quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A brutalidade que não se quer ver

O tema é recorrente aqui no blog por razões óbvias, mas também porque o tempo passa e as pessoas parecem cada vez mais convencidas de que a violência institucional e a falta de racionalidade são caminhos adequados para se trilhar.

Outrossim, dada a minha condição de professor, preciso manter atualizados certos dados, dentre eles este: no Brasil, atualmente, 41% dos presos são provisórios (veja aqui). Isto significa que, se em 2014 a população carcerária nacional ultrapassou os 715 mil indivíduos (dados de junho, segundo o CNJ), mais de 286 mil brasileiros se encontram encarcerados sem julgamento, cumprindo de forma antecipada penas que, talvez, nunca cheguem a ser efetivamente aplicadas. Ou que, mesmo aplicadas, talvez permitissem o regime semiaberto ou até o aberto, ou outros benefícios legais. Na condição de provisórios, os presos vão mofando nas celas, em condição de regime fechado.

Os donos da verdade, com a sua imensurável capacidade de falar do que não sabem, dão de ombros para essa realidade porque, em suas geniais cabecinhas, quem está preso é bandido, então merece todos os piores sofrimentos. Mas como bem demonstra a reportagem que embasa esta postagem, muita gente está presa por barbeiragens atrozes do sistema de justiça criminal. Exatamente como acontecia na Idade Média, quando bastava dizer "aquela ali é bruxa" e a coitada acabava presa e torturada para confessar sabe-se lá o quê, também hoje basta um reconhecimento fuleiro, fora das exigências legais, e qualquer um pode parar na cadeia, aguardando a boa vontade das autoridades de checar a veracidade da acusação.

Ainda a mesma reportagem permite que vejamos outro fenômeno sempre denunciado pelos criminólogos: a retroalimentação do sistema, que funciona na base das profecias autorrealizadas. O rapaz apontado na matéria foi preso injustamente, a partir de um reconhecimento feito por meio de fotografias que a polícia possuía por ele ter sido preso antes... também injustamente! Ou seja, o sistema funciona para aniquilar o cidadão, mas não para protegê-lo: já está provada a inocência do rapaz, mas ele continua no polo passivo de um processo criminal. Deveria ser liberado automaticamente, mas isso nunca acontece. E enquanto espera, os prejuízos vão-se acumulando.

Daí o sujeito abre a boca e diz a palavra "garantismo" com desprezo. Juro por Deus, eu realmente queria que essas coisas acontecessem com quem pensa assim. Não estou desejando o mal de ninguém, não: seria apenas uma medida pedagógica. Não são eles que gostam tanto de ensinar os outros?

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