Ainda não vi nenhum episódio da série As brasileiras, que a Rede Globo incluiu em sua programação de 2012 e que se pretende uma homenagem às mulheres deste país. Escutei alguns poucos comentários sobre os episódios anteriores, dizendo tratar-se de um programa chato. Ontem, porém, o cenário mudou.
Antes mesmo da exibição, à noite, do episódio Araí, a selvagem de Santarém, o Facebook já estava tomado por postagens furiosas, protestando, vociferando e clamando as pragas do inferno para os produtores do programa. O motivo é por demais conhecido por estas bandas: retrata a nossa região como um local atrasado, quase pré-histórico, que contrasta com a civilização dos brasileiros, que para cá acorrem tentando nos iluminar, instruir, desenvolver.
Sabemos que essa imagem pré-concebida, preconceituosa e burra existe mesmo. É surpreendente a ponto de parecer falso, mas a verdade é que os inteligentes brasileiros do Centro-Sul continuam acreditando que, mesmo na capital, o Estado do Pará não possui aeroporto ou edifícios, que índios misturam-se ao restante da população por toda parte e que animais selvagens podem ser encontrados em cada esquina. Uma suposição que depõe contra eles, não contra nós. Mas o fato é que nos cansamos há muito tempo do tratamento recebido, como se fôssemos geneticamente inferiores.
A despeito de minha indignação pessoal com isso, não fiquei nem um pouco aborrecido com a Globo pela mais nova incursão em terras paraenses. Como não vi o episódio, não posso afirmar se ele foi agressivo, patético ou apenas equivocado, ou ainda se todo esse barulho é um exagero, derivado da nossa habitual mania de perseguição. Até segunda ordem, voto no exagero. Eu realmente não vi motivo nenhum para essa raiva toda.
Sejamos sensatos: uma tribo antropófaga, a esta altura, soa como um exagero. Mas sabemos que ainda existem tribos totalmente isoladas, que não mantêm contato com o mundo dito "branco". A FUNAI cuida para que se mantenham assim. Não sei se tais índios comem carne humana. Acho que não pois, se isso acontecesse, provavelmente já teria havido uma intervenção civilizatória. Mas onde vivem essas tribos? Na Amazônia, claro. O que me pergunto é: fazer um programa em nossa região retratando índios é preconceito? Tudo bem, o aspecto da antropofagia faz a balança pender para o deboche e senso de humor mal conduzido descamba para a grosseria. Mas será que havia intenção de ofender?
Especulemos mais. Retratar a seca e a miséria no Nordeste é preconceito? Retratar a violência, o crime organizado, o narcotráfico no Rio de Janeiro é preconceito? Mostrar os negros americanos vestidos com aquelas roupas largas ridículas e cantando rap é preconceito?
Acho que Araí, a selvagem de Santarém foi apenas um programa banal, tentando ser engraçado e recorrendo ao clichê de exibir ao fundo lindas paisagens naturais para cativar o público. Não se destinou a nem conseguiu elevar ou afundar a imagem do Pará. A reação dos internautas (gente com maior nível de instrução e renda) está me parecendo tempestade em copo d'água. Ou pororoca em copo d'água, se não for ofensivo dizer isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário