segunda-feira, 12 de novembro de 2012

De pai para filho

Quando, em 2005, o desconhecido do público comum Breno Silveira lançou o seu primeiro longametragem como diretor (e não mais assistente), 2 filhos de Francisco  A história de Zezé de Camargo e Luciano, enfrentou a prontidão do brasileiro para esculhambar, menosprezar, ridicularizar. Quieto, ele atravessou com galhardia a bazófia geral e observou como, pouco a pouco, as menções elogiosas foram aparecendo e se impondo. Mesmo quem não aprecia o trabalho da dupla sertaneja, como eu, foi obrigado a admitir que a história de Mirosmar e Welson rendia um bom filme e que o cineasta estreante fez um ótimo trabalho, auxiliado por um elenco em atuações cativantes.
Sete anos depois, Silveira volta à cena, talvez criando uma armadilha para si mesmo, ao investir novamente numa cinebiografia de ícones da música popular brasileira, com forte apelo emocional. Mas desta vez escolheu nomes que os intelectualoides de plantão não ousariam criticar, porque Gonzagão é um dos pilares da música de raiz brasileira e Gonzaguinha, um artista aclamado, cujo talento não deixou mais marcas por força de sua morte inesperada, num acidente automobilístico.
Os atores Adélio Lima e Júlio Andrade encarnam
um dos conflitos entre pai e filho do filme.
Silveira, portanto, retorna mais maduro e driblando as críticas pré-concebidas, num filme que mistura os estilos narrativos ficcional e documentário, para resgatar à memória do brasileiro o rei do baião e seu filho, enredados numa relação tempestuosa em que um homem bronco não soube ser um pai amoroso  porque acreditava que sua maior tarefa, como pai, era ser um provedor material, algo típico da educação da época, por sinal repetida por muita gente até hoje — e o filho, mesmo homem feito, emocionalmente incompleto, cobrava um passado que obviamente não pode ser reposto.
Gonzaga — De pai para filho é um belo filme. Pode-se dizer que Silveira acertou a mão outra vez, ainda que se possa notar, em certas passagens, um jeitinho meio novela da Globo de contar uma história. Houve preocupação em prestar o maior número possível de informações mas, para fazê-lo, foram espremidas em referências tão vagas e difusas que podem passar despercebidas pelo público. As brigas constantes de Gonzaga com a mãe de Gonzaguinha são referidas numa única frase e o ativismo político de Gonzaguinha, em plena ditadura militar, ficou restrita a uma cena que, por seu contexto, poderia ser interpretada como ele sendo um adolescente querendo chocar e não alguém com uma verdadeira convicção.
Pelo menos, a emoção do roteiro surge do fato de que os fatos apresentados são mesmo comoventes; não há uma pieguice declarada na narrativa, como não houve em 2 filhos de Francisco, mérito que deve ser compartilhado com a roteirista Patrícia Andrade, parceira de Silveira em todos os seus longas (inclua na lista Era uma vez..., de 2008, e À beira do caminho, de 2012). Além disso, penso que não faça sentido produzir um filme desse tipo sem usar a emoção como recurso narrativo.
O começo da virada: Gonzaga (Chambinho do Acordeon)
no programa de Ari Barroso, que revelou diversos nomes
de nossa música.
Fiquei aborrecido, porém, ao tomar conhecimento de que Silveira e seus roteiristas estavam tão empenhados em contar a própria estória que alteraram profundamente a história real. Isso é um problema porque não estamos falando de personagens fictícios, e sim de seres humanos reais, cujos descendentes e demais relações continuam aí.
Talvez para tornar o filme mais instigante, decidiu-se explorar uma suposta dúvida de Gonzagão acerca da paternidade. No entanto, uma rápida consulta, à Wikipedia mesmo, é suficiente para mostrar que essa dúvida não existia. Quando conheceu a mãe de Gonzaguinha, Odaléia (Nanda Costa), esta já se encontrava grávida. Ele decidiu registrar a criança como sua para que Léia não fosse mãe solteira. Logo, nada de dúvidas. Além disso, não houve o amor desbragado representado na película: o relacionamento entre os dois foi curto; Gonzaga se casou com Helena antes mesmo de Léia morrer. Acima de tudo, ao vender o filme como uma cinebiografia e não como uma livre criação sobre pessoas reais, você naturalmente induz todos à conclusão de que verão a história real e não foi o que aconteceu.
Se deixarmos isso de lado, nada muda o fato de que o filme é realmente muito bom. Não sou crítico, então não preciso concentrar-me em questões técnicas e outros que tais. O filme é bom porque mexe positivamente com a nossa emoção. E, como disse minha esposa, porque provoca uma vontade arretada de dançar um baiãozinho.

Para entender melhor o filme, leia:

  • http://omelete.uol.com.br/cinema/gonzaga-de-pai-para-filho-critica/ (algo desdenhosa)
  • http://www.adorocinema.com/filmes/filme-202695/criticas-adorocinema/ (mais simpática)

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pela análise. Do ponto de vista histórico-real deixa um pouco a desejar, mas do ponto de vista da obra-filme acerta pela boa locação. Cenário da realidade muito bom, inclusive as cercas usadas no sertão. Vale o destaque da adoção de Gonzaguinha pelos traficantes, quando percebem a ausência da família. Mas esqueceram de retratar o Gonzagão como um tremendo garanhão que era.

Yúdice Andrade disse...

Muita coisa foi suprimida ou narrada de modo muito superficial - p. ex. a questão do tráfico, que você mencionou. Na verdade, o grande destaque é mesmo Gonzagão. A história de Gonzaguinha foi relegada a segundo plano. Decerto que isso envolve dinheiro, em alguma medida. Com mais orçamento, daria para fazer um filme mais longo ou mesmo duas partes. Mas no Brasil isso chega a ser impensável.