamentalistas islâmicos de verdade. Pelo menos é a opinião de um ex-diretor geral da Agência Brasileira em Informação, em audiência pública no Senado.
O motivo da preocupação se refere a três eventos de nível internacional: a visita do papa em 2013, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Em sendo assim, percebe-se que os eventuais ataques não diriam respeito ao Brasil exatamente, a práticas governamentais locais, à nossa política externa, etc. Seria uma forma de retaliar os tradicionais inimigos, num cenário onde a ação seria supostamente mais fácil, justamente porque aqui não temos histórico e know how para lidar com essas situações. Em suma, nós só estaríamos no meio dos inimigos, mas isso é quanto basta para que o nosso povo pague a fatura dos conflitos alheios.
E você? Acha que os terroristas realmente vão querer atacar por aqui?
O motivo da preocupação se refere a três eventos de nível internacional: a visita do papa em 2013, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Em sendo assim, percebe-se que os eventuais ataques não diriam respeito ao Brasil exatamente, a práticas governamentais locais, à nossa política externa, etc. Seria uma forma de retaliar os tradicionais inimigos, num cenário onde a ação seria supostamente mais fácil, justamente porque aqui não temos histórico e know how para lidar com essas situações. Em suma, nós só estaríamos no meio dos inimigos, mas isso é quanto basta para que o nosso povo pague a fatura dos conflitos alheios.
E você? Acha que os terroristas realmente vão querer atacar por aqui?
domingo, 8 de abril de 2012
Roses
Depois de "suspender" suas atividades em 2003 e retornar com uma turnê entre 2009 e 2010, os músicos que compunham a banda de rock alternativo irlandesa The Cranberries voltaram a gravar e lançaram o CD Roses agora em 2012.
Os fãs perceberão o mesmo jeitinho de sempre, como penso que deve ser. Se é para voltar, que seja de acordo com o perfil que os tornou célebres. Se inventassem de voltar com uma roupagem totalmente nova, não seriam reconhecidos pelos maiores interessados e o projeto poderia malograr.
Mas ouvi-los agora é como voltar à década de 1990. Para um leigo, o mais marcante em uma banda é a voz do líder. E a voz de Dolores O'Riordan continua a mesma.
Enquanto me decido qual das 2.017 tarefas pendentes vou realizar agora, escuto o CD, que é muito bom. Se gosta, aproveite.
Os fãs perceberão o mesmo jeitinho de sempre, como penso que deve ser. Se é para voltar, que seja de acordo com o perfil que os tornou célebres. Se inventassem de voltar com uma roupagem totalmente nova, não seriam reconhecidos pelos maiores interessados e o projeto poderia malograr.
Mas ouvi-los agora é como voltar à década de 1990. Para um leigo, o mais marcante em uma banda é a voz do líder. E a voz de Dolores O'Riordan continua a mesma.
Enquanto me decido qual das 2.017 tarefas pendentes vou realizar agora, escuto o CD, que é muito bom. Se gosta, aproveite.
sexta-feira, 6 de abril de 2012
Humanidade: a caminho da extinção
A respeito da postagem "A pena de morte nossa de todo dia", um comentarista (anônimo, claro), desses que sempre aparecem por aqui, deixou este comentário:
Se mesmo com as medidas louváveis da população em exterminar meliantes que agem nas áreas em que essas pessoas de bem moram e com o trabalho mais intenso e assíduo da polícia a situação já é caótica, imagine só com políticas assistencialistas e ampla proteção aos bandidos...
O que se vê e incomoda muito aos que defendem vagabundos é a atuação rígida do Estado no melhor treinamento policial e a população agindo em conformidade com os padrões de uma sociedade que não tolera mais safadeza desses bandidos que brincam de pira por aí. Eis que invertem-se os papeis: os policiais e cidadãos de bem viram bandidos e os bandidos devem ser protegidos. É um raciocínio bem coerente esse de botar a culpa em todos menos em quem comete os crimes...
Minha resposta:
Um mundo em que as pessoas "de bem" louvam o homicídio, seja lá de quem for, é um mundo onde eu não quero viver.
Se mesmo com as medidas louváveis da população em exterminar meliantes que agem nas áreas em que essas pessoas de bem moram e com o trabalho mais intenso e assíduo da polícia a situação já é caótica, imagine só com políticas assistencialistas e ampla proteção aos bandidos...
