Não compro esse discurso barato de insegurança pública, de onda de crimes e outros que tais com que a imprensa nos bombardeia, em sua faina diária de potencializar dificuldades para que seus clientes vendam as facilidades, sejam esses clientes empresas de alarmes, monitoramento eletrônico, cercas eletrificadas ou blindagem de veículos, sejam eles políticos populistas à cata de um mandato eletivo, para comporem as tais bancadas da bala, em geral compostas por quem não poderia admitir publicamente tudo o que já fizeram em suas trajetórias.
Entretanto, tomei conhecimento também com medo, e não apenas com tristeza, de que ontem um rapaz foi assassinado por fuzilamento dentro de um hospital, em pleno centro da cidade. Bastaria isso para apavorar qualquer um, mas piora quando sabemos que o rapaz estava preso e vigiado por dois policiais militares; que cinco homens encapuzados e armados adentraram uma casa de saúde frequentada todos os dias por um sem número de usuários, de todas as idades, e perpetraram essa barbaridade. Isso nos transmite uma sensação terrível, porque nos mostra como as nossas vidas não valem nada para esses sociopatas. Afinal, basta que você veja algo que não devia para se tornar novo alvo, além do risco de danos colaterais.
Sei que a conversa inevitavelmente cairá na questão de que o alvo era um "bandido", suspeito de participação no homicídio de um policial. Sei que o caso será tratado como justiçamento de vagabundo e, apenas por isso, já ganhará a simpatia e o apoio de uma expressiva parcela da população ― que eu, em meus delírios, de bom grado amarraria dentro de um foguete e despacharia na direção de um buraco negro (para testar se eles levam mesmo a outra dimensão: benefício científico) ou do Sol, para um bom derretimento.
Já soube de casos assim acontecendo em cidades como o Rio de Janeiro. Pessoalmente, desconheço algo do gênero aqui em Belém, em tempos recentes, embora não me surpreenda que o episódio de ontem esteja longe do pioneirismo. A preocupação é que o evento isolado vire tendência, o que seria muito fácil em uma sociedade permissiva e violenta, nos seus modos de agir e em sua capacidade de justificar o horror.
Por tudo, gostaria de deixar uma questão absolutamente esclarecida: eu não gosto de violência. Não a tolero, não a minimizo, não a justifico. E a violência a que me refiro é... qualquer uma! Porque o que se segue a esse tipo de tragédia urbana são novas truculências, como os discursos de legitimação da barbárie e a inacreditável polarização maniqueísta dos "bons" e dos "maus". Se critico a morte de um bandido (será que era? e mesmo que fosse), é porque sou de esquerda, babaca, fora da realidade, mereço ser assassinado e ter as mulheres de minha família estupradas e torturadas, etc. Depois vem o discurso sobre ninguém lamentar as mortes de policiais em serviço. Pois aqui vai o reparo: sim, eu lamento muito as mortes de policiais em serviço, fora dele ou por causa dele, pelo simples fato de que são gente, também.
Estou cansado de ver vidas humanas sendo desperdiçadas todos os dias, aos montes, sem que quase ninguém se importe com isso de verdade. Gente que teve nome, família, amigos, história e, talvez, até sonhos por realizar. E tudo isso se perdeu. Não importa de onde essas pessoas saíram; todas mereciam uma chance de autorrealização e de felicidade. Mas se fomenta uma cultura de ódio e de beligerância, que a alguém beneficia sem dúvida, e que vai apagando a humanidade e nos transformando em uma grande sociedade distópica de filmes de ficção científica. Um lugar onde ninguém quer viver.
Então qual é a sua? Vai continuar aceitando justificativas ou vai finalmente entender que o objetivo não pode ser vencer uma guerra? Não precisamos de uma guerra. Não vivíamos assim antes. Podemos restaurar ou, o que é mais provável, construir vínculos comunitários. Mas é preciso querer. E, para tanto, é preciso enxergar os outros como iguais.
Quem está disposto?
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Sobre o renovado título da postagem: http://yudicerandol.blogspot.com.br/2015/05/ha-mortes.html
No blog, em 2012: http://yudicerandol.blogspot.com.br/2012/07/violencia-policial.html
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