Já tive a oportunidade de orientar excelentes monografias de conclusão de curso, mas devo dizer que, neste semestre, estou particularmente feliz e orgulhoso. Isto porque me permiti fazer uma escolha de alunos e de temas que viessem mais ao encontro de minhas atuais inclinações acadêmicas. Sempre há uma demanda muito grande por orientação na área penal e, após alguns ajustes, inclusive para atender necessidades conjunturais dos próprios estudantes, terminei com uma equipe de quatro jovens que só me trouxeram alegria.
Para começo de conversa, uma feliz conjuntura interveio: era chegada a hora das monografias de turmas das quais eu podia esperar grandes realizações, a começar do fato de que, neste elenco, figuram duas das minhas monitoras, o que tornava natural que fossem minhas orientandas. Confiante no talento dessas garotas, tivemos uma primeira reunião em que pus as cartas na mesa: o que espero de vocês é que todas façam trabalhos que mereçam a nota dez. O compromisso foi assumido e a missão, meses depois, cumprida. Não por concessão, mas por real merecimento.
A primeira banca foi de Laís Vidigal Maia, que se comprometeu com um assunto que está na ordem do dia, na mídia, no Congresso Nacional, nas redes sociais, trazendo como primeiro mérito a atualidade e a relevância da discussão para a sociedade brasileira. Seu tema foi "A política de redução de danos como alternativa à tendência contemporânea de criminalização das drogas". Segundo anunciado, o Supremo Tribunal Federal deve decidir no próximo semestre se o porte de drogas para consumo pessoal pode ou não ser criminalizado, uma decisão de grande impacto, sem a menor dúvida. E até mesmo o incensado secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, admitiu publicamente que a guerra às drogas é um erro, devendo-se situar o problema no campo da saúde pública e não no da criminalidade.
Se já passou da hora de mudarmos o modelo de reação ao uso e ao tráfico de drogas no país, então precisamos discutir, com serenidade e bom senso, que modelo seria adequado para nós. Laís, concentrando-se mais na questão do uso para consumo pessoal, apresentou os problemas trazidos pela política de criminalização, confrontando-os com modelos adotados em diferentes países, e propondo uma política de redução de danos, que poderia ser implementada logo, enquanto se discute para onde vamos com os aspectos mais delicados do problema.
Na foto, aparecemos com a Profa. Dra. Cristina Lourenço, avaliadora.
Depois veio Emy Hannah Ribeiro Mafra (na foto, à esquerda), que se debruçou sobre um assunto considerado dos mais espinhosos para o direito penal: a aplicação da pena. Digo espinhoso porque entra ano, sai ano, a magistratura continua perpetrando sandices na hora de estipular a pena do réu, seja por meio de erros primários, inadmissíveis, seja pelo descumprimento do dever de fundamentar ou pela permissividade com absurdos juízos de valor. Mas quando o próprio STF resolve considerar como antecedentes criminais alguma coisa que não seja uma condenação penal transitada em julgado, só nos resta abandonar toda esperança.
Emy se concentrou na aplicação da pena-base e, especificamente, na primeira e mais complexa das circunstâncias judiciais. Seu tema foi "O conceito de culpabilidade e sua indefinição na aplicação da pena". Após revisitar o conceito de culpabilidade e analisar sentenças recentes das varas criminais de Belém, apresentou uma proposta de mudança na redação do dispositivo legal que rege a dosimetria. Uma pesquisa muito bem fundamentada.
Na mesma tarde, uma eloquente Tainá Ferreira e Ferreira (na foto, à direita) defendeu o tema "A interferência da mídia nos processos de criminalização: uma análise da atuação da mídia como agência criminalizadora e suas consequências para o direito penal".
A ação da mídia tem interessado a muitos alunos já há algum tempo. O mérito de Tainá foi fugir das abordagens mais comuns e fáceis, concentrando-se nos processos de criminalização, que são altamente influenciados pela mídia e sua obsessão por criar inimigos, em um interminável movimento de legitimação da punição. Para tanto, a aluna buscou fundamentação em referências da própria comunicação, com o que realizou a interseção do campo jurídico com outros saberes.
Fico devendo uma foto com o avaliador de ambas as acadêmicas, Prof. Me. Eduardo Lima Filho.
O fim do ciclo se deu com Vitória de Oliveira Monteiro e sua corajosa monografia "A ilegitimidade da criminalização dos protestos no Brasil: uma análise da repressão criminal nas manifestações de junho de 2013 à luz da criminologia crítica".
Temas como desobediência civil e direito de resistência me são particularmente caros, de modo que Vitória me proporcionou uma grande alegria ao eleger uma questão diretamente relacionada, que defendeu a partir de uma consistente bibliografia, parte dela inédita no universo do Direito, que tem aquela insuportável inclinação a ensimesmar-se. E, no arremate, foi de uma precisão incrível ao responder à arguição da avaliadora, Profa. Dra. Loiane Verbicaro, na foto conosco.
Tenho muito orgulho de incluir esses trabalhos em meu currículo, pela qualidade que apresentam desde a redação e adequação metodológica até o conteúdo, mostrando como o Direito, ciência aplicada que é, precisa abrir-se a outros saberes se quiser ter alguma coerência e efetividade, sob pena de só conseguir resolver as questiúnculas que ele mesmo engendra (prazos, formas, não conflitos sociais), se é que conseguiria ao menos isso. E servem de referência para as próximas gerações de concluintes, que devem escolher seus temas com conhecimento de causa, inclusive com base no estado da arte, para o que o nosso acervo de monografias é uma boa indicação.
Mas tudo isso somente foi possível graças ao talento destas quatro acadêmicas, que fizeram escolhas corretas e cumpriram as exigências próprias da pesquisa acadêmica. Poderiam ter feito diferente? Claro que sim. Poderiam ter feito melhor? Naturalmente, como todo e qualquer trabalho acadêmico sempre pode ser melhor. Mas o que elas nos ofereceram vale muito, muito mesmo, sem qualquer favor.
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