A questão é que o art. 1.045 da Lei n. 13.105, de 2015, ao estabelecer a cláusula de vigência, dispõe: "Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial."
A publicação no Diário Oficial da União ocorreu em 17.3.2015 e os queridos processualistas não sabem quando será, exatamente, o início da vigência, porque a vacatio legis usualmente é definida em dias. Há um segundo motivo, ainda pior: 2016 é um ano bissexto! "E daí?", pensei.
Expliquei rapidamente como entendo que a coisa deva ser interpretada, mas o colega insistiu na necessidade de uma deliberação formal para resolver o impasse. Nesse momento, mesmo sem querer chatear o colega, disse a ele que processualistas têm essa mania de fazer cavalos de batalha, de transformar questões aparentemente banais em verdadeiras esfinges, a demandar muitos simpósios para esclarecimento. Ou então um ato normativo do Conselho Nacional de Justiça, que se espera seja proferido até quinta-feira, dia 3, a partir de uma provocação da Ordem dos Advogados do Brasil.
Até compreendo a cautela da OAB, já que uma mudança legislativa dessa magnitude realmente traz grande impacto sobre a vida de todos. Todavia, o fato de uma questão ter consequências graves não a transforma em matéria de alta indagação. E eu realmente não acredito que haja alta indagação neste contexto. Penso que a solução pode ser encontrada em uma norma singelíssima inscrita no Código Penal.
Antes de prosseguir, sei que preciso esclarecer algo que também não é de alta indagação, mas será objeto de imediata rejeição: uma norma constante do Código Penal poderia surtir efeitos sobre o processo civil? Absurdo? Absurdo nenhum. O Código Penal é uma lei federal vigente e suas normas se aplicam a toda e qualquer situação que não seja disciplinada por norma específica. A antiga Lei de Introdução ao Código Civil, hoje Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (a Lei n. 12.376, de 2010, mudou exclusivamente o nome, sem afetar o conteúdo), sempre foi aplicada a toda a legislação brasileira, mesmo que as matérias não tivessem relação com o direito civil.
Veja-se o Código de Defesa do Consumidor: seu art. 81, ao disciplinar a defesa do consumidor em juízo, conceitua interesses ou direitos difusos e interesses ou direitos coletivos, acrescentando ainda "para efeitos deste código". Mas isso significa que existe um conceito de direito difuso ou coletivo para as relações de consumo e outro conceito para as demais situações, p. ex. relacionadas ao meio ambiente? Claro que não. O conceito é um só. Tanto que a Lei n. 7.347, de 1985, que regulamenta a ação civil pública, foi alterada pelo próprio CDC e ganhou a seguinte norma: "Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor" (art. 21).
Não é demais lembrar que o fato de a norma a que aludirei se encontrar no Código Penal é meramente circunstancial. Precisamos perder a mania de achar que as divisões mais ou menos imprecisas das disciplinas jurídicas são determinantes para a natureza e aplicabilidade das normas.
Dito isto, vamos ao mérito. O art. 10 do Código Penal assim dispõe:
Contagem de prazo
Art. 10. O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.O dispositivo em exame contém duas normas. A primeira, admito, aplica-se exclusivamente ao direito penal. Trata-se da regra segundo a qual prazos materiais (aqueles que afetam a existência ou os limites da pretensão punitiva) são contados incluindo o dia do começo, distinguindo-se dos prazos processuais, que excluem o dia do começo (mesmo no processo penal). O objetivo, em ambos os casos, é beneficiar o indivíduo alcançado pelos efeitos do prazo. Efeito prático: se um crime sujeito à prescrição de 3 anos for praticado em 20 de janeiro de 2016, sua prescrição se dará em 19 de janeiro de 2019, e não no dia 20, como aconteceria se excluíssemos o dia do começo.
A segunda norma, contudo, é genérica. Embora prevista no Código Penal, institui um critério de aplicação que, segundo entendo, pode incidir sobre qualquer situação, porque não existe nenhuma razão legal, sequer lógica, para excluir a sua incidência. Funciona como o CDC definindo o que é direito difuso ou coletivo, para toda e qualquer finalidade.
O que significa contar de acordo com o calendário comum? Significa contabilizar o número de dias de acordo com cada unidade de tempo. Um ano tem 365 dias em regra, mas os bissextos têm 366. Isto não faz a menor diferença se o prazo é estabelecido em anos (por isso o meu "e daí?"). Então:
a) um prazo fixado em dias é contado... em dias! Pode usar seus dedinhos, se quiser:
- Um prazo de 45 dias iniciado em 1º de janeiro terminaria em 14 de fevereiro (porque janeiro tem 31 dias, restando 14 para o mês de fevereiro);
- Um prazo de 45 dias iniciado em 1º de abril terminaria em 15 de maio (porque abril tem 30 dias, restando 15 para o mês de maio);
- Um prazo de 45 dias iniciado em 1º de fevereiro terminaria em 17 de março (porque fevereiro tem 28 dias, restando 17 para o mês de março);
- Um prazo de 45 dias iniciado em 1º de fevereiro de um ano bissexto terminaria em 16 de março.
b) um prazo fixado em meses é contado de certo dia até o mesmo dia do mês correspondente:
- Um prazo de 3 meses, iniciado em 10 de fevereiro, terminaria em 10 de maio, não interessando quais meses têm 31, 30, 29 ou 28 dias, simplesmente porque o prazo não está sendo contado em dias!
c) um prazo fixado em anos é contado de certo dia e mês até o mesmo dia e mês do ano correspondente:
- Um prazo de 3 anos, iniciado em 27 de junho de 2015, terminaria em 27 de junho de 2018, não interessando se pelo meio existe um ano bissexto.
Compreenda que não é correto afirmar que o mês tem 30 dias (isto só é verdade para abril, junho, setembro e novembro) ou que o ano tem 365 dias (inaplicável aos anos bissextos). Não se faz nenhum arredondamento, porque não é assim que funciona o calendário comum.
Diante de tudo quanto explanado acima, o novo Código de Processo Civil entrará em vigor, de acordo com a legislação brasileira, em 17 de março vindouro.
Se a segurança jurídica pede que um ato formal esclareça isso, tudo bem. Totalmente compreensível. Só espero que ninguém vá buscar uma renca de teorias pós-new-up-over-pré-dark-light para conduzir a um debate interminável no plenário do CNJ porque, honestamente, não precisa.
Era isto. Aceito, agora, que os colegas repliquem esta análise. Vamos ver no que dá.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2016-mar-01/cnj-definir-quando-cpc-entrara-vigor
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