quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Um mundo doente

Eu não sei se a Internet piorou as coisas ou se apenas abriu a possibilidade de qualquer um ver que a humanidade vai mal, muito mal, por razões que já teria consigo independentemente das tecnologias de comunicação. Refiro-me ao fato de que, agora, qualquer pessoa pode comentar as notícias publicadas nos portais. De vez em quando, eu me permito ler alguns comentários, mas em geral o resultado é bastante desalentador.

Não interessa o assunto. Quando as pessoas se manifestam, na esmagadora maioria dos casos é para fazer algum comentário cruel (não maldoso, exagerado, provocativo: é cruel, mesmo); é para espezinhar ou humilhar alguém; é para demonstrar o máximo de menosprezo ao semelhante, a total ausência de empatia. As táticas são diversificadas: uso ostensivo dos palavrões mais cabeludos; julgamento de pessoas e situações mesmo sem informações sobre eles; generalizações absurdas; conclusões tiradas sabe-se lá de onde, processadas como verdades indiscutíveis. E por aí vai.

Há também os clichês: se o alvo é uma mulher, ela é vagabunda, puta, piranha ou mal comida; se a matéria versa sobre algum tipo de crime, propõe-se e festeja-se o extermínio e se distorce qualquer ponderação sobre fatores criminógenos diversos da simples vontade do agente; se a matéria envolve política, tudo é PT x PSDB e o adversário sempre é o mais baixo da escala evolutiva; se se fala em dinheiro, transforma-se a coisa numa absurda luta de classes; se o escrito é sobre ciência, aparece logo um religioso e, em instantes, a pancadaria entre os que odeiam a fé e os que odeiam a ciência está feita. Também é comum criticar acidamente atitudes que o crítico provavelmente teria ou fazer exigências que ele provavelmente não cumpriria.

O governo é corrupto, o acusado é obrigatoriamente culpado, o vizinho é um canalha, a explicação sempre é mentirosa, o filme/livro/novela/seriado/peça é sempre um lixo e tudo, por melhor que seja, tem sempre um defeito a ser destacado. Aparecem, como notáveis exceções, matérias que, deliberadamente, destacam alguma boa ação humana, como vi hoje, uma lista de 26 belas ações praticadas em 2012 que ganharam a imprensa. Nesses casos, os comentaristas costumam entrar no clima da reportagem (que destoa do padrão jornalístico cotidiano) e deixam mensagens bonitinhas. Fico até emocionado quando vejo textos com agradecimentos, homenagens, orações e votos de felicidade. São uma minoria constrangedora.

Em um dos livros espíritas que li, sabe lá qual e quando, aprendi que um dos problemas do mundo é que os bons são tímidos, enquanto os maus são audaciosos. Tive inúmeras oportunidades de constatar o quão verdadeira é tal assertiva. Isso pode explicar por que não surgem os lúcidos, os generosos, os conciliadores nessas horas. Eles estão por aí, mas não pretendem remar contra a maré, porque sabem que serão tragados por ela. Devem pensar, também, que os males da Internet se acabam no mundo virtual e, o mais das vezes, não doem nem geram consequências (sim, eu sei que há exceções).

O problema é que a rede é um microcosmo (micro?), um espelho de nossas relações reais. Nela, o sujeito escreve todos os desaforos que têm dentro do coração porque o anonimato e a distância física o protegem. É fácil ser canalha quando se está protegido de toda reação. Na vida real, o sujeito teria medo de respostas, particularmente das que implicassem em socos. E quem faz esse tipo de coisa é essencialmente um covarde. Mas este é o ponto: se o sujeito só não mostra quem é por medo ou conveniência, isso não muda o que ele de fato é. Portanto, na vida real, provavelmente estamos cercados por pessoas que só não nos dizem e fazem o mal porque acham que não podem ou que não vale a pena para elas.

Não é uma perspectiva nada simpática. O pior é que, não sei se por pessimismo deste escriba, não vislumbro a menor chance de esses sentimentos melhorarem.

4 comentários:

Hemetério Júnior disse...

Perfeito professor!!! Sabe aquela sensação, quando você lê um bom livro, de que queria ter escrito aquelas palavras? É como estou me sentindo agora. Concordo bastante com tudo que disse.

Anônimo disse...

Gostei do artigo.
Kenneth

Yúdice Andrade disse...

Já tive essa sensação antes, Hemetério, mas com poemas. Fico honrado em ler tuas palavras.

A aprovação de um psicólogo muito me anima, Kenneth.

Luiza Montenegro Duarte disse...

Compartilho do teu desalento! É realmente deprimente ler comentários em portais.
Até consigo compreender a motivação por trás de comentários raivosos sobre política ou crimes. Nada justifica a virulência, é claro, mas essa parece ser a linguagem padrão da internet, atualmente. Observo, porém, que o discurso é repetido no "mundo real", sem tanto constrangimento.
É nas notícias positivas que toda a inveja e crueldade ficam evidentes. Parece que os comentaristas não suportam o sucesso e a felicidade alheia e sempre depreciam, caluniam ou duvidam do merecimento, da verdade, da duração, etc. Um horror, que normalmente é dito sob anonimato e jamais revelado no convívio pessoal.