O que se vê e incomoda muito aos que defendem vagabundos é a atuação rígida do Estado no melhor treinamento policial e a população agindo em conformidade com os padrões de uma sociedade que não tolera mais safadeza desses bandidos que brincam de pira por aí. Eis que invertem-se os papeis: os policiais e cidadãos de bem viram bandidos e os bandidos devem ser protegidos. É um raciocínio bem coerente esse de botar a culpa em todos menos em quem comete os crimes...
Minha resposta:
Um mundo em que as pessoas "de bem" louvam o homicídio, seja lá de quem for, é um mundo onde eu não quero viver.
Destaquei em amarelo os trechos mais marcantes (e mais clichê) da "filosofia" de um mundo apocalíptico. Só espero que o anônimo highlander tenha a mesma opinião sobre motoristas bêbados e agentes públicos corruptos. Mas será que tem?
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Contra os motoristas bêbados
O tema do combate ao ato de dirigir alcoolizado está na ordem do dia, desde que o STJ decidiu, há poucos dias, estabelecer apenas os exames químicos através de etilômetro ou sangue como prova idônea para a responsabilização criminal do condutor. Mas a polêmica é mais antiga, tanto que já havia, no Congresso Nacional, projeto de lei tornando mais duras as regras aplicáveis à matéria. Eis que hoje me deparo com dois artigos que podem lançar algumas luzes, justamente no sentido que, suponho, a sociedade deseja — e os bebedores irresponsáveis não.
O juiz de Direito no Acre Hugo Barbosa Torquato Ferreira, em uma análise muito bem elaborada, mas naturalmente sujeita a ponderações cuidadosas, sustenta que o princípio nemo tenetur se detegere (não autoincriminação) se aplica a situações em que ao próprio suspeito seja exigida uma conduta ativa, porém não nos casos em que ele seja sujeito meramente passivo de uma ação da autoridade, como seria na obrigação de se submeter a revista pessoal, prevista em lei. Soprar no etilômetro é uma conduta ativa, que poderia ser recusada mas, nessa hipótese, caberia a coleta compulsória de sangue. Para fundamentar sua ideia, invoca um precedente, um habeas corpus do STJ, no qual suspeito de transportar drogas no estômago foi submetido a exame radiográfico, entendido como extensão da revista pessoal, e a diligência foi considerada válida.
A tese é controversa, mas elegante.
De outra banda, o engenheiro e jornalista especializado no setor automobilístico Fernando Calmon mostra seu conhecimento sobre a realidade de outros países, destacando, p. ex., que a maioria dos 50 Estados americanos condiciona a habilitação do indivíduo a sua concordância quanto à realização de testes de alcoolemia. Em caso de recusa, a habilitação pode ser suspensa por até 90 dias, sem embargo da prisão em casos de maior gravidade, tais como acidente, excesso de velocidade, transporte de crianças ou o condutor já tenha sido condenado por dirigir sob o efeito de álcool ou outras drogas.
A ideia merece elogios. Se a concordância prévia, expressa e de efeitos permanentes constitui requisito da habilitação (tal como, no Brasil, a idade mínima de 18 anos e a conclusão, com proveito, do curso de formação nas condições regulamentadas pelo Conselho Nacional de Trânsito), então a qualquer momento que seja exigido pelo autoridade, o condutor será obrigado a testar os níveis de álcool em seu organismo. Isto não resolve a prova criminal, se o suspeito se recusar. Mas retirará dele o direito de conduzir veículos, o que já ajuda, e muito, porque elimina o fator de risco (se o delinquente obedecer à restrição, claro).
Por mim, o modelo estadunidense deveria ser aplicado imediatamente no Brasil, valendo para os novos condutores e, para os atuais, a partir da primeira renovação da licença.
Mas aqui é Brasil e — sabe como é — os motoristas que tivessem suspensas ou cassadas as habilitações logo ingressariam em juízo, alegando direito adquirido, haja vista que, ao tempo de sua primeira habilitação, não havia a regra sob comento. Uma tese a meu ver canhestra, mas aposto que haveria um risco enorme de ela ser sufragada, até mesmo na corte constitucional. Aí, meu amigo, o jeito seria beber para relaxar. Solução que não atenderia àqueles que, como eu, não consomem álcool. Para nós, só restaria torcer para não cruzarmos nosso caminho com os que consumiram. E boa sorte.
