quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Cenas de Belém

Na manhã de hoje, enquanto aguardava uma chance de me movimentar no engarrafamento nosso de todo dia, olhei para o lado e vi um casal prestes a degustar o café da manhã. Não sei se era um casal no sentido de relacionamento afetivo; refiro-me, apenas, ao fato de serem um homem e uma mulher (o sentido original e hoje superado da palavra). Pelo que entendi, ele estava preparando um pão para ela, colocando algum tipo de recheio, segundo me pareceu.

Isso seria sumamente desinteressante não fosse pelo detalhe de que os dois estavam em um ponto de ônibus da Av. Júlio César, ao que tudo indica transformado em moradia que, de transitória, deve se tornar permanente enquanto o país for do jeito que é.

Faz tempo que vejo um cidadão instalado no aludido abrigo no horário da noite. O que ainda não percebera é que, de tanto não ter para onde ir, ficou por ali mesmo e arranjou companhia. Talvez a companhia já existisse e eu não soubesse. No local, havia umas sacolas e volumes semelhantes, provavelmente tudo que possuem em suas vidas. Servem para cobrir seus corpos e também de mobília, tanto que estavam sentados em dois desses volumes.

Avistei o pão e o homem usando uma colher para colocar alguma coisa em seu interior. Confesso que estou curioso até agora para saber o que era. Também queria saber como ele conseguiu o pão, como chegou por ali e tantas outras coisas que, no final, ninguém pergunta, já que tais pessoas em geral são invisíveis.

O abrigo é pouco utilizado para o seu fim originário: proteger usuários do transporte coletivo do sol e da chuva. Costumo vê-lo ocupado mais por motociclistas, protegendo-se quando chove. Aí é preciso dividir o espaço com o morador. Ou moradores. Aparentemente, nada chama a atenção de ninguém; tudo é absolutamente normal. E as pessoas da rua vivem assim, dia após dia, sem perspectiva de mudança. Isso me estristece profundamente.

Sei que, agora, sempre vou reparar no ambiente "doméstico". Quem sabe um dia eu pare para tomar um café. Eu levo o café, claro.

Um comentário:

Emy Mafra disse...

E essas cenas se multiplicam pela cidade. É triste. E ao ver essas situações, tento imaginar como reverter isso. E ai que me sinto pequena. Muitas vezes, as coisas aparentemente grandiosas que conquistamos apenas servem para nossa individualidade. E vejo o quanto são mínimas e insignificantes quando não se consegue revertê-las diretamente para mudar o mundo ao nosso redor. E acabamos nos acostumando com isso, achando algo "normal", pelo fato de nos vermos como fracos... Busco ansiosamente o dia em que finalmente conseguirei ver um resultado concreto do que faço hoje, principalmente na vida daqueles que mais precisam e, como o senhor disse, são "invisíveis aos olhos da sociedade".