sábado, 22 de julho de 2017

Um contratempo

Imagine que você é um homem na casa dos 30 anos e está vivendo o seu melhor momento. Seu trabalho lhe rendeu dinheiro, fama internacional e prêmios. Você é casado com uma mulher apaixonada e tem uma filha linda. E para temperar tudo, você tem uma amante, que também é casada e, por isso, está feliz e satisfeita em ser apenas a outra. Ninguém lhe cobra nada; você tem as rédeas de sua excelente vida. Aí um belo dia você acorda em um quarto de hotel, sem que haja uma boa explicação para você estar lá, e sua amante está morta, cercada de muito dinheiro. Com portas e janelas trancadas por dentro, você é o único suspeito, porque teve a oportunidade e o motivo (impedir a exposição). Agora você corre contra o tempo para provar sua inocência mas, para isso, terá que convencer as pessoas de que havia uma terceira pessoa no quarto, tese esta que se mostra contra todas as evidências.

Esta é uma sinopse de Um contratempo (Contratiempo), filme espanhol de 2016 dirigido por Oriol Paulo. Embora o cinema espanhol seja renomado, o filme aqui mencionado é tão fora de circuito que demora um pouco encontrar informações sobre ele na internet. Não se trata de um beneficiado pela mídia da indústria, que incensa quem paga e quem faz porcaria e ignora grandes talentos.

Um contratempo é um suspense muito bem construído. De saída, já proporciona o prazer de sairmos do circuitão estadunidense. Basicamente, temos o protagonista Adrián Doria (Mario Casas) sendo entrevistado por uma célebre advogada criminalista, Virginia Goodman (Ana Wegener), que o prepara para ser interrogado, na condição de suspeito. Ela o exorta a falar a verdade e, após um entrevero, olha-o bem na cara e adverte: "Eu sou mais esperta que você". Enquanto Doria narra os fatos, vemos em flashback o que se deu naqueles dias fatídicos.

A cena do crime sugere uma hipótese muito plausível.
Não se trata, por certo, de nenhuma revolução no gênero. Vemos lá uma interação meio novelesca entre os personagens (mas a vida real costuma nos surpreender com suas pegadinhas), a exploração de um tema recorrente (vingança), permeado por um acréscimo bastante plausível (a perda de confiança nas instituições públicas) e, inclusive, o recurso linguístico de exibir, ao longo da projeção, breves pistas da verdade, que quando finalmente é revelada você consegue identificar. O diretor, por sinal, insere alguns frames explicativos, a fim de facilitar as coisas para os menos astutos, o que pode ser incômodo para alguns, mas não compromete a qualidade da narrativa.

Um cervo no meio da estrada e um rapaz no outro carro:
o drama está só começando
Um contratempo, se não revoluciona, certamente é uma execução muito competente do estilo suspense criminal, com suas reviravoltas e a clara intenção de, ao final, deixar o público de boca aberta exclamando "ooooooooooh!". Mas um espectador atento é capaz, se não de descobrir toda a verdade, ao menos de se aproximar bastante dela (p. ex. quando um certo personagem pede que seja feita uma marcação em um mapa). Isso não impede, porém, de você curtir o desenrolar dos acontecimentos e o cumprimento dos propósitos a que se lançaram dois importantes elementos da trama, que se encerra em um momento em que você pode apenas especular acerca das consequências.

E não é que ela era, mesmo?
Encontrei este filme por acaso navegando pela Netflix. Como muitos fãs do gênero, assim como eu, certamente nunca ouviram falar dele, achei por bem fazer esta recomendação. O filme é entretenimento de qualidade, especialmente por sua capacidade de produzir empatia em relação a alguns personagens, característica que considero uma virtude em obras ficcionais. Aproveite.

Nenhum comentário: