domingo, 30 de outubro de 2011

O palhaço

Já disse várias vezes, aqui no blog, o quanto admiro e incentivo o cinema nacional. Somente uma pessoa cega, burra ou mal intencionada não percebe o quanto ele tem avançado nos últimos anos. A despeito disso, não tomara conhecimento de O palhaço até o amigo Bruno Brasil ter a gentileza de convidar a mim e minha esposa para acompanhá-lo, com a respectiva consorte, a uma sessão dessa nova joia delicada do cinema brasileiro.
Selton Mello é um ator consagrado, com excelente tempo de comédia, embora costume receber críticas por seu jeito peculiar e algo repetitivo de atuar. Ele é sempre Selton Mello, ainda mais por conta daquele voz de timbre inconfundível, algo adolescente, e isso é nítido quando o vemos assomar o picadeiro em sua caracterização de palhaço Pangaré. Mas se nos concentrarmos no talento do rapaz,  vamos nos encantando com a narrativa que nos é oferecida.
O palhaço é a segunda incursão de Mello como diretor. A primeira, Feliz natal (2008), é uma obra pesada sobre relações familiares destrutivas, que deixou muita gente incomodada. Mais não direi, porque não vi, porém fico com a impressão de que o cineasta quis mudar completamente de ares, evitando a armadilha de se tornar o profissional de um tema só, como aconteceu com M. Night Shyamalan, uma das maiores promessas frustradas do cinema desta geração. Assim, deu uma guinada e foi buscar na paixão pelo circo uma estória simples, de narrativa linear, com poucos personagens e motes cativantes. Fez o que considero acertadíssimo: apostou na simplicidade. E acertou, num roteiro que assina em parceria com Marcelo Vindicatto.
Segundo o site oficial do filme, a sinopse é esta: "Benjamim (Selton Mello) e Valdemar (Paulo José) formam a fabulosa dupla de palhaços Pangaré e Puro Sangue. Benjamim é um palhaço sem identidade, CPF e comprovante de residência. Ele vive pelas estradas na companhia da divertida trupe do Circo Esperança. Mas Benjamim acha que perdeu a graça e parte em uma aventura atrás de um sonho. Venha rir e se emocionar com este grande espetáculo."
Sem querer estragar a graça de um filme que entrou há dois dias em cartaz na cidade, e que recomendo ao público ver no escurinho do cinema, O palhaço mostra a vida difícil de artistas de um circo bastante bombardeado, mas que são artistas e amam o que fazem. Por isso, o afastamento de um membro da família é muito doloroso, mas às vezes é preciso ir atrás de novos caminhos. Afinal, o gato bebe leite, o rato come queijo. E você, faz o quê? Você, o que é?
Creio que a grande síntese seja mesmo esta: um palhaço que quer uma vida convencional descobre que as pessoas que possuem vidas convencionais querem a leveza e o descompromisso do palhaço. Quem estará fora do seu caminho?
O filme nos traz grandes atores em cena. É adorável ver a atuação de Paulo José, um dos maiores atores deste país e dono de uma das mais belas vozes que já escutei. E no meio de estreantes e improváveis membros de elencos de novelas globais, como o anão Tony Tonelada, vemos ressurgir das sombras o outrora menino Ferrugem e Moacyr Franco, este responsável pela minha sequência favorita, na qual o delegado Justo explica a sua chateação por ter que sair de casa para resolver uma detenção, quando podia estar comendo queijos e fazendo companhia a seu gato.
Afora isso, Mello procura construir seu jeito pessoal de filmar. Percebe-se a presença de idiossincrasias no roteiro, como um certo clima surreal, expresso pela estranha obsessão por ventiladores. Além do garoto magricela que parece ter problemas com cabras em sua vida. Segundo matéria publicada na Internet, o próprio Mello teria usado esse filme para deslanchar o seu "Projeto Clint Eastwood", ou seja, "dominar a maior parte do processo de criação de seus filmes". Eastwood, vale lembrar, é um medalhão do cinema americano que, após uma longa e vitoriosa carreira como ator, tornou-se cineasta e investe os próprios recursos em filmes autorais, de menor apelo comercial e grande vocação humanista. Somando-se isso ao fato de ser um cavalheiro com todos os integrantes de suas produções, é mais quem implora para participar de seus projetos.
Será esse o futuro do cineasta de 38 anos Selton Mello, nascido na cidade mineira de Passos, que por sinal ganhou uma condição de destaque no filme? Pelo menos no quesito simpatia o rapaz está se esforçando. Na última edição do Festival de Gramado, Mello ganhou a Homenagem Especial e O palhaço foi o filme de abertura. Ao ser entrevistado, Mello disse que o artista deve estar à disposição do público. Artista que não queira o assédio dos fãs deve mudar de profissão. Eu também acho. Mas essa afirmação só adianta quando parte de alguém de dentro.
Em suma, respeitável público, vá ver O palhaço e aproveite.

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