segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A dor que quebra

Em Colatina, Município do Espírito Santo, a notícia da morte de sua filha, de apenas 3 meses, fez um homem invadir o hospital onde a criança teria sido mal atendida e, descontrolado, quebrar o que pode antes de ser contido por policiais militares.
Tenho observado como, há tempos, as pessoas desenvolveram uma relação conflituosa com os profissionais de saúde, médicos sobretudo. Há muita desconfiança, beligerância e espírito de vindita. O resultado são acusações infundadas, persecuções criminais às vezes implacáveis e margem a uma indústria de indenizações, fomentada por advogados inescrupulosos. Mas os médicos dão motivo para isso. Tratando-nos como gado com uma frequência constrangedora, colocando todo e qualquer interesse ou conveniência pessoal acima das nossas necessidades, fica fácil criar esse sentimento de guerra declarada. Não surpreende, portanto, que pessoas reajam como o cidadão deste lamentável drama.
Provavelmente, eu não faria o que ele fez, mas por uma questão de temperamento próprio. É apenas uma especulação, porque a verdade é que ninguém sabe como reagiria numa situação real. Mas não recrimino esse pai. E provavelmente ninguém recriminaria. Já vi situações em que policiais militares, chamados a atender ocorrências, agem com inesperada condescendência, decerto por considerar os motivos da ação ou até mesmo por causa de empatia. Quem é pai, inevitavelmente, se perguntaria numa situação dessas: e se fosse minha filha?
E assim temos um exemplo da razão pela qual foi concebido o tribunal do júri (é apenas uma comparação: este não é um caso relacionado a júri). Um juiz de carreira provavelmente condenaria o homem, pelo crime de dano ao patrimônio público, a partir de uma decisão dogmaticamente correta. Mas um jurado provavelmente não.
Você condenaria?

3 comentários:

Anônimo disse...

Não vejo o júri com bons olhos. Apesar de ser entusiasta da participação democrática, acho que o dever de julgar é essencialmente técnico, e como tal, deve ser exercido por quem tenha conhecimento técnico para tal: o juiz.

O tribunal do júri abre espaço para advogado "pegar santo", promotor mexer com o emocional das pessoas, uso de argumentos religiosos. Enfim, praticamente um teatro onde o que vale é mais a emoção do que a razão.

Nesse caso específico, acho que caberia uma excludente de culpabilidade, posto que agir sob fortíssima emoção e causar apenas danos patrimoniais pequenos poderia - minha opinião - extinguir a noção da lesividade da conduta.

A questão é preparar melhor nossos juízes pra eles aprenderem a sair da literalidade da lei e ter uma ótica social mais apurada.

Anônimo disse...

Com certeza condenaria. Não o pai ultrajado, e sim os médicos. Os condenaria pela omissão, pelo descaso, pela safadeza.

O serviço público de saúde está essa porcaria porque os médicos não estão nos hospitais quando deveriam, assinam o ponto e vão para suas clínicas e hospitais particulares, deixando estagiárias a injetarem café com leite na veia de pacientes.

Arrumar a saúde pública é facílimo : horário integral, dedicação exclusiva e salários dignos.

De qualquer maneira, é pura balela esse papo de que médicos ganham mal. Não ganham. É mentira. Não há médico da rede pública que ganhe menos do que R$ 6 - 8 mil reais. Não há. E isso para no máximo 20 horas de serviço, carga horária que nunca é cumprida.

Vejam os médicos dos planos de saúde. Ganham em torno de R$ 40,00 a consulta, que dura não mais do que 15 minutos. Se ele atender a 4 pacientes por hora, trabalhando apenas 4 horas diárias, arrecadará R$ 12.800,00 em 20 dias úteis de trabalho. É pouco? Claro que não é.

E a esse valor somem-se os "procedimentos clínicos" que quase sempre estão presentes, como aplicação disso ou daquilo, uma endoscopia , uma eletro, uma chapa, etc, etc.

Portanto, o péssimo atendimento nos hospitais poderia ser evitado. Basta alguém com coragem para enfrentar essa máfia de branco.

Kenneth Fleming

Yúdice Andrade disse...

Das 13h22, você utiliza argumentos conhecidos entre os que rejeitam a instituição do júri. São pertinentes, decerto. Mas, de minha parte, não sou totalmente contrário. O que considero essencial é um júri qualificado, mas isso exigiria um maior nível de educação do povo brasileiro em geral, portanto não seria nada fácil conseguir.
No mais, o argumento - técnico - de exclusão da culpabilidade é pertinente. Chamo a atenção, apenas, que juízes de carreira tendem a ser herméticos e a olhar os processos como demandas meramente jurídicas, o que compromete bastante a qualidade - e a humanidade - da prestação jurisdicional.

Kenneth, tenho minhas reservas quanto aos bons salários dos médicos. Não se pode negar que é uma categoria muito espoliada por empregadores e planos de saúde - além do governo, que tributa de forma extorsiva quem trabalha.
Mas independentemente disso, creio que a questão resida principalmente no modo como se encara o trabalho. O exercício da Medicina, ao tempo em que se especializou, mercantilizou-se também e isso traz prejuízos a todos nós.