segunda-feira, 24 de julho de 2017

OAB: e pur si muove

Sou extremamente crítico ao modo como são realizados os concursos públicos no Brasil ― atividade que se tornou uma rentável indústria e, como tal, incompatibilizada com a valorização do conhecimento científico. Sem meias palavras, concursos públicos são imbecilizantes, mormente no que tange às provas objetivas. As subjetivas favorecem outras habilidades além da memorização, mas se essas habilidades não tiverem peso relevante na correção, de nada adiantará.

Como demonstra o histórico deste blog, sou amplamente favorável ao exame da Ordem, questionando entretanto o modo de sua execução. Quanto mais se aproxima do estilo concurso público, pior. No entanto, há uma grande diferença entre os concursos, que se esgotam em si mesmos, pois têm uma finalidade específica de selecionar para o provimento de certo número de cargos, e o exame da OAB, que pode ser posto em uma perspectiva temporal. Com efeito, ainda que mude a instituição executora, trata-se da mesma instituição comandando um processo de verificação de proficiência, sem caráter classificatório além do "apto". Com isso, podemos identificar os movimentos que a OAB faz para adequar seu exame a diferentes contextos.

Antes da unificação nacional (2010), já observávamos um fenômeno curioso. Os candidatos consideravam certa disciplina mais fácil e se inscreviam nela para a segunda fase (conhecimentos específicos). O aumento da demanda fazia a OAB reagir e, de repente, aquela disciplina oferecia uma prova complicadíssima. Daí os candidatos em busca de facilidade migravam para a área menos exigente, de acordo com os últimos certames. Com a unificação, nossa instituição ganha maior capacidade para tomar decisões sobre a estrutura da prova e, com isso, implementar uma visão específica de política profissional.

Noticia-se hoje que a OAB surpreendeu candidatos e a indústria concurseira com uma prova de estrutura diferente (veja matéria aqui). Basicamente, suprimiu questões das áreas de ética (deontologia) e direitos humanos, transferindo-as para processo civil, processo penal e direito tributário. Vale dizer, reduziu o campo da formação humanista e aumentou o das disciplinas profissionalizantes, notadamente processo. Sintomático, claro. Faz-me pensar se isso não favorece, em última análise, um profissional mais técnico e menos cidadão. Isso me preocupa, dada a imagem que a profissão de advogado já possui. Segundo a matéria, as questões de ética (na verdade, não é apenas ética, mas normas próprias da atividade advocatícia) estavam voltadas a temas técnicos, tais como sociedade de advogados e mais processo. 

Não tenho como saber se o movimento feito pela OAB indica, realmente, um redesenho na expectativa de perfil profissional ou se foi algo mais imediatista: gerar uma prova mais difícil ou talvez, apenas, surpreender, sinalizando que não adianta buscar zonas de conforto. Certamente, a prova do XXIII Exame de Ordem Unificado, aplicada ontem, mandou um recado para os cursinhos: reinventem-se, porque nós estamos vivos e vamos sempre buscar abordagens diferentes. E vocês nunca saberão quando. A velha estratégia de buscar o acervo de provas já aplicadas para fazer prognósticos sobre o que tem maior propensão de ser cobrado na próxima acaba de ficar mais insegura.

Não sou especialista nesse tipo de avaliação. Esta postagem mais não é do que uma mera opinião, mas acredito que o maior impacto desse tal recado não recai sobre os candidatos. Afinal, estes dispõem de um edital e precisam se preparar para o que vem pela frente. O impacto maior recai sobre a indústria concurseira, que vende um serviço com todo um marketing de suposta eficiência, medida por índices de aprovação, e precisará agir com maior inteligência doravante. Só macete não vai adiantar.

Termino como comecei: provas são imbecilizantes quando enfatizam, sobretudo, a habilidade de memorização, forçada por conteúdos programáticos gigantes que são sondados por meio de provas acríticas, fortemente presas à letra da lei. Ao fim e ao cabo, provas construídas sobre temas instigantes, sobre a realidade da vida ― e não aquela baboseira de Caio, Tício e Mélvio enredados em uma trama rocambolesca ―, que ensejam a tomada de decisão e a assunção de posturas, seguem sendo um caminho mais garantido para a formação de bons profissionais. E de bons cidadãos. 

Nossos alunos precisam pensar de verdade, não apenas reproduzir. Trata-se de uma estratégia tão vetusta quanto eficaz.

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