sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

"Quem teme o tapa não põe a cara na tela"

Na postagem "Pato Donald", de 10 de dezembro último, manifestei meu desagrado em relação a titulares de mandatos executivos que não comparecem à posse de seus sucessores, e portanto se negam ao ato simbólico de passar a faixa, com o que demonstram falta de espírito público e mesquinhez de caráter. Zenaldo Coutinho não quis carregar essa pecha e teve a dignidade de comparecer à posse de Edmilson Rodrigues e de praticar todos os atos previstos no protocolo. Mas ele sabia que haveria um custo e a fatura foi cobrada.

Na primeira sessão, destinada à posse dos vereadores e à eleição da nova mesa diretora da Câmara Municipal, todos estavam amiguinhos, gentis e prestativos. Coube a Fernando Carneiro (PSOL) lembrar, da tribuna, que o prefeito precisa atender os vereadores e não apenas seus apoiadores. Ele classificou a CMB, nos últimos anos, como "subsecretaria do poder executivo" (pense naquele meme do cavalo dando um coice). Ninguém protestou ou respondeu. O mais importante é que a mensagem foi dada. Zenaldo ― ironizado pelo povo como "Zeraldo" ou "Zé Nada" por sua absoluta nulidade como gestor ― pode passar oito anos fazendo nada porque tinha uma bancada de sustentação com 30 vereadores, de um total de 35. Não precisa explicar. Até onde sei, foram as piores legislaturas que Belém já teve.

No momento em que Carneiro discursava, contudo, Zenaldo ainda não estava no plenário. Ele entrou depois, já para a segunda sessão, destinada a dar posse ao prefeito e seu vice. Quando o presidente da casa, Zeca Pirão, decidiu conceder a palavra aos vereadores que não puderam falar na anterior, o clima pesou. O primeiro que assomou à tribuna foi logo dizendo que a periferia de Belém está abandonada. Também manifestou sua "frustração" porque, durante todo o seu mandato, não conseguiu ser atendido pelo prefeito uma vez sequer.

Foi o que bastou para Zenaldo se lembrar de que tinha "uns afazeres" (palavras de Zeca Pirão) e pedir para sair. A transmissão da faixa foi antecipada e se acabou a era Zenaldo Coutinho, com um discurso no qual ele apelou para as muitas crises que o teriam atrapalhado e para as muitas obras que ele afirma ter feito. Reclamou que, no calor das disputas políticas, as pessoas falam palavras que ferem. E assim ele contará a sua versão dos fatos doravante. Esse é o seu legado. Não me parece algo para se orgulhar.

Ainda que Zenaldo tenha saído pela porta da frente, saiu correndo (falo no sentido figurado, mas ainda assim é deselegante e sintomático). Fugir foi bom para ele, pois o vereador seguinte veio com mais força. Chegou classificando o vazante como o pior prefeito da história de Belém, incompetente e habituado a perseguir seus opositores. 

Sob nova direção, o tom dos discursos deixou as amenidades e passou ao enfrentamento da realidade. Isso muito embora Edmilson tenha feito um discurso bastante conciliador e amistoso. Todavia, ele desmentiu Zenaldo em dois aspectos da maior gravidade. Zenaldo disse que realizou plenamente a transição dos governos, apresentando todas as informações e documentos necessários (que supostamente estariam no sítio eletrônico). Edmilson disse que as informações, p. ex. sobre a situação financeira do Município, não foram repassadas. Antes dele, Ivanise Gasparim, que será Secretária de Saneamento, também se queixou de omissão de informações em sua pasta.

O segundo ponto é que Zenaldo afirmou ter deixado 24 milhões de reais de superávit no caixa da Prefeitura, porém Edmilson falou sobre dívidas que somam 200 milhões de reais, para desembolso iminente. Alegou ter ficado "um pouco aliviado" com as informações do antecessor. Está um doce, o rapaz. Mas quem estará com a verdade, afinal?

Infelizmente, a transmissão da CMB (de péssima qualidade, por sinal) foi interrompida. Não pude ver o final do discurso e o que mais ocorreu. Mas tudo bem. Vamos à vida. Em uma coisa todos concordam: Edmilson está lascado, pois tem que reconstruir uma terra arrasada. Boa sorte para ele e, claro, para todos nós.

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Os versos "Quem teme o tapa/ não põe a cara na tela" integram a canção "O hacker", de Zeca Baleiro.

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