quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Ativistas diplomáticos

Não se pode recriminar a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais de requerer ao Ministério das Relações Exteriores que sejam fornecidos passaportes diplomáticos a representantes seus, fato divulgado pela imprensa hoje.

Não se pode recriminar, primeiro, porque a associação não mentiu; ao contrário, deixou claro que o seu requerimento é uma reação à recente divulgação de que pastores evangélicos conquistaram tal privilégio. O fato também foi amplamente divulgado e causou reações negativas, creio que posso dizer, em todos os setores da sociedade. Como evangélicos e homossexuais mantêm uma guerra fria (às vezes um confronto aberto) permanente, a ABGLT decidiu firmar a sua posição. Não se trata de espezinhar o adversário, simplesmente, mas de questionar por que o governo agiu com protecionismo ao adversário, mormente no contexto de um Estado laico (aquele conceito que, no Brasil, não significa merda nenhuma).

Outro motivo pelo qual não se pode recriminar a atitude  embora se reconheça nela um factoide, com o objetivo de disseminar um debate e forçar o governo a uma resposta, sem real pretensão de obter os documentos — é que, no regulamento para concessão de passaportes diplomáticos, foi utilizada uma cláusula genérica, que permite esse benefício a quaisquer pessoas que devam tratar dos "interesses do país" no exterior. Se por "interesses do país" podemos entender a promoção dos interesses de certas igrejas — interesses corporativos, em meu entendimento , então a ABGLT também faria jus, porque atua na proteção dos direitos humanos, sendo essa uma causa presente e organizada, segundo alega, em 75 países. A associação mencionou até a existência de sete países em que se aplica pena de morte por crimes relacionados à homossexualidade.

Em suma, a casinha está armada. Um requerimento oficial deve ser respondido e, com os olhos da imprensa em cima, terá que ser, realmente.

É como sempre digo: não há nada, por melhor que seja, que o Brasil não esculhambe. Há não muito tempo, eclodiu um escândalo sobre parentes de políticos, especialmente do ex-presidente Lula, passeando por aí com passaportes diplomáticos, numa demonstração do absurdo patrimonialismo que sempre caracterizou a política brasileira. Como de alto a baixo da sociedade a reação foi de repulsa, os documentos foram recolhidos (segundo consta) e novas regras foram criadas, para fins de moralização. Qual foi o resultado? Os espertos passaram a usar as novas regras para auferir benefícios ilegítimos. E colou, claro.

Só espero que, uma vez mais, a sociedade de posicione de maneira clara e o governo se veja coagido a cassar também esses passaportes, que são outra vergonha. Não me interessa se a igreja A, B, C ou D possui trabalhos humanitários pelo mundo afora, se é que os possui: isto não é um assunto do país. E o governo brasileiro não pode empenhar seu nome nisso, inclusive porque a Constituição veda expressamente.

No mínimo, traz à tona uma situação esdrúxula, que expõe o país ao ridículo internacional.

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