quarta-feira, 11 de março de 2009

Delitos sexuais: espécie de concurso

Estupro e atentado ao pudor são crimes separados
A violência sexual praticada com coito anal e vaginal é considerada crime duplo de atentado violento ao pudor e estupro, segundo o Supremo Tribunal Federal. A 1ª Turma da corte negou Habeas Corpus a um réu que pedia para ter a pena reduzida com base na tese da continuidade delitiva, que prevê penas menores quando um crime é cometido em função do outro. O réu havia cumprido sete anos de prisão.
O julgamento, feito nesta terça-feira (10/3), colocou Paulo Medeiros Bueno novamente na cadeia. Ele havia sido condenado, em primeiro grau, a 12 anos de prisão por atacar uma mulher enquanto ela tirava leite de vacas em um curral. Usando de violência, Paulo a despiu e a forçou a praticar coito anal, o que é considerado atentado violento ao pudor. Em seguida, a forçou novamente, dessa vez com penetração vaginal, praticando estupro, de acordo com os autos.
O juízo de primeira instância classificou os crimes como distintos, aplicando a tese do concurso material — em que é aplicada a soma das penas de cada contravenção, conforme artigo 69 do Código Penal. Mas o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a decisão, a pedido da Defensoria Pública paulista. Os desembargadores estaduais reduziram a pena para sete anos, entendendo que os crimes aconteceram em sequência e estavam ligados.
A continuidade delitiva está prevista no artigo 71 do Código Penal. Crimes da mesma espécie, cometidos em condições semelhantes — como de tempo, lugar e maneira de execução — são considerados um a continuação do outro. A pena, nesse caso, é dada em relação a apenas o crime mais grave, com aumento que varia de um sexto a dois terços.
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, no entanto, rejeitou o recurso apresentado pela Defensoria. Os advogados públicos contestaram a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que reverteu o julgamento do TJ-SP. Eles alegaram que o STJ, ao julgar se houve continuidade delitiva ou concurso material, teria de fazer o reexame das provas, o que é proibido na análise de pedido de Habeas Corpus. Lewandowski, porém, afirmou que o tribunal apenas deu o correto enquadramento legal aos fatos.
Para o ministro, relator do processo, o crime, praticado com extrema violência, teve dois objetivos distintos e, portanto, devem ser considerados separadamente. A turma seguiu seu entendimento por unanimidade e ordenou a prisão do condenado.
HC 96.959

Fonte: http://www.conjur.com.br/2009-mar-11/stf-nao-considera-estupro-atentado-pudor-crimes-continuados

Minhas desculpas aos leitores não-juristas do blog, mas esta é uma daquelas postagens técnicas, definida pelo fato de eu ter acabado de tratar dos crimes sexuais com meus alunos de Direito Penal IV.
Quanto a este tema, destaco o seguinte:

1. Existe controvérsia quanto ao cabimento da continuidade delitiva, baseada no significado da expressão "crimes da mesma espécie", constante do art. 71 do Código Penal. Alguns autores entendem que, sob essa rubrica, devem-se enquadrar os delitos previstos no mesmo dispositivo legal, admitidas as suas formas qualificadas e privilegiadas, consumadas e tentadas. Outros sustentam que a expressão aponta para delitos que afetem o mesmo bem jurídico, mas neste caso precisamos buscar uma identidade também em relação aos aspectos objetivos dos crimes. Afinal, não parece nada razoável considerar que um estelionato seja continuação de um furto, roubo, extorsão, dano ou qualquer combinação do gênero.

2. Os adeptos da primeira corrente ratificariam a decisão do STF. Para os outros, ela seria um grande erro.

3. A reportagem não esclarece o motivo pelo qual o julgado chegou à conclusão apresentada e, como a deliberação foi tomada ontem, o acórdão não está disponível para consulta via Internet. Razoável supor que a análise se baseou na celeuma acima apontada.

4. Muitos se insurgem contra a continuidade delitiva, porque ela provoca a redução da pena final em casos onde o sentimento social clama por uma punição mais dura, como nos delitos sexuais. É possível que algum argumento de força tenha pesado na decisão. Vale lembrar que, por força do antipático parágrafo único do art. 71, cabe continuidade delitiva mesmo em caso de crimes violentos contra bens jurídicos pessoais.

Tendo acesso ao inteiro teor do julgado, posso voltar ao tema.

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