sábado, 29 de dezembro de 2012

Acidente não é culpa

A imprensa está repercutindo um lamentável episódio ocorrido hoje no Rio de Janeiro, em que uma criança de 1 ano e 4 meses caiu do quarto andar de um apart-hotel, vindo a morrer. Não há muitas informações até o momento, mas parece que, na mureta de proteção da sacada, predominantemente de vidro, havia um espaço largo o suficiente para que uma criança daquele tamanho passasse, sendo essa a causa imediata do infortúnio. Não está claro se faltava uma placa de vidro, se houve falha na construção, etc. Sabe-se apenas que a polícia instaurou inquérito para apurar o fato, tomando-o como homicídio culposo.

A reportagem também não esclareceu se já há e quem seria o possível autor no delito, no entendimento da polícia. Pelo que entendi, as atenções estão mais voltadas para os responsáveis pelo apart-hotel do que para os pais.

Queria me concentrar justamente nos pais.

A família havia acabado de chegar ao prédio e estava entrando no apartamento, tanto que o carregador das malas ainda estava presente. Segundo o pai, a queda aconteceu no momento em que a mãe, que acompanhava a criança na sacada, se virou para falar com o marido. Depreende-se daí que a situação da sacada era mesmo insegura, o que permitiu a queda tão rapidamente, e que ainda nem sequer houvera tempo para os adultos conhecerem o ambiente. Sem condições de conhecer o local, não perceberam o perigo. E quem desconhece o perigo dele não se protege, obviamente.

A imprensa costuma destacar o dolo e a culpa, reduzindo-os a uma questão de intenção. Não esclarece, todavia, intenção de quê, o que faz toda a diferença. Mesmo em sala de aula, os alunos neófitos dão mostras claras de não perceber a diferença, até serem alertados de que se trata de uma intenção quanto ao resultado de uma conduta que precisa ser voluntária. Assim, numa definição rasteira, age com dolo quem tem a intenção de, por meio da conduta A, produzir o resultado B; e age com culpa aquele que, por meio da conduta A, voltada ao resultado B (que o mais das vezes é lícito), acaba produzindo o resultado C, por um defeito na maneira de realização da conduta.

Nada disso, porém, elimina a possibilidade dos verdadeiros acidentes, fatos que, por definição, são imprevisíveis. Na culpa, pune-se o indivíduo por deixar de prever um perigo ou um resultado que lhe era previsível nas circunstâncias em que se encontrava. Naturalmente, se o fato é previsível, não se pode exigir que as pessoas se precavenham quanto a ele, o que implica em dizer que não agem culposamente.

Some-se a isso o princípio da confiança: todos nós partimos da pressuposição de que as outras pessoas agem de acordo com regras, não necessariamente leis, mas regras de cuidado, ditadas pela experiência e pelo conhecimento. Não é humanamente possível que um indivíduo esteja 24 horas por dia alerta a todas as possibilidades de perigo. Assim, quem entra num apartamento liberado, em funcionamento há tempos, parte do pressuposto de que as sacadas são seguras. É natural pensar assim, o que corresponde à boa fé. Duvidar da segurança seria exigível apenas se houvesse uma razão particular para isso, como avisos dados por terceiros.

Tudo isto é para dizer que não vejo como responsabilizar os pais do menino por essa tragédia, se é que alguém pensou nisso. A menos que tivessem reparado na sacada ou sido alertados a esse respeito, o que nã parece ser o caso.

É de congelar a alma, ainda mais num dia que já está triste por aqui, pensar que uma família viaja para comemorar o réveillon e tem que enfrentar um drama dessa magnitude. Por isso envio meus bons pensamentos a esses pais e demais familiares, esperando que as circunstâncias do sinistro sejam apuradas, para que algo assim nunca mais se repita.

Atualização em 2.1.2013:

Perícia realizada pelo CREA do Rio de Janeiro concluiu que as medidas da varanda estavam irregulares, havendo um vão grande o suficiente para causar um acidente até mesmo com um adulto. Creio que isto reforça as afirmações acima.

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