quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Reforma do Código Penal II: genocídio e tortura

Uma das preocupações que a comissão de reforma do Código Penal deve ter é com a quantidade acachapante de leis esparsas que o Brasil possui, que proliferam à medida que o Poder Legislativo cede às pressões pelo uso crescente do Direito Penal para supostamente resolver todo tipo de conflito social. Assim, se de um lado há muita velharia para ser abolida (tipos absurdos como a exposição ou abandono de recém-nascido, que coloca a honra sexual da gestante acima da vida de um ser humano), há muitas exigências dos novos tempos a acrescentar ao código. Afinal, quanto menos leis existirem, melhor.
Assim, é inevitável concluir que o futuro CP, se sair, será bem mais obeso. No entanto, se esse for o preço a pagar pela redução das leis extravagantes, melhor.
Duas leis que poderiam desaparecer e ter seu conteúdo transportado para um capítulo do CP, e que eu colocaria junto aos crimes contra a vida, para demonstrar sua singular importância, são as de n. 2.889, de 1956, e 9.455, de 1997. Elas tipificam os delitos de genocídio e de tortura, respectivamente.
A previsão legal de genocídio foi feita há 55 anos, quando o nazismo era a maior e mais óbvia referência nesse sentido. Mas nas décadas seguintes observamos outros trágicos episódios, podendo-se citar a guerra entre Sérvia e Croácia (e seu "carniceiro dos Bálcãs ) e os intermináveis conflitos tribais em países africanos. Sem esquecer, claro, o que a China pretende fazer com o Tibete. Somando a isso o surgimento de novas e terríveis tecnologias bélicas, de um lado, e a nova compreensão de direitos humanos trazidas por tratados internacionais, de outro, é preciso repensar o que se entende por genocídio.
Atualmente, a lei brasileira considera como genocídio um conjunto de ações destinadas a "destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso", o que se pode fazer através de:
  • assassinato;
  • lesão grave à integridade física ou mental dos membros;
  • submissão a condições existenciais capazes de causar destruição física total ou parcial;
  • óbices à procriação;
  • transferência forçada de crianças para fora do grupo.
Uma crítica habitual à Lei n. 2.889 é quanto às penas impostas, consideradas baixas. Em alguns casos, como na transferência forçada de pessoas, a punição se equipara ao delito de sequestro, ou seja, renderia uma punição de 2 a 5 anos de reclusão (CP, art. 148, § 1º, IV). Mesmo no caso de assassinato, a pena aplicável é a do homicídio qualificado. Considerando o princípio da proporcionalidade, não me parece razoável que a morte de uma pessoa como parte de um processo de genocídio seja punido como um homicídio qualificado qualquer.
Em suma, estas penas também precisam ser revistas.

No que tange à tortura, a lei de 1997 parece adequada quanto aos tipos penais nela previstos, podendo-se suscitar questionamentos quanto ao limite das penas cominadas. Afinal, passados 14 anos, os episódios de brutalidade policial ainda são muito frequentes e insuficientemente apurados, pelo corporativismo e, pior, às vezes pela conivência da própria sociedade, que não se escandaliza como esse tipo de barbárie.
É o caso, portanto, de pensarmos em dotar o novo CP de um capítulo de crimes contra a humanidade ou algo do gênero. Gostaria de obter opiniões a respeito.

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