Até compreendo a estranheza que a situação provoca, mas se olharmos pelo aspecto estritamente legal, veremos que não há motivo para o barulho.
Suzane está condenada a 39 anos de reclusão e se encontra presa desde 2002. Em outubro do ano passado, obteve progressão para o regime semiaberto e, com isso, passou a uma situação disciplinar mais flexível, até porque sempre foi considerada presa de ótimo comportamento carcerário. Entre os benefícios de que passou a gozar figura a saída temporária da prisão, sem vigilância direta, admissível todavia o uso de monitoramento eletrônico.
Nos termos da Lei de Execução Penal, a saída temporária se destina a favorecer, ao condenado, "visita à família", "frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução" e "participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social" (art. 122). Trata-se de importante medida relacionada à lógica de castigos e recompensas que instrui a execução penal, como forma de induzir o apenado a manter-se dócil ao programa punitivo estatal, vendido como programa ressocializador.
O art. 123 da LEP condiciona o deferimento do benefício, pelo juiz da execução, à oitiva da administração penitenciária e do Ministério Público, ao bom comportamento carcerário, ao cumprimento de uma fração da pena (um sexto para primários e um quarto para os reincidentes) e à "compatibilidade do benefício com os objetivos da pena".
Além disso, a autorização "será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano" e, salvo hipótese de frequência a estudos, o gozo de cada saída exige um intervalo mínimo de 45 dias (art. 124, caput e § 3º). O juiz também deve estabelecer as condições a serem observadas pelo beneficiário no período, além de fixar a data para reapresentação espontânea.
É da tradição brasileira conceder a saída temporária em datas comemorativas, pois isso permitiria que o apenado estivesse com a família em momentos especiais, de maior congraçamento familiar ou comunitário. É o caso do dia das mães. Portanto, Suzane não saiu da prisão para comemorar o dia das mães, e sim porque o juízo da execução facultou a ela o gozo do benefício nesse momento. Se eu estivesse preso, agarraria qualquer chance de liberdade, mesmo que o juiz me liberasse para ver a final do campeonato de futebol. Talvez eu até visse a porcaria do jogo, de tão satisfeito.
Desde que progrediu para o regime semiaberto, Suzane já gozou da saída temporária uma vez, na páscoa. Saiu e voltou um dia antes do prazo. A imprensa noticiou o assunto, mas sem piadinhas. Até podia fazê-lo, já que páscoa representa renascimento. Agora, faz estardalhaço. Aguardem a repetição da bobagem no dia dos pais. Mas, no final das contas, a questão é bem menos instigante quando olhada pelas lentes da legalidade estrita. Saiu no dia das mães, mas podia ser em qualquer outro momento.
O que há na notícia para nos impressionar? Pois é: nada.
Um comentário:
Amigo Yúdice,
Mais uma vez, obrigado pelo seu esforço de trazer um pouco de esclarecimento a este mar de desinformação.
Não está fácil encontrar algo útil no meio da pilha virtual de lixo que as "notícias" estão se tornando.
Se já não bastasse estar amargando uma semana de "gênios", com pérolas do naipe de "O juiz bloqueou o Whatsapp porque é burro."
Um grande abraço.
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