sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Somos piores que os ruins

Há situações que me provocam tristeza e desânimo quanto aos rumos de nosso país, p. ex. na área penal, com a qual me ocupo profissionalmente. Veja-se o caso, do qual acabei de tomar conhecimento, do americano que estava condenado à morte por homicídio e que teve a sentença condenatória parcialmente revogada, para eliminar a pena capital. O motivo é que a juíza do caso descobriu que o criminoso fora sexualmente abusado pela vítima ao longo de 5 anos, informação da maior importância e que, no entanto, fora omitida no julgamento. A juíza acredita em má fé da promotoria.
O país democrático mais punitivista do mundo possui um sistema que permite ao judiciário rever espontaneamente uma sentença já publicada, mudando-a de forma substancial, para atender ao que me parece ser um critério de justiça (esta percepção é minha, não da juíza, sequer da reportagem). No Brasil, caso a sentença estivesse transitada em julgado, o condenado poderia lançar mão de uma revisão criminal, que seria o remédio processual adequado. Mas posso dizer que o judiciário não costuma ser muito receptivo a revisões criminais. E de modo algum uma sentença definitiva poderia ser revista espontaneamente, mesmo que se descobrisse um absurdo. Já houve caso, no Brasil, de se descobrir que o réu fora incorretamente condenado devido a ter o mesmo nome do verdadeiro criminoso. E nem assim conseguiu sair da prisão, senão após inúmeras formalidades jurídicas.
Uma vez condenado, a regra de não precisar provar a própria inocência é sumariamente ignorada.
O que me causa desânimo é que tudo neste país - legislação, judiciário, polícia, burocracia em geral, imprensa - parece convergir para tornar a vida do cidadão tão difícil quanto possível; de preferência, insuportável. Vida, liberdade, dignidade valem muito pouco por aqui. E a esmagadora maioria da população parece bastante à vontade com isso. Até o dia, claro, em que o calo aperta no nosso próprio pé.
Mas aí já é tarde demais.

2 comentários:

caio disse...

Uma coisa que não pude deixar de notar, ao ler a reportagem... o cara tá no corredor da morte desde 1984???

Fico imaginando se existisse no Brasil. Se a execução da sentença também demoraria tanto... ou se, justamente neste caso, pelo clamor popular, seria rápido e sem dor.

(desculpe meus trocadilhos infames, mas foram mais fortes que eu)

Yúdice Andrade disse...

Caio, não consigo entender a lógica de um sistema apoiado na pena de morte, mas é curioso como ele consegue ser incoerente em todos os aspectos. Veja: a execução da pena capital demora anos e anos, em média. Havendo recursos e pedidos de clemência, não é surpreendente que se alcance os 20 anos que você mencionou. Daí eu pergunto: de que adianta executar essa pena?
Quaisquer que sejam os fins da pena que se considere, eles acabam eliminados desse jeito. Mesmo a retribuição - que esgota o sentido da pena de morte - se perde, porque as pessoas sabem que o réu foi condenado e está preso, mas a pena em si não foi aplicada. Isso me sugere que a prisão bastaria.
Quando finalmente a execução ocorre, já se passou tanto tempo que o clamor social pode ter desaparecido; a vítima e seus familiares podem ter superado, mudado de cidade, morrido, um monte de coisas. A execução, assim, acaba subsistindo como um ato simbólico de caráter geral, servindo para impressionar a toda a sociedade (independentemente de seus destinatários diretos) em relação a um crime abstratamente considerado, e não necessariamente um fato específico.
É muito louco isso.