domingo, 9 de agosto de 2015

O primeiro dia dos pais

O título desta postagem provavelmente causaria estranheza a alguém ciente de que sou um homem de 40 anos, cujo pai vive e que tem uma filha de 7. Portanto, a matemática não bate. Como assim, primeiro dia dos pais?

O fato é que meu pai saiu de casa quando eu mal completara 3 anos de idade. E escolheu fazê-lo justamente no dia dos pais daquele ano de 1978. Cruel? Pois saiba que ele tomou uma decisão pior ainda: decidiu se separar não apenas da mulher, mas dos filhos também. Por incrível que pareça, muitos homens fazem isso, como pude constatar quando me tornei advogado. Durante meses, sequer soubemos do seu paradeiro e só conseguíamos algum contato indiretamente, através de minha avó paterna. Durante anos, ele se esforçou por não manter relações conosco, para estar livre em sua nova vida.

Em 1986, meu avô paterno teve um ataque cardíaco e morreu. Recordo-me de minha mãe tentando fazer meu pai ficar perto de mim (ou de nós; não me lembro da presença de meu irmão) durante o velório, mas ele me (nos) repelia. O fato é que o tempo passou e, suponho, a paternidade começou a ser ressignificada em seu coração. Aí ele ensaiou uma reaproximação, que não deu muito certo. Eu e meu irmão não estávamos disponíveis. Uma trajetória de vida como essa não acontece sem deixar muitos e graves danos.

O tempo seguiu seu curso e meu pai participou ocasionalmente de alguns momentos de nossas vidas, p. ex. de parte dos eventos de nossas formaturas. Não era uma pessoa presente, como se imagina que seria alguém da família. Sintomático que, por ocasião do meu casamento, ele estava junto a mim durante a cerimônia civil, quando a juíza - uma amiga muito querida - se referiu "aos pais" de Polyana e "à mãe" do Yúdice. Ela não sabia que eu tinha pai vivo e que ele estava lá! Anos antes, um colega de faculdade me perguntara se eu tinha pai, pois eu falava da família, mas nunca do meu pai.

Quando soubemos que Polyana estava grávida, eu telefonei para ele e contei que seria avô. Não fui a sua casa, todavia. Permiti que fosse avô de Júlia e foi uma escolha pessoal dele ser um avô distante, que aparece muito de vez em quando, geralmente em ocasiões festivas. Decidi que não o privaria de seus direitos.

E após vários anos telefonando em seu aniversário, mas nunca no dia dos pais, hoje ele veio almoçar conosco, em minha casa. A iniciativa foi de meu irmão, um sujeito bem mais espiritualizado do que eu. Alguém que se esforça mais por ser uma pessoa melhor. Nosso pai hesitou e precisou de um tempo para aceitar o convite. Mas aceitou, veio e disse que hoje foi "o dia mais feliz de sua vida", por estar conosco. Meu irmão, em resposta, deixou bastante clara a relevância do acontecimento. E eu estava ali, achando tudo muito estranho. Eu ainda preciso de um tempo. Cada pessoa tem o seu. Não consigo esquecer que tudo poderia ter sido mais fácil e não custava nada tentar.

Hoje, sem dúvida, foi um dia de aproximação, mas toldado pelo contexto da doença de nossa mãe, que nos ameaça com sua ausência. Não fazemos escolhas tranquilas, suponho; estamos vivendo no limite e as emoções extremas estão nos conduzindo. E com família não se brinca. Há quem diga e até tente acreditar que não se importa, mas a força das relações familiares é única. O que acontece e o que não acontece deixam marcas profundas. As nossas estão aqui, à flor da pele.

O que acontecerá amanhã não sabemos. Mas que hoje foi um dia importante, sem dúvida foi. Um dia inédito: o primeiro dia dos pais que me lembro de ter passado com o meu, celebrando a ocasião. Espero que isso nos ajude a sermos pessoas melhores e mais felizes no futuro que vem chegando.

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