quinta-feira, 4 de junho de 2015

Até onde a burrice é uma escolha?

Esta é uma pergunta que me faço cotidianamente. E voltei a ela quando li matéria sobre a soltura dos dois rapazes inicialmente presos pelo latrocínio em que foi vítima o estudante Lucas Silva da Costa, no último dia 23 de maio.

Embora exígua, a matéria do Diário do Pará afirma que o delegado responsável pelo inquérito policial decidiu indiciar, tão somente, um taxista (já identificado) acusado de ajudar dois adolescentes, que seriam os verdadeiros autores do delito. Se a autoridade policial não encontrou elementos para formalizar uma acusação contra os dois suspeitos iniciais, nada mais correta a decisão do juiz da 1ª Vara de Inquéritos Policiais e Medidas Cautelares, mandando liberá-los.

Mas os psicopatas que comentam notícias na internet não perdoaram, é claro. Felizmente, até aparece uma ou outra manifestação lúcida, contudo prevalece a sandice. Fala-se em impunidade, que os dois rapazes foram para casa "brincar", que são "parasitas", apela-se a um tal "total descrédito no judiciário" e por aí vai. Recusei-me a prosseguir nessa leitura doentia.

Somente a mais tosca burrice ou a mais convicta má-fé para explicar como alguém pode pinçar os aspectos mais secundários da questão e enxergar apenas o que quer, mesmo diante de fatos concretos.

Minha mente, que tenta ser racional, insiste que, mesmo que eu defendesse a punição a todo custo, ela somente poderia ser aplicada em relação a quem fosse o verdadeiro culpado. Não me interessa pegar qualquer um, até porque quando se consomem os recursos estatais com o acusado errado, o verdadeiro criminoso está livre e... impune! Será tão difícil perceber isso?

Eu sei que várias pessoas que estavam no ônibus assaltado reconheceram os dois rapazes como os autores do crime. Mas somos obrigados a nos perguntar: será que elas estavam em condições emocionais de depor e de fazer o tal reconhecimento? Hoje em dia, um dos bons usos que se pode fazer da Psicologia em favor do Direito está no campo das falsas memórias. Ao se apresentar uma pessoa a uma vítima, dizendo que aquele é o criminoso, é possível que essa vítima o reconheça de fato, em uma inconsciente manifestação do seu desejo de encontrar alívio para o mal sofrido. A testemunha não está mentindo: seu cérebro, em tumulto, está buscando mecanismos para mitigar o estresse. Então ela acredita no que diz e, mesmo assim, pode estar errada.

Para citar um caso que ganhou repercussão nacional, Vinícius Romão de Souza, na época com 26 anos, foi preso sob acusação de assalto, em fevereiro de 2014. A vítima o reconheceu. Mas aí veio à tona que aquele rapaz (negro, bem a propósito) era ator da Globo, a família se mobilizou, a imprensa deu atenção e... a vítima passou a dizer que não podia mais reconhecê-lo. O reconhecimento formal, ainda que hesitante, deu-se logo depois do crime, no calor dos acontecimentos. E não se sustentou mais tarde.

Perceber isso não implica em ser indiferente ao sofrimento de ninguém, em ser a favor do crime, em desejar a barbárie. Entretanto, é cada vez mais difícil à população em geral percebê-lo.

Tudo isso mostra o quão grave é o processo penal. A partir do momento em que você é acusado, cai em desgraça, não importa que seja inocente. E nestes tempos de internet, a perda de credibilidade é imediata e irreversível. Foi preso, é um parasita. Mesmo que inocente. Aliás, sua inocência não será percebida, mesmo que declarada por um juiz. Afinal, os juízes são todos moleques irresponsáveis, de acordo com esse admirável mundo novo alimentado na internet.

A cada dia que passa, é um pouco mais difícil e sofrido ter algum bom senso neste mundo.

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