domingo, 27 de novembro de 2011

Carmina Burana, no Theatro da Paz

Eu tinha a intenção de assistir aos dois espetáculos principais do X Festival de Ópera do Pará, a ópera Tosca, de Giacomo Puccini, e a cantata cênica Carmina Burana, de Carl Orff. Uma conjuntura adversa quebrou os meus planos, mas eis que uma situação inesperada acabou me colocando na noite de ontem dentro do Theatro da Paz.

Assisti, então, à montagem de Maria Sylvia Nunes para a célebre obra de Orff, cujo tema de abertura e encerramento (Fortuna imperatrix mundi) é bastante conhecido e costuma ser utilizado como fundo musical nas situações mais estapafúrdias. Uma ofensa ao seu imenso valor musical e histórico.

A montagem foi muito simpática. Decerto que todos se beneficiariam se houvesse, por parte do governo, maiores investimentos nas montagens e se tais eventos não fossem concebidos para um máximo de três exibições durante o festival, no máximo. Tudo bem que pode ser meio delirante de minha parte pensar em espetáculos do gênero montados para o ano inteiro, mas a convocação eventual do artista para participar deste ou daquele espetáculo dificulta a profissionalização.

Carmina Burana pede uma orquestra completa, três corais (um masculino, um feminino e um infantil) e três solistas. A orquestra estava lá, embora escondida no fosso que lhe é destinado, porque nosso lindíssimo teatro é muito modesto para qualquer apresentação que peça um número ligeiramente maior de artistas, mais cenários. Os corais adultos estavam satisfatórios e o infantil cantou bem, mas eram poucas crianças. Quanto aos solistas, eram os forasteiros da montagem.

Responsável pela maior parte dos solos — que incluem algumas das canções mais belas da cantata, como a maravilhosa Omnia sol temperat —, o barítono Federico Sanguinetti não me agradou. Justamente na canção supracitada, ele inverteu dois versos (trocou "animus herilis" por "Deus puerilis"), errou uma outra palavra, economizou potência vocal (mas aí devo dizer que a apresentação inteira foi muito contida; mesmo a orquestra tocava como se não quisesse acordar o bebê que dormia no camarim) e desafinou feio na também belíssima Dies, nox et omnia, quando não deu conta do falsete.

A soprano Lyz Nardotto foi a grande estrela. Já nossa conhecida de outros festivais (particularmente por sua adorável interpretação da Rainha da Noite, na montagem da celebérrima A flauta mágica, de Mozart), apareceu numa bela caracterização e nos encantou com sua voz. Esta não é uma opinião isolada: os aplausos ao final da apresentação deixaram muito claro quem se saiu melhor.

Por fim, o tenor Flávio Leite veio aqui interpretar um papel que já fora seu em outras montagens de Carmina Burana: o Cisne, protagonista da canção mais esquisita de toda a obra, na qual a ave relata a sua triste sina de ser assada e servida como jantar. Por decisão dos encenadores, a proposta era ser engraçadinho e o tenor comprou a ideia, cantando de forma exagerada. Além disso, a maquiagem lhe dava uma aparência de terror que ficou bem interessante, admito. Eu preferia menos comédia, mas entendi o mote e, como era de se esperar, o público gostou. Com essa rápida passagem, ganhou a simpatia geral, também percebida na intensidade dos aplausos.

E havia muito balé e atores em cena, para criar o universo místico, boêmio, primaveril e sensual das canções dos religiosos medievais. Bonitinho.

Encerrada a récita, houve a esperada ovação aos artistas e, depois, aos responsáveis pelo espetáculo (encenadores e burocratas). Nesse momento, entrou em cena uma entidade, aquela que atende pelo nome de Paulo Chaves, metido numa camisa polo imitando a bandeira do Pará. Foi fazer política. Provavelmente inspirado no coro que entoou o Hino Nacional antes do jogo da seleção brasileira, aqui em Belém, há algumas semanas, que os deslumbrados consideram a coisa mais maravilhosa do mundo embora já tenha acontecido um bilhão de vezes antes dos jogos da seleção brasileira de vôlei, fez a plateia cantar o Hino do Pará, com direito à legenda, já que quase ninguém conhece a letra.

Em suma, o espetáculo virou um ato político pela integridade do atual Estado. O homem gritava "viva o Pará" e a plateia se regalava. Então tá.

Eu gostei de Carmina Burana.

As fotos são de Eliseu Dias, da Agência Pará.
Carmina Burana segundo o governo do Estado: http://www.pa.gov.br/noticia_interna.asp?id_ver=89041

3 comentários:

Luciane Fiuza disse...

adoro suas observações, Yúdice. até compartilhei o post no face. sabe que acho vc daria um bom crítico de arte?! :) vou assistir Carmina Burana no dia 30. Eu já dancei a famosa "Fortuna" quando era aluna da Vera Torres. Abs, blogueiro!

PS: na minha opinião, os bailarinos deveriam ser selecionados em audição.

Yúdice Andrade disse...

Agradeço tamanha gentileza, Luciane. Só me conta depois se me esculhambaram por lá!
Não tenho o mínimo de conhecimento para ser crítico de arte. Na verdade, não sou muito de críticos. Por isso, costumo enfatizar que falo apenas como um consumidor de arte, alguém que não entende mas que gostaria de emitir algumas opiniões baseadas, sobretudo, em gostos pessoais.
No mais, não me parece nada razoável que bailarinos e demais membros desse tipo de montagem sejam escolhidos por qualquer outra forma que não seja uma audição. Mas isso exigiria um tempo bem maior de produção, justamente o que não dá para fazer no modelo que o governo do Estado adota - motivo de minha crítica.

Luciane Fiuza disse...

Imagina,Yúdice. Então eu tb seria xingada...rsrsrsrs. As suas críticas ou opiniões, como queira, é que são sempre elegantes e construtivas. Entendo a dificuldade de uma produção desse tipo e louvo a iniciaiva, mas não entendo o motivo de por anos a (s) mesma(s) cia.(s) de dança estar lá recebendo cachê (que td bailarino paraense quer e precisa) e, de quebra, divulgação gratuita, ou melhor, paga por todos nós... Fico mais na seara da dança por acompanhá-la um pouco mais de perto, mas estendo minha opinião para os demais artistas participantes. Então concordo contigo que este modelo deve ser revisto. E com urgência. Bjs, querido!