sábado, 3 de junho de 2017

"Eu amo tudo o que foi"

Entrei na sala e os vi pela primeira vez. Minha atitude ensaiada: entro calado, ponho meus pertences sobre a mesa e os encaro em silêncio, apreciando suas reações ante minha chegada. Logo no primeiro momento, já começo a observar suas linguagens corporais. O silêncio vai-se instalando. Sei que já ouviram falar de mim. Deixo que eles se perguntem se aquele hobbit pode ser mesmo tão malvado quanto disseram. Então eu falo. E os convido a começar do zero.

Era agosto de 2015. Tempos sombrios, com meu mundinho em queda livre. Eles foram minha bengala, sem sequer imaginar isso. Quando podia ficar em casa de luto, preferi ficar com eles. Entrei como se fosse um dia qualquer. Tenho duas folhas de papel cheias de mensagens que provam, no entanto, que aquele dia não teve nada de qualquer.

Seguimos. Foram quase três centenas de aulas, além de trabalhos (alguns maravilhosos!), leituras que insistiam em ignorar e elas, claro: as provas. Nossa relação não seria completa sem as provas. Nunca dá certo para todos, então houve choro, protestos, revolta. Houve quem desistiu e nem me olhou mais. Houve quem fugiu e voltou. E houve quem soube aprender com os reveses, amadurecendo. Este, por sinal, é um dos aspectos favoritos do meu trabalho: quando os conheço, são tão crianças e ao longo do tempo vão-se transformando. É tão bonito acompanhar isso.

Também há os que chegam depois. Há até os que chegam no último trecho da viagem e se tornam tão queridos quanto os mais antigos. Tem de tudo em meio às gerações de alunos que se sucedem, compondo nada menos do que a história da minha vida.

Daí eu pisco os olhos e dois anos se passaram. Junho de 2017, hora de dizer adeus. Ou até logo. Também existe um ritual de saída: a foto no dia da prova de segunda avaliação, o dia de maior frequência que existe. Desta vez, 100% de comparecimento nas duas turmas. Um simples gesto de mão grava um momento que ficará comigo daqui por diante. Os anos continuarão correndo, mas seus sorrisos estarão ao meu alcance. Lembrar, para sempre, o que foi doce e bom.


Foram tantas tardes agradáveis com meus compenetrados que foram se soltando. Aqui não existe mais em tese: vocês foram concretamente maravilhosos.


E os meus tagarelas de primeira hora, que me fizeram rir e ficar leve inúmeras vezes. Será que verei um monitor sair daqui? Ou um casamento? Será que vão parar de fazer bullying com o Alfredo? Eu profetizo.

Você que lê este texto não compreenderá tudo o que escrevi. Isso porque há coisas que só podem ser alcançadas por quem viveu a aventura. E me desculpe, mas esta aventura é minha. E por ela agradeço de modo muito caloroso a cada figuraça que aparece nas fotos, com as palavras de Fernando Pessoa:

Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi e voou
E hoje é já outro dia.

3 comentários:

Anônimo disse...

Querido professor... sei que nao estou nas fotos... mas muitas dessas suas sábias palavras se encaixam na minha vida. Fui sua aluna e o admiro demais por ser um grande mestre. Aprendi. Cresci. E continuo a caminhar. Mas jamais vou esquecer suas aulas sem igual. Obrigada mestre! Você é muito especial. Grande abraço.

Yúdice Andrade disse...

Muito feliz com o seu carinho, gostaria de saber quem você é. Abraço.

Unknown disse...

Não estou nas fotinhas, mas sinto-me representada nelas, chego a ver até caricaturas familiares.
Os anos correram, os casamentos e filhos vieram... No entanto, a sabedoria que carrego, o caminho e trajetos percorridos para a continua aprendizagem são ainda os traçados de tudo o que foi.

Ass. Sheron