Nunca fiz isto antes, mas decidi compartilhar, aqui no blog, a prova que apliquei ontem para a minha turma de Direito Penal III, versando tão somente sobre os crimes contra a vida e lesão corporal, incluindo o Código de Trânsito Brasileiro e a "Lei Maria da Penha".
Minha intenção não era fazer uma prova difícil (nunca é, certo, crianças?), mas reconheço que elas são normalmente trabalhosas. No caso desta, fiquei bastante satisfeito quando terminei de elaborar, porque ela tem uma característica que me agrada, que é abordar vários assuntos numa mesma questão. A despeito de minha intenção, porém, os alunos sempre dizem que a prova foi terrível. Sempre. E fazem um comentário que me parece extremamente enigmático: "eu gostei da prova, mas não sei o que esperar".
Como assim?
Apesar de que mais de uma pessoa entregou a prova quando ainda faltava cerca de uma hora para o término do horário, alguns alunos o extrapolaram — e iriam para casa comigo, se eu deixasse! Por isso, fui ficando curioso em relação à dificuldade que tiveram para concluir a resolução. Tão curioso que me apressei a responder logo. Este é um dos procedimentos de transparência avaliativa que adoto: eu respondo a prova e encaminho o documento aos alunos, que assim sabem, de antemão, quais serão os meus critérios de correção. Mas ainda vou rever o texto antes de encaminhá-lo. Nesse meio tempo, quem sabe um de vocês me dá uma opinião sobre o meu trabalho? Eu ficaria muito grato.
Primeira questão
Os namorados Geórgia e Rinaldo moravam juntos há quase um ano quando a moça decidiu encerrar o rela-cionamento. Houve uma briga intensa e Rinaldo, que deveria deixar o apartamento, descontrolou-se e desferiu violento soco, que atingiu Geórgia no pescoço. Pela manhã, o rapaz retornou e começou a bater na porta, pedindo perdão e “uma nova chance”. Nesse momento, a porta foi aberta e quem saiu de lá foi a temida delegada Larissa Laura. Ela deu voz de prisão a Rinaldo, que ficou perplexo ao saber que estava sendo preso por homicídio, sendo a vítima sua namorada. Consoante o laudo necroscópico, o trauma no pescoço provocara uma fratura na traqueia e consequente hemorragia. O sangue invadira os pulmões, matando a moça por asfixia. Analise o caso e resolva qual delito está configurado, indicando expressamente a pena máxima a que pode, em tese, ser condenado.
Segunda questão
O casal Luiz e Jéssica Mangabeira ainda comemorava a descoberta da gravidez quando recebeu uma terrível notícia: Jéssica sofria de doença de Huntington. Cientes de que ela não seria capaz de cuidar do filho e de acompanhar o seu crescimento, viram ruir um projeto de vida que só fazia sentido se vivido juntos. Por isso, tomaram uma decisão: procuraram a ginecologista Yasmin Rangel, que injetou na gestante um medicamento abortivo. Por se tratar de uma gestação recente, a médica supôs que não haveria maiores consequências. Entretanto, Jéssica apresentou dores intensas e precisou ser hospitalizada, ocasião em que se descobriu que o feto morto não fora expelido e sua putrefação provocara uma grave infecção, que quase matou a moça. Resolva, com todos os detalhes devidos, por quais crimes os personagens podem ser denunciados, analisando especificamente se existe algum argumento que possa isentá-los da responsabilidade penal.
Terceira questão
Bernardo Mangabeira (12) decidiu ingressar na perigosa gangue que aterrorizava o seu bairro. Para ser aceito, todavia, deveria cumprir um “ritual de iniciação”, que começava pela realização de assaltos à mão armada, sozinho, e depois pelo baleamento na coxa, a sangue frio, de um membro de gangue rival. Como última prova, foi determinado a Bernardo que se submetesse a uma “roleta russa”: uma bala no tambor, giro e acionamento do gatilho, com o cano apontado para a própria cabeça. Assim que puxou o gatilho, houve o disparo. Socorrido por populares, o adolescente sobreviveu, mas sofreu danos cerebrais que o deixaram alienado e sem capacidade de comunicação verbal. Dois líderes da gangue foram identificados e presos pelo crime. Analise em profundidade as teses abaixo:
i) Denúncia do Ministério Público: os réus agiram com animus necandi e por isso devem responder por homicídio qualificado.
ii) Defesa preliminar dos réus: como tese alternativa à negativa de autoria, alegaram que o delito seria de participação em suicídio.
