domingo, 31 de março de 2013

Fragmentos da verdade

Publicitário e ex-preso político Pedro Galvão, paraense, sobre o fato de os militares não terem enfrentado resistências para implantar a ditadura no Brasil:

"Foram apoiados pelas elites pensantes do país, pela classe média e pelo empresariado, com raríssimas exceções. Não podemos esconder a verdade: a imprensa e parte significativa da igreja também apoiaram o golpe."

Excerto de reportagem publicada no Diário do Pará de hoje, sob o título "História passada a limpo". Os destaques são meus.

A manifestação de Galvão não é inédita: quem tem um mínimo de conhecimento histórico sabe que ditaduras se impõem pela força, mas que precisam da força na razão inversa das resistências quem encontrem. Nada mais doce para uma ditadura do que o apoio dos segmentos mais influentes da sociedade: os que supostamente pensam; a fração não-invisível da sociedade, egoísta e manipulável, com direito a voz, embora não a decisão; os detentores do poder econômico; os manipuladores da opinião pública, que mercadejam benesses comerciais com os golpistas em troca, p. ex., de concessões de canais de TV ou rádio, além de verbas de publicidade; e a religião, que impõem verdades inquestionáveis.

49 anos se passaram e os mesmos setores continuam à frente de apoios atávicos à ditadura, guardadas as devidas proporções. Claro que nenhum veículo de imprensa, em sã consciência, defenderá a ditadura, a esta  altura do campeonato. Mas se omitem quando não pressionam pela abertura dos arquivos das Forças Armadas, embora pressionem por tantas outras coisas. E defendem o seu ideário quando destacam os assassinos do passado nas colunas sociais de hoje; e principalmente quando relacionam os movimentos que lutam pela liberdade e por direitos sociais a desordem e irracionalidade, facetas do velho "subversivo".

Os horrores ideológicos do passado estão perfeitamente vivos; nem sequer estão doentes. Não respiram por aparelhos, mas se renovam a cada vez que um néscio sente saudade da ditadura, porque naquela época não havia corrupção. Ah, não havia? Ou porque naquela época não havia tanta violência urbana. Como se a violência urbana fosse um problema de legitimidade democrática do governo vigente, tão somente. Esses horrores se renovam quando nossos jovens, que deveriam ser o tal futuro, repetem asneiras contra o comunismo, que eles pensam ser apenas um modelo de governo onde o indivíduo não possui nenhuma propriedade (o mais importante, pelo visto) e nenhuma liberdade. Na verdade, a grande lição do comunismo talvez seja que o capitalismo é um modelo inerentemente predatório e que nunca propiciará justiça social. Sem paixões, quando os economistas hoje destacam a diferença entre crescimento e desenvolvimento econômico, estão confirmando as premissas comunistas, quer queiram ou gostem disso, quer não.

Nada mais desalentador para mim do que ver um jovem leniente com a ditadura e avesso às lutas democráticas. Nada mais desalentador do que ver a total falta de empatia com quem não possui o alimento, o teto, o acesso aos serviços ditos públicos. Nada mais irônico do que ver esses despautérios sendo ditos por quem pode, hoje, acessar a Internet e dizer todos os desvarios que pensa, inclusive contra o governo, sem ir para a cadeia por isso, sem ser monitorado, sem ter até seus familiares agredidos, humilhados, feito párias.

Para que a História prevaleça sobre o discurso, recordar sempre. Lembrar é a condição para que a História não se repita.

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