Se nenhum imprevisto ocorrer, em menos de um dia minha mãe voltará para casa após mais uma temporada de internação hospitalar. Desde novembro passado, já é a terceira vez, totalizando 34 dias.
A cada nova jornada nessas casas de sofrimento que são os hospitais, alguma coisa nova aprendemos. Por exemplo: minha mãe sofreu um edema agudo de pulmão e precisou instalar um dreno no local. Os dias subsequentes ao procedimento cirúrgico são de muita dor, o que levou o médico a prescrever o medicamento Dimorf (morfina), administrado por via oral. O resultado foram dois dias de vômitos e incapacidade de alimentação. Já muito debilitada, pelas doenças e pelos tratamentos, minha mãe obviamente se fragilizou ainda mais.
A via oral foi substituída pela injetável e o Dimorf foi trocado pelo Tramal, que é mais leve, porém tem o mesmo princípio ativo. As violentas náuseas prosseguiram. Até que apareceu uma farmacêutica e informou que o analgésico deve ser administrado no soro, muito lentamente, ao longo de uma hora e meia. Se adotado esse procedimento, com Dimorf ou Tramal, não haveria enjoo. E... voilà: as náuseas passaram e minha mãe voltou a se alimentar. Muito pouco, que é só o que consegue, mas pelo menos voltou a sustentar no estômago o alimento ingerido. Sem falar que o mal-estar foi eliminado.
O primeiro sentimento diante disso é de alívio, naturalmente. Mas depois bate uma revolta, sabe? Tantos profissionais de saúde, equipes de enfermagem se revezando dia após dia e ninguém sabia que ministrar o analgésico lentamente poderia ser a solução simplória de um problema grave? Ninguém? Será que estamos lidando com uma informação assim tão restrita? Será que minha mãe, em 2015, foi o primeiro ser humano no mundo a enfrentar problema semelhante? Será que a persistência de um quadro desfavorável, ao longo de dois dias, não poderia mobilizar os profissionais a buscar uma solução? A ser mais proativos?
Os sentimentos são muito contraditórios, além de intensos. Este episódio entra na longa lista de perguntas que poderíamos fazer aos responsáveis, no dia do Juízo Final. Mas como não estamos lá, eu me pergunto se vale a pena comprar essa briga. Qual seria a utilidade, agora? Seja como for, eu realmente não estou em condições de pensar nisso por enquanto.
Neste momento, tudo o que quero é tomar minha mãe pelo braço e levá-la para casa. Depois penso no resto.
2 comentários:
Caro amigo
Desejo que tua mãe se recupere logo, com o mínimo de dor possível.
Quanto aos medicamentos, passei por isso ano passado no tratamento do meu irmão. Parece que vimos o mesmo filme. Acho que os médicos trabalham na base da tentativa e erro.
Felizmente vocês encontraram a calibragem ideal.
Abraços e cuide dela. Pense no resto depois. Será melhor.
Kenneth
Meu amigo Kenneth, ainda que contra o senso comum, eu me considero uma pessoa bastante razoável. Sou capaz de compreender a medicina da tentativa e erro, porque o corpo humano é complexo demais. No entanto, penso que deve haver um conjunto de conhecimentos já tornados públicos, que não permitiriam que uma situação assim acontecesse. E se não fosse o caso, ainda deveria existir a preocupação em priorizar o paciente.
Mas, enfim, além das dificuldades impostas pela doença, temos que enfrentar aquelas trazidas pelas pessoas, pelo plano de saúde e por todo um plexo de fatores que não somos capazes de controlar.
A doença torna-se, assim, um exercício de disciplinamento do caráter, a forceps, sem qualquer gentileza. E como é assim, agradeço por estar cercado do carinho de amigos de perto e de longe.
Forte abraço.
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