sexta-feira, 14 de abril de 2017

Fragmentado ― Relaxe: isto não é uma crítica

Sinopse: Três adolescentes são sequestradas por um homem que não deixa claras as suas intenções. No cativeiro, elas descobrem que ele se comporta como se fosse várias pessoas no mesmo corpo. Paralelamente, vemos esse homem interagindo com sua psiquiatra, que conversa abertamente com ele sobre seu diagnóstico de transtorno dissociativo de identidade (TDI), antigamente chamado de transtorno de personalidades múltiplas. Ele tem 23 personalidades, sendo que uma 24ª está a caminho, só que esta é extremamente perigosa.

Houve ocasiões em que, ao terminar de assistir a uma obra, fiquei indeciso sobre ter gostado dela ou não. Percebi que isso ocorre quando algo em mim quer gostar da experiência, mas o sentimento de aceitação não brotou espontaneamente, então vou atrás de informações que reforcem a minha receptividade. O exemplo mais contundente ocorreu com o polêmico final da série Lost, que abandonou o viés científico que tanto me interessava por uma jornada de evolução espiritual. Após debater com as pessoas certas, cheguei à conclusão de que Lost era uma joia, embora bem diferente do que pensava anteriormente.

Após ver Fragmentado (Split, dir. M. Night Shyamalan, 2016) ontem, fiquei nesse limbo a ponto de acordar pensando no filme e nesta inquietação. Então me dei ao trabalho de encarar 10 críticas e mais uma pequena matéria sobre um final alternativo para refletir melhor.


De outras vezes que comentei filmes aqui no blog, deixei claro que nem de longe tento ser um crítico de cinema ― primeiro por causa de minha absoluta ignorância quanto aos conhecimentos necessários para fazer uma crítica, mas também porque, em minha modesta opinião, críticos são sujeitos frustrados que tentam se promover a partir do trabalho alheio, desvelando menos conhecimento do que suas próprias idiossincrasias. Sem falar naquela mania odiosa de escrever termos técnicos que não são explicados, para o leitor comum se sentir burro. Então faço o que os críticos deveriam fazer: emitir apenas uma opinião. Dizer porque eu gostei ou não, sem que isso implique que você deva gostar ou não.


De um modo geral, Fragmentado é um filme muito competente. Sim, eu sei que "competente" é um elogio burocrático. Isso é decorrência do fato de que minha relação com ele não foi emocional, culpa do histórico irregular de seu realizador. Pelo que li, Shyamalan possui uma quadra de sucessos  composta por O sexto sentido (1999), Corpo fechado (2000), Sinais (2002) e A vila (2004) ―, seguida por um retorno às origens discreto, com A visita (2015), culminando com o êxito atual. Mas essa lista também é controversa. Muita gente criticou a jornada de fé de Sinais e é mais fácil encontrar opositores do que fãs de A vila. Pessoalmente, detesto Corpo fechado, por sua proposta de gibi de super-heroi. O máximo que podemos generalizar é que o cineasta jamais repetiu o triunfo de O sexto sentido.

Vi o filme com muito interesse do princípio ao fim, mas não fiquei "colado na cadeira", não sustive a respiração, não me senti "preso juntamente com as reféns", meu ritmo cardíaco não se alterou nem levei qualquer susto. Mas isso pode ser culpa de minha frieza pessoal. O roteiro é bom, mas não excelente. Fragmentado é, por isso, um filme de atores. O que o torna tão especial é a atuação maravilhosa de James McAvoy, reconhecido como um dos grandes expoentes de sua geração.


McAvoy faz um belíssimo trabalho, alternando personalidades que você pode diferenciar pelo olhar e pela linguagem corporal, mais do que pelo texto. Há uma cena em que ele migra de Hedwig, um menino de 9 anos, para o perigoso Mr. Dennis sem o recurso da troca de roupa. A atitude muda drasticamente, mas um espectador mediano não se surpreende, porque o fato era esperado, diante do grande estresse envolvido. Algo meio Bruce Banner que, uma vez pressionado, vira Hulk. Nada que diminua o excelente trabalho corporal do ator. Chamou minha atenção o detalhe de que, mesmo com variações de entonação, a voz do ator não muda, tornando mais realista o fato de que, no final das contas, é a mesma pessoa, o mesmo corpo físico sendo disputado pelas diferentes personalidades.


O outro destaque cênico vai para Anya Taylor-Joy. Quando o filme começa, a primeira coisa em que reparamos é em seu rosto ao mesmo tempo estranho e adorável. Ela está em um aniversário, mas deslocada como no restante de sua vida (aos poucos entenderemos o motivo, que acaba por ser determinante para o modo como as coisas terminam). Inevitável acompanhar os seus movimentos. Com 5 minutos de projeção, vemos o momento em que ela se dá conta de algo terrível está prestes a acontecer e sua reação ― contida, planejada, silenciosa ― é totalmente convincente, sobretudo quando lágrimas sinceras começam a escorrer. Quando finalmente me dei conta de que se trata da mesma atriz que protagonizou o maravilhoso A bruxa, compreendi por que essa menina de 20 anos é a nova sensação de Hollywood.

Ao fim e ao cabo, o que mais me incomodou foi o fato de que toda a publicidade do filme se baseia na premissa de que o protagonista Kevin Crumb tem 23 personalidades distintas, sendo que uma 24ª, extremamente perigosa, está a caminho. Isso gera uma expectativa inevitável no público, que não será atendida, pois somente 6 dessas personalidades serão exploradas: Barry, Dennis, Patricia, Hedwig, a Besta e o próprio Kevin (em uma única cena, brevíssima). Nos créditos finais, bem a propósito, o nome de McAvoy aparece relacionado a esses poucos. Em uma sequência final, na qual ele alterna suas identidades, aparece mais um ou outro, sem que isso modifique esta percepção.


Obviamente, o roteiro não poderia explorar 23 identidades em uma projeção de 117 minutos e, se ela fosse aumentada, seria apenas um encher linguiça. Isso seria uma ridícula comprovação da premissa e tornaria a trama fragmentada em um sentido bastante desfavorável. Esse tipo de didatismo destruiria a finalidade narrativa. Não critico a decisão de limitação do cineasta, apenas indico que, certamente, muitas pessoas, e eu mesmo, ficarão frustradas por não terem visto um pouco mais desse fenômeno psicológico controverso que é o transtorno dissociativo de identidade ― lastro científico que o roteiro superdimensiona e fantasia, aborrecendo aqueles chatos que acham que um filme de ficção tem compromisso com a realidade. Algumas pessoas precisam compreender a diferença entre ficção e documentário.

Em síntese, o filme é muito bom. Vale a pena assistir.

Um comentário:

Anônimo disse...

Rubens Ewald Filho que se cuide!!!!!

Kenneth