quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Omertà

O vocábulo "omertà", da língua italiana, significa conspiração ou proteção. Tornou-se famoso, entretanto, como designação do código de honra da Máfia, envolvendo tanto o dever de silêncio quanto, sobretudo, o de absoluta ausência de colaboração com investigações criminais. A desobediência a esse código não escrito deve ser punida com a morte. Há desdobramentos, inclusive de fundo ético, mas podemos ficar até aqui.

Motivo de minha atenção? É que todo governo é sempre assacado de acusações de improbidade administrativa, quando não da mais desbragada corrupção, em alguns casos envolvendo supostas organizações criminosas de grande vulto, do qual o esquema notabilizado como "mensalão" seria a versão mais conhecida.

Mas se o governo é assim tão corrupto, na medida em que ele seja sucedido por outro que com ele não esteja alinhado politicamente, seria natural que o novo gestor determinasse rigorosa apuração dos desmandos e crimes. Essa medida seria do seu maior interesse, não apenas ético, mas também no sentido mais pragmático. Um governo corrupto deixa dificuldades para o sucessor: dinheiro faltando, contratos a honrar, responsabilidade civil, demandas sociais, etc. Como não tenho cabeça de político, continuo acreditando que a atitude mais compreensível seria, agora que estou no comando, produzir o maior volume possível de provas contra o bandido que me antecedeu e entregá-las às autoridades competentes: polícia, Ministério Público, tribunais de contas. Não fazer isso, por sinal, poderia constituir crime de prevaricação.

A realidade, contudo, desmente esse raciocínio. Diz-se que Hélio Gueiros mandou retirar até as telhas francesas de um prédio histórico da Almirante Barroso e usou-as para embelezar sua própria residência. E outros episódios de patrimonialismo. Edmilson Rodrigues, contudo, não determinou nenhuma devassa. Como o malsinado Duciomar Costa, que entrou no Palácio Antônio Lemos acusando Edmilson até da extinção dos dinossauros, também não tomou nenhuma providência específica em relação a tantos pretensos descalabros.

Ana Júlia não escarafunchou os 12 anos da era tucana e Simão Jatene, por sua vez, não acertou as contas estaduais com a petista. Ao contrário, convalidou e ampliou o contrato com a suspeitíssima empresa Delta, envolvendo locação de viaturas para a Polícia Militar. Os tucanos consideravam esse um dos mais evidentes atos de malversação do governo petista mas, tão logo retomaram o poder, trataram de melhorar as coisas para a empresa de Fernando Cavendish.

No âmbito em que a bandalheira assume dimensões titânicas, o federal, não é diferente. Fernando Henrique Cardoso não pegou no pé de seus antecessores nem foi incomodado por Lula. Mas o Príncipe FFHH esteve no centro do maior escândalo de corrupção de que se tem notícia neste país: a compra da emenda da reeleição (afirmo isto porque a ordem constitucional brasileira foi modificada para atender a interesses pessoais e partidários, abstraindo o montante de recursos envolvidos porque, obviamente, não se conhece tal informação). Afora isso, houve outros escândalos-satélite, digamos assim.

Quanto à era PT, associada ao "mensalão" mas contendo igualmente outros escândalos-satélite, pouco se pode dizer, já que o governo atual é do mesmo partido e a presidente Dilma Rousseff teve em Lula o seu principal fiador e padrinho político.

Merece destaque, ainda, o fato de que as ações movidas contra ex-gestores resultaram de procedimentos investigatórios originados no Ministério Público ou em outros órgãos de controle externo, estes exercendo funções de rotina, ou ainda devido a denúncias vergastadas pela imprensa, ou, como no caso de Collor, Celso Pitta e do "mensalão", devido a picuinhas familiares ou disputas de poder partidário. Mas não especificamente por decisões tomadas pelos sucessores no cargo. O atual governante pode até prestar informações e fornecer documentos, porque é sua obrigação, sob pena de responsabilidade, mas não me consta que qualquer deles tenha montado um dossiê e encaminhado para apuração, como seria seu dever legal e moral.

Já que a moda é denunciar enquanto se está na oposição, mas depois guardar um silêncio obsequioso em relação ao colega que partiu, o que esperar de Zenaldo Coutinho, em relação ao pior governo municipal que Belém já teve em todos os tempos, sentidos e dimensões? Não se trata de uma valoração pessoal minha. A alegação pode sustentar-se, p. ex., no fato de que os ex-governantes até respondem a ações por improbidade administrativa (e supostamente têm suas razões para demonstrar a própria inocência), como é o caso de Edmilson, Ana Júlia e Jatene, mas nenhum ex-prefeito antes de Duciomar se tornou réu em uma ação criminal por malinagens com dinheiro público. Duciomar fez melhor: tornou-se réu não em uma, mas em duas ações criminais perante a Justiça Federal, em relação a fatos perpetrados logo no começo do primeiro mandato. Rápido ele, não?

Como os tucanos parecem muito empenhados em jogar a sujeira para baixo do tapete, é fundamental lembrar, o tempo inteiro, que foram eles (e o seu partido-mordomo, o DEM) os grandes responsáveis pelo sucesso de Duciomar Costa. Apoiaram-no para senador. Apoiaram-no nas eleições de 2000 contra Edmilson, quando perceberam que o mesmo Zenaldo não dava conta de se eleger nem síndico do prédio. E o apoiaram aguerridamente em 2005, quando finalmente conseguiram elegê-lo, mergulhando Belém na sua fase mais sinistra. Quando se aperceberam do tamanho da m...aldade, adotaram o discurso da traição, da surpresa, e se fizeram de oposição.

Nas últimas eleições, eram oposição ferrenha, claro. Mas tacar pedra em Duciomar é a coisa mais fácil a fazer. O que realmente importa é que, durante tantos anos, seus partidos mantiveram tratativas e tretas, todas funcionando para eles. Não são adversários, não; sabem se dar muito bem.

Ou eu sou muito tolo, ou existe um pacto de silêncio e mútua cooperação entre os gestores. E o atual capítulo dessa triste e inacabável novela não será diferente. Espere para ver.

Nenhum comentário: