terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Tiro para o alto, sanidade para baixo

É impressionante o despreparo das autoridades em nossa cidade e Estado. A imagem ai ao lado mostra o momento em que um guarda municipal efetua um disparo para o alto, a fim de intimidar um motorista que furou um bloqueio e fugiu. O caso aconteceu neste último final de semana, na nova orla da cidade, consoante reportagem do Jornal Liberal e vídeo disponível no Portal G1.

O disparo foi efetuado em via pública, num logradouro apinhado de gente. Mas os ensandecidos acham que atirar para cima não é um problema porque, talvez, o maior risco seja acertar um urubu. Apartados das aulas de Física, ignoram que tudo que sobe, desce, inclusive projéteis de arma de fogo. Eles sobem, perdem a força, atingem velocidade zero e começam a cair, sofrendo a aceleração da gravidade até atingir o solo, ou um corpo humano, com velocidade suficiente para matar.

Não é só burrice, não: é arrogância também. As autoridades, neste país, não suportam sofrer qualquer tipo de questionamento. São suscetíveis ao extremo. Com tudo se ofendem e em tudo veem desacato. Reagem com ameaças, humilhação, retaliações absurdas e, se têm uma arma na mão, à bala. Se é verdade que o condutor fugitivo quase atropelou os agentes, isto só patenteia ainda mais o sentimento de vindita: agiu contra mim, tenho que puni-lo. Não é legítima defesa nem estrito cumprimento do dever legal: é excesso, puro e simples.

Atirar ao menor movimento é praxe de nossas autoridades. Logo no começo deste ano, um amigo entrou numa farmácia, aqui em Belém, quando ela foi tomada de assalto. Um policial à paisana decidiu trocar tiros com dois assaltantes armados. E tome tiro com um monte de inocentes pelo meio. E esse policial, provavelmente, deve se achar um heroi, porque arriscou a vida. Arriscou, sim, mas não com inteligência.

Nem vou entrar no mérito de um guarda municipal estar armado. O uso de armas de fogo por guardas municipais, que não são policiais, já gerou muitos e acalorados debates aqui em Belém e não é assunto exatamente pacificado. Mas se nos concentrarmos nas polícias propriamente ditas, a prática de atirar antes e perguntar depois é tradicional, "cultural" e encarada com a maior naturalidade. Inclusive pela população.

Será que ninguém mais considerou esse tiro um absurdo, a reclamar punição? Só eu, mesmo?

5 comentários:

Hudson Andrade disse...

Esse é o sentido daquela expressão "Charuto em boca de trouxa". O parvo não sabe o que fazer com ele e fica chupando feito... Enfim.
A questão é que não se quer aumentar o efetivo policial da cidade. Falta dinheiro pra isso, dizque. Então, como nas comunidades dominadas por traficantes, qualquer um que consegue aguentar o peso da arma recebe uma. O peso físico, é bom dizer, porque o peso da responsabilidade de portá-la é outra coisa bem distante. Com isso as nossas preclaras autoridades enganam os incautos de que a cidade está sob proteção quando, na verdade, temos apenas e tão somente mais assassinos em potencial vagando pelas ruas.
E tem gente que aplaude e defende isso!

Bom, já somos dois a reclamar.

Hemetério Júnior disse...

De acordo com meus poucos conhecimentos de física, a bala deve retornar ao solo com a mesma velocidade de saída. Eu também vi esse absurdo e pensei a mesma coisa. Mas já vi diversos outros episódios na mídia. Os policiais usam disparos para o alto com muita frequencia para debandar multidão de curiosos, como se fossem peões a tocar o gado. Achei interessantíssima sua colocação sobre a vaidade de tais autoridades. Vejo sempre, no trabalho, inúmeros processos por desacato onde o autor do fato na verdade só fez uma pergunta em tom de voz mais acalorado. Tais autoridades esquecem que desacato é ofensa à função pública que exercem e o impropério deve estar relacionado à suas funções.

Yúdice Andrade disse...

Quanto ao efetivo policial, Hudson, voltamos à velha questão da política de governos. Aumentar esse efetivo envolve prover cargos públicos e isso custa dinheiro; logo, evita-se fazê-lo. Mas quando a coisa aperta, para dar a famosa satisfação à sociedade, enfiam-se algumas centenas de homens na Academia de Polícia, mas com um detalhe: na última vez, a carga horária do curso foi reduzida à metade, porque o importante era dizer ao povo "o governo colocou mais polícia na rua". Não interessa se esses policiais estavam mesmo preparados para a função. E certamente não estavam.
Acho que ninguém deveria sair para a rua com um uniforme e uma arma na mão sem, ao menos, um ano de preparação séria e intensa. Mas aí vira conto de fadas, não?

É verdade, Hemetério. Esse é o risco, do qual poucos parecem se aperceber. O motivo da postagem foi, justamente, o fato de que, por aqui, atirar parece ser quase sempre a primeira atitude a tomar, como se fosse o protocolo. Daí que se atira em qualquer lugar e em qualquer situação.

Danel Scortegagna disse...

Como ex-militar do exército concordo com cada linha do que se disse. Recentemente estive a serviço da justiça eleitoral em uma escola no bairro de canudos em que houve uma confusão imensa, sendo noticiado pela imprensa mais rala, a dos Barbalho... No dia do segundo turno da eleição, uma manifestação na rua, a-partidária (é assim que se escreve? nem sei mais, mudou tanto), se deslocava e começaram então a bandeirar em frente ao colégio em que eu estava de serviço, falando palavras de ordem não direcionadas a nenhum candidato do pleito, e então, do nada, alguns policiais, muito bem treinados, "chegaram chegando" derrubando bandeiras, batendo nos passantes e fazendo um alvoroço... Como passe de mágica surgiram outras viaturas, acionadas pelos PMs que estavam CAUSANDO o tumulto, sendo que horas antes havia sido feito um pedido para que o policiamento viesse até o local por causa da boca de urna e se esperou uma eternidade para que uma ronda passasse por ali e ficasse 10 minutos... é assim, o corporativismo e a arrogância tem prioridade sobre as necessidades reais da população, enquanto isso a cidade fica a merce de bandidos, fardados ou não. Mais impressionante é que no dia seguinte o Barra Pesada falou que a PM desceu o pau (palavras do apresentador) em um bando de vagabundos que estava fazendo balburdia numa escola eleitoral... pode isso??? Por isso é que os donos do poder se mantem nele, usam de seus meios para desinformar e alienar a população!!! Vergonha!!! No mais, o blog está ótimo, como sempre!!!

Yúdice Andrade disse...

Folgo em saber que uma pessoa qualificada em termos de ações de força também concorda, Daniel. Desconhecia o caso que você narrou, o qual demonstra claramente como funciona a alucinada mentalidade de nossas autoridades. Provavelmente, esses policiais são capazes de jurar perante Deus que fizeram tudo certo, desde o primeiro momento. Valha-nos quem?