quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Medidas para reduzir as prisões

Em artigo no qual destaca a sua experiência pessoal, o promotor de justiça em Minas Gerais André Luís Melo confirma, na realidade brasileira, fenômenos descritos por Eugenio Raúl Zaffaroni, grande expoente do Direito Penal da atualidade:
  • A maioria das prisões se dá devido ao que o mestre argentino chama de criminalidade tosca: crimes praticados por pessoas cujos recursos intelectuais e materiais são tão limitados que só lhes resta cometer ações grosseiras. Estes crimes chamam mais a atenção e despertam maior repulsa social, embora em geral não se considere a sua real gravidade. Ao mesmo tempo, são mais fáceis de demonstrar, ensejando a eficácia da persecução criminal sobre os desfavorecidos de todo gênero.
  • A falta de investimentos inviabiliza a investigação criminal, provocando elevados índices de crimes não apurados. A percepção quanto à incapacidade do sistema em garantir proteção e em solucionar os ilícitos desestimula os cidadãos em procurar as autoridades. Tudo isso provoca a cifra oculta da criminalidade e a consequência são índices assustadores de impunidade, que por sua vez é outro fator criminógeno.
  • Como consequência do fator acima, a Polícia Militar  que realiza policiamento ostensivo e portanto está na linha de frente da repressão ao crime  se converte na verdadeira autoridade criminalizadora, pois é quem na prática decide o que vai ou não ser apurado como crime. A Polícia Civil, o Ministério Público e o Poder Judiciário apenas dão seguimento aos casos que foram selecionados pela força ostensiva. Ou seja, vão na onda, mas não têm condições de criar as suas próprias demandas. A consequência é que, neste país, crime é aquilo que a Polícia Militar quer que seja. Assim, a criminalização por estereótipo, por estigmatização e até mesmo como consequência de corrupção policial são constantes.
Fácil perceber como um sistema assim constituído está fadado ao malogro  a menos que, seguindo o pensamento de Michel Foucault, o objetivo seja justamente provocar essas consequências, caso em que o sistema seria altamente bem sucedido.
No artigo, o promotor de justiça faz algumas propostas que, em seu entendimento, reduziriam o número de prisões pela metade. Mas são propostas de mudança legislativa, atingindo os crimes de furto, roubo e tráfico de drogas, basicamente para reduzir a responsabilidade nos casos de menor gravidade. Não me parece que tais medidas teriam o efeito desejado, não apenas por uma questão estatística, mas sobretudo pelos riscos de devaneios interpretativos.
Já está bastante claro que é o real motivo pelo qual há superpopulação carcerária no Brasil (e de resto na América Latina, como destaca Zaffaroni) é o uso abusivo da prisão cautelar, infeliz coalizão entre todas as instituições persecutórias e que hoje conta com grande respaldo da mídia e da opinião pública por esta influenciada. A mudança dessa cultura é o grande desafio e, sozinha, já faria uma mudança extraordinária. Contudo, ela não pode ser implementada com base apenas no gosto dos magistrados, o que poderia gerar grave instabilidade social. São necessárias novas estratégias, tais como o uso de monitoramento eletrônico, a ampliação das penas restritivas de direitos e uma investigação criminal em bases científicas.
Some-se a isso, claro, a mudança na legislação, hoje essencialmente punitivista. Fico, então, com uma sugestão feita pelo articulista: criar condições para que o acusado possa manifestar-se antes do interrogatório, criando a possibilidade de confissão voluntária ou mesmo barganha, reduzindo o número de processos em andamento.
À consideração dos interessados.

Nenhum comentário: