Por volta das onze da manhã, um caminhãozinho parou em frente ao número 156 da Rua Salvaterra, no Conjunto Presidente Médici I. Chegavam à casa nova o casal Nelson e Jacimar, com seu filho Hudson, então com dez meses. Foi assim que começou a trajetória de minha família no bairro da Marambaia, naquele distante 20 de julho de 1971, um domingo.
Cerca de duas horas antes, ocorrera o sorteio dos lotes habitacionais entre os compradores. Estes sabiam que naquele dia receberiam as chaves de suas moradias; o sorteio destinava-se apenas a resolver qual seria o lote de cada qual. Minha mãe, que visitara as obras algumas vezes, tinha verdadeiro pavor de acabar num imóvel de cara para o Cemitério de São Jorge. Teve sorte: caiu no extremo oposto do conjunto, a um quarteirão de onde hoje é a imensa área do quartel dos fuzileiros n
avais.
Sempre detestei o fato de o Google Earth conter fotos de uma Belém de mais de uma década atrás. Agora, isso vem a calhar. Nesta primeira imagem, o marcador aponta a "casa velha" de minha família, antes da reforma iniciada em 1997, próxima à Praça Tancredo Neves. O asfalto ainda não chegara.
A razão pela qual meus pais levaram menos de duas horas para tomar posse da casa era que, até então, moravam com minha avó paterna — e isso não era lá uma boa experiência, especialmente para minha mãe. Por isso, preferiram aventurar, mudando-se com apenas um guardarroupa (e seu conteúdo, claro), um televisor, um ventilador, duas panelas, um bule, um prato e um jogo de talheres para cada um. [Minha mãe não queria que eu registrasse esta parte, porém depois de mais três décadas, considero um mérito que coisas começadas assim tenham evoluído para melhores condições.]
Àquela altura, cada rua tinha um ou outro morador. O Médici era de uma solidão assustadora para minha medrosa mãe. Valiosa, por isso, a amizade de um vigilante idoso chamado Vicente, que adorava meu irmão.
As obras das primeiras casas do Médici II (as da frente) estavam em andamento. Fazia-se o desmatamento e a construção dos baldrames das futuras residências.
No meio do conjunto havia uma escola estadual, chamada "Jorge Colares", que funcionava numa casinha de madeira onde hoje se situa a igreja (Paróquia de Jesus Ressuscitado). Como não havia templo religioso, as missas eram realizadas na escola. Só muito depois chegou a igreja, um prédio meio rústico em forma de cruz, que frequentei, e foi construída uma nova e bem maior escola, batizada de "Profª Hilda Vieira", onde praticamente todo mundo que morava no local até os anos 1980 estudou em algum momento.
Havia, portanto, uma imensa área livre e arborizada, a que se somava o chamado "Bosquinho", onde mais tarde passaria a funcionar o Supermercado Paulistano. Havia um chiste, contudo, sobre uma cabeça de burro enterrada sob o tal supermercado, porque todos os empreendimentos que abriam lá não duravam muito. Até uma boate funcionou lá algum tempo. Mas, com efeito, tudo era efêmero, até que no mandato do prefeito Hélio Gueiros (1993-1996), acabou-se com o "Bosquinho" e no lugar surgiu a Praça Dom Alberto Ramos, em cuja inauguração o histriônico político declarou, para as câmeras de TV, que praça igual àquela "só nos Estados Unidos", o que levou o povo de minha casa a se referir ao logradouro, ironicamente, como "praça americana".
Na segunda imagem, o retângulo verde-escuro mostra a Escola "Hilda Vieira" (no alto, de frente para a Rua Marapanim) e a Paróquia de Jesus Ressuscitado (embaixo, de frente para a Tv. Ourém). A igreja é a construção hexagonal e, cercada por árvores, a casa paroquial. O quadrado à direita mostra a "praça americana".
Diz minha mãe que, segundo a planta original do conjunto, na área onde sempre funcionou um fatídico campo de futebol, entre a Escola "Hilda Vieira" e a igreja, deveria ter sido construído um clube para os moradores, com piscina e tudo. Claro que a coisa jamais saiu do papel. Os boleiros continuam aporrinhando por lá.
E por falar em supermercado, o dono do Supermercado São Francisco (atual Meio a Meio; a Panificadora São Francisco continua lá), na então Av. Tavares Bastos, hoje Rodolfo Chermont, naquele ano de 1971 possuía uma vendinha de cachaça e peixe frito. Assim ele fez a vida, para se tornar mais tarde dono do estabelecimento onde fiz compras incontáveis vezes.
Eis aí um pouquinho do que era a vida no bairro nascente, naquele ano de 1971.
As informações constantes desta postagem são, todas, lembranças de minha mãe, numa conversa rápida. Por isso, é natural que apresentem alguma imprecisão ou equívoco. De bom grado, receberei informações adicionais de quem puder prestá-las.