quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O hobbit 2

Que o livro O hobbit daria um excelente filme, era uma obviedade. Ele funcionaria mesmo que não houvesse O senhor dos aneis, embora certamente não fosse galgar o mesmo prestígio que tem hoje. Com o estrondoso sucesso da trilogia, filmar a "prequela" se tornou algo óbvio. Nem bem O retorno do rei chegava às telas, em 2003, a produção de O hobbit já estava reunida. Mas nem o grande interesse em torno do projeto nem o capitalismo evitou o transtorno que se desenrolou nos anos subsequentes. Aconteceu de tudo na produção: brigas com os herdeiros de Tolkien, desentendimentos criativos, problemas de elenco, etc. O próprio Peter Jackson deixou a direção; outros cineastas foram convidados e, por alguma razão, não deu nada certo. Jackson reassumiu o comando do barco e, sete anos depois, os trabalhos finalmente ganharam ritmo.

A trama envolvendo um povo rico e orgulhoso (os anões), um povo pacífico (os hobbits), um dragão (Smaug), um mago de credibilidade questionável (Gandalf) e diversos seres curiosos acabou sendo inicialmente dividida em duas partes, para o cinema. Até aí tudo bem. Fiquei, contudo, severamente aborrecido ao saber que o projeto fora dividido em três capítulos. Primeiro porque essa modinha de trilogias já deu o que tinha que dar. Segundo, e mais importante, porque ninguém me tira da cabeça que essa decisão se motivou acima de tudo pelo objetivo de encher os bolsos dos capitalistas. Digam o que disserem, não vejo outra explicação. Dois filmes, vá lá; três, é oportunismo.

Para desenvolver um projeto triplo, repetindo a estratégia de filmar tudo de uma vez só, Jackson empregou basicamente três artifícios:

  • Inserir na trama elementos do universo tolkeniano que não aparecem no livro O hobbit e que foram encontrados em outras obras, o que por si só não é mal, pois amarra o curso da estória e a construção dos personagens, além de que provavelmente ninguém jamais filmará O Silmarillion. Mas houve outras inserções: os roteiristas chegaram ao ponto de criar um personagem jamais cogitado por Tolkien, um elfo que será interpretado pela bela Evangeline Lilly (a Kate, de Lost). Linguiça? Só o tempo dirá.
  • Rechear o filme de amenidades, como as cenas de canções, que realmente existem nos livros, mas costumam aborrecer até os fãs. Elas foram eliminadas em O senhor dos aneis, que por sinal dispensou até o personagem Tom Bombadil, de quem se suspeita ser ninguém menos que Ilúvatar (Deus, para simplificar), mas que aparece pulando, cantando e interagindo com a natureza. Todos odeiam Tom Bombadil e, convenhamos, a trilogia não sentiu a menor falta dele. Nela, há duas cenas de canto: o hobbit Pippin canta para Denethor, regente de Gondor, que lhe dá essa ordem para impedi-lo de argumentar sobre a importância de entrar na guerra contra Sauron; e Aragorn, já Rei Elessar, canta brevemente em sua coroação. Mas as duas cenas se justificavam em seus contextos.
  • Apelar para as cenas de ação. Afinal, é assim que o povo de hoje gosta de um filme; complexidade psicológica é um recurso para uma geração que vai ficando perigosamente para trás. O hobbit tem muitas cenas de ação, longas e elaboradas. E, desgraçadamente, vemos nelas resquícios daquele Peter Jackson que legou ao mundo uma versão patética de King Kong (um dos filmes mais idiotas que já vi), levemente comparáveis aos insuportáveis pastelões de Steven Spielberg, que eu considero um mala com aquelas ceninhas de pessoas tentando pegar um objeto que é chutado de um lado para o outro. Deixei de vir filmes do Spielberg por causa disso e tenho pavor do que Jackson pode fazer com uma trama que não merece isso.
Sim, eu gostei de O hobbit  Uma jornada inesperada. Mas ainda no meio da projeção eu já estava profundamente preocupado com os rumos que podem ser dados à estória pelo diretor, se ele se focar nos lucros e não no rico material de que dispõe. Ou se mergulhar em idiossincrasias pessoais. Explico-me: Jackson declarou, em uma entrevista, que filmou O senhor dos aneis para ganhar nome e recursos para um projeto que ele acalentava desde que se tornara cineasta: King Kong. Era uma espécie de sonho de infância. E aí ele fez o que fez. Transformou O senhor dos aneis em um meio para atingir um outro fim (uma ofensa, para um fã) e esse fim foi vergonhoso. Quem age assim pode estragar qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo.

Não há exatamente uma conclusão para esta postagem. O filme sob comento, seguindo com boa fidedignidade o original, mostra como Bilbo Bolseiro, um típico hobbit — pacato, avesso a emoções, simplório, basicamente um agricultor, glutão e apegado ao seu torrão natal  acaba entrando numa caravana formada pelo mago Gandalf e um grupo de treze anões (que não correspondem ao que conhecemos por anões) para resgatar a terra destes, dominada há muitos anos por Smaug, o mais terrível dos dragões. Eles só precisam matar Smaug e recuperar o reino. Só isso. E no meio do caminho há alguns percalços, trolls e orcs, p. ex. E há, também, Gollum.

Para grande alegria dos fãs, Jackson deixou claro que o filme atual pertence ao mesmo universo de O senhor dos aneis. Logo que a projeção começa, você escuta uma variação do tema musical dos hobbits e reconhece o cenário. As cenas mostram os momentos que antecedem a famosa festa de aniversário de Bilbo, apresentando situações que não foram vistas em A sociedade do anel. Com prazer, revemos rostos que se tornaram caros para nós, interpretados pelos mesmos atores, que um a um concordaram em retornar ao universo tolkeniano. Lá estão o Bilbo de Ian Holm, o Frodo de Elijah Wood, o Gandalf de Ian McKellen, o Elrond de Hugo Weaving, a Galadriel de Cate Blanchett. Mas ninguém provocou uma reação tão forte no público quanto o Gollum de Andy Serkis. À sua simples aparição, a plateia soltou exclamações vivas, mostrando quem é que manda no pedaço.

Em suma, O hobbit já pegou seu público pelo pé. E tem muito a oferecer. Só não pode perder o rumo.

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