Ainda há muita gente neste país que não se incomoda com o problema da superpopulação carcerária. Fala-se aquela estupidez de que, se o cara queria conforto, que não delinquisse. Considera-se que as prisões estão cheias porque há muita gente ruim cometendo crimes e por aí vai. Mas é o Supremo Tribunal Federal quem traça um cenário bastante diferente, ao revelar que, em apenas dois anos (2010 e 2011), devido aos mutirões carcerários que têm sido promovidos por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, 21 mil pessoas foram postas em liberdade — não por mera liberalidade, mas porque a prisão em si era irregular.
O que poderia ser considerado liberalidade (na verdade, exigências de execução penal, cuja concessão depende do mérito do preso) — progressão de regime e livramento condicional — beneficiou outras 41,1 mil pessoas.
Faça as contas: mais de 62.000 podiam estar em liberdade ou, ao menos, sob regime penitenciário menos severo, tudo rigorosamente dentro da lei. Ninguém ganha com isso. Se é que se pode esperar algo de bom da pena criminal, não há de funcionar quando o detento se vê reduzido a uma condição tão sub-humana ou se sente injustiçado. Do outro lado, para a sociedade, enquanto gente que podia estar livre ocupa as celas, os muitos milhares de mandados de prisão jamais cumpridos continuam sem condições de sê-lo, o que é um fator de impunidade. Por fim, o Estado precisa gerenciar um número extraordinário de almas, o que dificulta e encare tudo.
Admitir-se a importância, a necessidade dos mutirões carcerários chega a ser um truísmo. No entanto, sempre devemos lembrar que eles, isoladamente considerados, ajudam enormemente, mas não resolvem problemas essenciais. Eles não resolvem o problema do tratamento dispensado àquele que deve permanecer encarcerados. Não modificam a visão da sociedade sobre o modo de reagir à criminalidade e, sequer, a visão dos próprios agentes que trabalham no sistema de justiça criminal. Não resolvem, sobretudo, nem enfrentam sequer de longe os variados fatores que impulsionam a criminalidade. Logo, não previnem a reincidência e, no eterno círculo vicioso da falta de reflexão, faz muitos pensarem que os próprios mutirões nada produzem de bom.
Enfim, estamos apenas no começo da jornada. Que prossigam os mutirões, mas falta todo o resto.
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