O juiz de Direito no Acre Hugo Barbosa Torquato Ferreira, em uma análise muito bem elaborada, mas naturalmente sujeita a ponderações cuidadosas, sustenta que o princípio nemo tenetur se detegere (não autoincriminação) se aplica a situações em que ao próprio suspeito seja exigida uma conduta ativa, porém não nos casos em que ele seja sujeito meramente passivo de uma ação da autoridade, como seria na obrigação de se submeter a revista pessoal, prevista em lei. Soprar no etilômetro é uma conduta ativa, que poderia ser recusada mas, nessa hipótese, caberia a coleta compulsória de sangue. Para fundamentar sua ideia, invoca um precedente, um habeas corpus do STJ, no qual suspeito de transportar drogas no estômago foi submetido a exame radiográfico, entendido como extensão da revista pessoal, e a diligência foi considerada válida.
A tese é controversa, mas elegante.
De outra banda, o engenheiro e jornalista especializado no setor automobilístico Fernando Calmon mostra seu conhecimento sobre a realidade de outros países, destacando, p. ex., que a maioria dos 50 Estados americanos condiciona a habilitação do indivíduo a sua concordância quanto à realização de testes de alcoolemia. Em caso de recusa, a habilitação pode ser suspensa por até 90 dias, sem embargo da prisão em casos de maior gravidade, tais como acidente, excesso de velocidade, transporte de crianças ou o condutor já tenha sido condenado por dirigir sob o efeito de álcool ou outras drogas.
A ideia merece elogios. Se a concordância prévia, expressa e de efeitos permanentes constitui requisito da habilitação (tal como, no Brasil, a idade mínima de 18 anos e a conclusão, com proveito, do curso de formação nas condições regulamentadas pelo Conselho Nacional de Trânsito), então a qualquer momento que seja exigido pelo autoridade, o condutor será obrigado a testar os níveis de álcool em seu organismo. Isto não resolve a prova criminal, se o suspeito se recusar. Mas retirará dele o direito de conduzir veículos, o que já ajuda, e muito, porque elimina o fator de risco (se o delinquente obedecer à restrição, claro).
Por mim, o modelo estadunidense deveria ser aplicado imediatamente no Brasil, valendo para os novos condutores e, para os atuais, a partir da primeira renovação da licença.
Mas aqui é Brasil e — sabe como é — os motoristas que tivessem suspensas ou cassadas as habilitações logo ingressariam em juízo, alegando direito adquirido, haja vista que, ao tempo de sua primeira habilitação, não havia a regra sob comento. Uma tese a meu ver canhestra, mas aposto que haveria um risco enorme de ela ser sufragada, até mesmo na corte constitucional. Aí, meu amigo, o jeito seria beber para relaxar. Solução que não atenderia àqueles que, como eu, não consomem álcool. Para nós, só restaria torcer para não cruzarmos nosso caminho com os que consumiram. E boa sorte.
Decisão muito aguardada
Faz mais de 5 anos que publiquei a postagem "Fetos anencéfalos e a crise do habeas corpus", no qual sintetizo um drama familiar igual a tantos outros, mas que acabou por ensejar um dos processos mais importantes da história deste país, ao menos após a Constituição de 1988. Ali estavam os primórdios da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54, aforada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde em 17.6.2004.
Após quase oito anos, finalmente a ADPF entrou em pauta de julgamento. Será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no dia 11 de abril. Em face da complexidade do tema (e das esperadas muitas intervenções, devidas ou não), é possível que a conclusão do julgamento seja adiada para outra data. Mas a corte está se esforçando por uma solução definitiva, tanto que designou uma sessão extraordinária para as 9 horas da manhã, que continuará à tarde. O processo em questão recebeu tratamento singular, já que graças a ele o STF finalmente instituiu as audiências públicas em seus procedimentos, o que valeu uma crítica minha — não pela medida em si, que é da maior importância, por me parecer uma concessão aos interesses da Igreja.
Agora é aguardar se a decisão vai mesmo sair e que impactos trará para a sociedade brasileira.
