Estreou no Brasil na última sexta-feira (15) a nova série dramática do canal Max, The Knick, dirigida pelo respeitado cineasta Steven Soderbergh, que se tornou famoso com o filme Sexo, mentiras e videotape (1989) e traz em seu currículo títulos como Erin Brockovich (2000), Onze homens e um segredo (2001) e seus desobramentos (2004 e 2007), os dois filmes da cinebiografia de Che Guevara com Benício Del Toro no papel-título (2008) e Magic Mike (2012), além, obviamente, de Traffic (2000), pelo qual ganhou o Oscar de melhor direção.
O seriado também tem como chamariz o ator Clive Owen como protagonista, desta feita interpretando John Thackery, médico que assume o posto de cirurgião-chefe do Hospital Knickerbocker (vulgo "The Knick") após o suicídio de seu mentor, arrasado com uma sucessão de perdas de pacientes.
É preciso entender: a trama se passa na Nova Iorque de 1900, uma cidade sem os padrões de higiene que somente se disseminaram nas décadas seguintes e, por isso mesmo, um cenário fétido e repleto de doenças. Pode nos parecer muito estranho, mas naqueles tempos muitos médicos não apenas desconheciam como outros tantos resistiam à ideia de que organismos invisíveis pudessem causar doenças e matar pessoas, por isso lavar as mãos e trocar diariamente os curativos de doentes eram práticas pouco empregadas.
Mas a equipe do Knick se orgulha de sua modernidade. Thackery aprendeu com seu mentor a ser audacioso e seus esforços incluem testar técnicas inéditas, capazes de aterrorizar qualquer médico tradicional. E existe, entre aqueles profissionais, uma preocupação sincera com o bem-estar dos pacientes. Médicos e enfermeiros são muito conscientes de suas limitações e discutem qualquer coisa na frente dos pacientes, inclusive admitindo seus erros. Ficou-me a impressão de que ter acesso à saúde era tão difícil que as pessoas aceitavam de bom grado até o erro médico fatal, desde que tivessem uma chance de sobreviver. A alternativa seria morrer sofrendo.
O Knick é também um hospital-escola, de modo que as cirurgias são feitas diante de uma plateia, recurso interessante que permite ao telespectador entender o que está sendo feito e, consequentemente, o tamanho da ousadia de homens como Thackery, cuja sofisticação chegava ao ponto de manufaturar pessoalmente instrumentos cirúrgicos nunca antes vistos. Sem os benefícios das simulações em computador, restava ao próprio homem que segura o bisturi saber qual tipo de instrumento seria necessário para cada procedimento, dar um jeito de construí-lo e constatar, na prática, se dava certo ou não.
Se a descrição acima lhe passou uma perspectiva heroica e valorosa, saiba que nem tudo são flores em The Knick. Muito pelo contrário. Comecemos pelo protagonista, que é viciado em cocaína a tal ponto que injeta a droga entre os dedos dos pés, porque seus braços não suportam mais as agulhas. Quando nem os pés aguentam, vai na... artéria da uretra!!! Além disso, há uma imensa rede de corrupção em volta dos serviços de saúde. Pelo que entendi, os serviços de ambulância ganhavam por paciente e, assim, disputavam a bastão de beisebol quem transportaria o infeliz, além de extorquir os hospitais com argumentos como "você pode receber todos esses pacientes ou nenhum deles".
Mas a trama que vai movimentar a série é outra: o segundo personagem é Algernon Edwards (André Holland), um cirurgião com um impressionante currículo adquirido na Europa, imposto pelos ricos mantenedores do hospital. Mas o detalhe é que o rapaz é negro e, se de um lado certos pacientes não querem sequer ser tocados por ele, de outro o próprio Thackery o menospreza publicamente e declara não estar disposto a encampar uma questão racial em sua equipe. Como diz a Cornelia Robertson, assistente social filha do magnata que paga as contas por ali, o hospital não é um "experimento social". O arco dramático está lançado.
O primeiro episódio, único exibido até o momento, já mostrou a que veio, inclusive pelas cenas de cirurgia, mais explícitas do que o habitual. Para os fru-frus, pode ser incômodo ver. Eu fiquei impassível. Mas uma coisa é certa: vale muito a pena. Ao todo, serão dez episódios e a série já estreou renovada para a segunda temporada. Deguste.
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