Resolva se o juiz deve receber a denúncia como se encontra ou desclassificar o delito, como requerido pela defesa.
Quarta questão
“No acidente, o motorista do Camaro e outras quatro pessoas ficaram feridas, sendo uma gravemente. Um motorista que teve o veículo atingido pelo Camaro teve 90% do corpo queimado e seguia internado em estado grave no Hospital das Clínicas nesta manhã. Ele respirava com ajuda de aparelhos, segundo o hospital. — O acidente aconteceu na altura do número 2.500 da Avenida Inajar de Souza, no sentido Freguesia do Ó. De acordo com o soldado Luís Carlos Barboza, da Polícia Militar, Arenzon foi encontrado em uma casa próxima ao local do acidente. Ainda segundo o soldado, o condutor disse que voltava de uma festa em uma casa noturna na Zona Oeste da cidade quando o correu o acidente. Dentro do carro foi encontrada uma lata de cerveja. Testemunhas disseram que ele havia batido em outro veículo antes de causar o maior acidente. Segundo a polícia, ele bateu em outro carro na região da Pompeia e atropelou duas mulheres na Ponte da Freguesia do Ó. Segundo a PM, elas foram socorridas por pessoas que passavam pelo local. — O motorista do Vectra atingido pelo Camaro, o webdesigner Hermes Crespo, de 33 anos, dava uma carona para sua tia por volta das 7h desta sexta quando viu um carro se aproximar em alta velocidade. 'Eu só vi um vulto. Ele foi batendo nos carros. Depois foi embora.' Segundo o webdesigner, o Camaro atingiu pelo menos cinco carros.”
Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/10/familia-tenta-vender-imovel-para-pagar-fianca-de-motorista-do-camaro.html [Acesso em 3.10.2011]
Considerando os excertos de reportagem acima, formule uma opinião fundamentada sobre a possível responsabilidade penal do motorista atropelador.
4 comentários:
Saudade dos Mangabeira, hahahaha. Ainda espero saber porque a coisa é sempre com eles...
Eu diria:
1. Lesão corporal seguida de morte
2. Aborto qualificado para a medica
Abordo consentido para a mãe e participação do marido.
3. Homicídio qualificado
4. A lei do trânsito. Lesão corporal
Aceitei professor?
Saudade das suas aulas.
Felipe.
Realmente professor, são questões bem trabalhosas para responder e, imagino, também para elaborar. Percebi que cada uma exige uma leitura bem atenta aos detalhes dos casos abordados. Mas, creio que aqueles que estudaram devem ter feito uma boa prova (claro!).
Bom, apesar de ainda estar em Penal I e, obviamente, não ter visto nem metade desses assuntos da sua prova, achei a terceira questão a mais difícil de responder. Acredito que seja por causa das teses que devem ser analisadas em profundidade...
Ah! E quanto ao comentário que o senhor acha enigmático: "eu gostei da prova, mas não sei o que esperar", confesso que já o falei muitas vezes!
Geralmente o faço quando se trata de uma prova trabalhosa e de um professor exigente. Se gostei da prova é porque, para mim, ela estava acessível, consegui responder as questões de forma coerente e dentro do tempo estipulado... Mas o fato de não saber o que esperar é porque eu não faço ideia de como será o critério de avaliação do professor. Eu posso até achar que fiz uma boa prova, mas e o professor? Será que ele vai concordar comigo?
Enfim, às vezes não dá para escapar dessa "aflição" até o tão esperado resultado.
Abraço!
Ora, Caio, o motivo é que...
Não de todo, Felipe. Fica um pouco difícil analisar só a resposta crua, mas digamos que tens toda condição de passar!
Juliana, a terceira questão realmente ficou muito trabalhosa e até me arrependi da forma como a elaborei. Já disse isso para a turma. Podia ter pedido menos coisas num mesmo enunciado.
Postei essa prova aqui também para os alunos mais novos, que podem ter uma ideia do que os aguarda, ao mesmo tempo em que podem testar algumas conclusões que já são capazes de fazer.
Um abraço.
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