Após quase oito anos, finalmente a ADPF entrou em pauta de julgamento. Será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal no dia 11 de abril. Em face da complexidade do tema (e das esperadas muitas intervenções, devidas ou não), é possível que a conclusão do julgamento seja adiada para outra data. Mas a corte está se esforçando por uma solução definitiva, tanto que designou uma sessão extraordinária para as 9 horas da manhã, que continuará à tarde. O processo em questão recebeu tratamento singular, já que graças a ele o STF finalmente instituiu as audiências públicas em seus procedimentos, o que valeu uma crítica minha — não pela medida em si, que é da maior importância, por me parecer uma concessão aos interesses da Igreja.
Agora é aguardar se a decisão vai mesmo sair e que impactos trará para a sociedade brasileira.
Remição pela leitura
O Departamento Penitenciário do Paraná vai implementar, a partir do próximo mês de maio, um projeto muito interessante e sem precedentes no Brasil, chamado "Remição pela Leitura". O objetivo é dotar as instituições penitenciárias de minibibliotecas e estimular os presos a ler e a fazer resenhas das obras lidas. Como prêmio, terão a pena reduzida através da remição.
Informa o site do DEPEN-PR que "A operacionalização do Projeto deverá obedecer a um cronograma mensal, sendo que nos primeiros dias do mês o participante escolhe o livro e tem um prazo de 20 dias para fazer a leitura e mais 10 dias para elaborar a resenha e submetê-la à avaliação da comissão. A cada livro e a cada relatório de leitura ou resenha elaborada, avaliada e aprovada pela comissão, o apenado terá 3 dias de remição de sua pena."
Parece realista, considerando o baixíssimo nível de escolaridade da esmagadora maioria da população carcerária brasileira.
Há um equívoco na notícia, porém, ao mencionar uma tal de "Lei de Execuções Penais, de 2011". Na verdade, a Lei de Execução Penal (no singular) é de 1984 (Lei n. 7.210), que sofreu uma alteração no ano passado, para instituir a figura da remição pelo estudo (Lei n. 12.433, de 2011). Antes, havia apenas a remição pelo trabalho.
Meus parabéns aos paranaenses, pela iniciativa e sobretudo pela sensibilidade.
No mais, vale lembrar algo com que insisto intensamente com meus alunos: remição se escreve com ç e não com ss, como perpetrou o Consultor Jurídico. Trata-se de um erro compreensível, porque "remissão" é de fato um conceito jurídico, mas a nossa é com cedilha.
Pela primeira vez eu descontei alguns décimos numa prova por conta desse erro. Não desconto erros de português (para evitar reprovações em massa), mas depois de tanto alertar para o detalhe e me deparar com a palavra grafada incorretamente quatro vezes, achei o desconto merecido. Mas isto já é outra história.
Informa o site do DEPEN-PR que "A operacionalização do Projeto deverá obedecer a um cronograma mensal, sendo que nos primeiros dias do mês o participante escolhe o livro e tem um prazo de 20 dias para fazer a leitura e mais 10 dias para elaborar a resenha e submetê-la à avaliação da comissão. A cada livro e a cada relatório de leitura ou resenha elaborada, avaliada e aprovada pela comissão, o apenado terá 3 dias de remição de sua pena."
Parece realista, considerando o baixíssimo nível de escolaridade da esmagadora maioria da população carcerária brasileira.
Há um equívoco na notícia, porém, ao mencionar uma tal de "Lei de Execuções Penais, de 2011". Na verdade, a Lei de Execução Penal (no singular) é de 1984 (Lei n. 7.210), que sofreu uma alteração no ano passado, para instituir a figura da remição pelo estudo (Lei n. 12.433, de 2011). Antes, havia apenas a remição pelo trabalho.
Meus parabéns aos paranaenses, pela iniciativa e sobretudo pela sensibilidade.
No mais, vale lembrar algo com que insisto intensamente com meus alunos: remição se escreve com ç e não com ss, como perpetrou o Consultor Jurídico. Trata-se de um erro compreensível, porque "remissão" é de fato um conceito jurídico, mas a nossa é com cedilha.
Pela primeira vez eu descontei alguns décimos numa prova por conta desse erro. Não desconto erros de português (para evitar reprovações em massa), mas depois de tanto alertar para o detalhe e me deparar com a palavra grafada incorretamente quatro vezes, achei o desconto merecido. Mas isto já é outra história.
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