terça-feira, 14 de outubro de 2014

Mestres para o Pará

Cursei a minha graduação em Direito, na Universidade Federal do Pará, entre os anos de 1992 e 1997. Na época em que entrei na graduação, o número de vagas para o mestrado era maior do que o de candidatos! Lá pelo meio do meu curso, entretanto, a situação mudou. De um ano para o outro, a procura aumentou drasticamente. Salvo engano, eram mais de 80 interessados em 12 ou 15 vagas. É preciso refletir um pouco sobre as causas de uma situação dessas.

Neste país, títulos sempre foram muito importantes, desde que fossem nobiliárquicos. A novela "Império", atualmente em exibição, trouxe de volta a figura do "comendador" como alguém extremamente importante na sociedade. Recordo-me de que, em tempos idos, aqui em Belém era um acontecimento a escolha do novo comodoro do Iate Clube. Outros títulos importantes são ligados a carreiras públicas, tais como desembargador ou deputado. Se bem que aí não temos, exatamente, títulos, e sim cargos. Mas fica a ideia. O que pretendo dizer é que os verdadeiros títulos não eram valorizados.

Começa pelo fato de que qualquer um que se forme em um curso superior vira ipso facto um "doutor". Doutor de coisa nenhuma, mas o Brasil separa seu povo em dois estamentos principais: os elitizados, que adoram ter seus egos massageados até mesmo em relação a atributos que não possuem, como um doutorado; e a ralé, que muito frequentemente assume uma postura servil e se comporta de modo submisso frente aos "ilustrados". Não à toa, qualquer fulano com uma chave de carro pendurada no cós das calças vira doutor para o flanelinha.

Mas voltemos ao cerne. Existe um problema de origem na matriz educacional brasileira. Aqui, o talento e o mérito de um indivíduo eram medidos por seu sucesso profissional. Ele precisava ser o advogado bem sucedido, o médico respeitado, o engenheiro rico (para ficar na tríade profissional clichê da minha juventude). E com essa bagagem pragmática, ele ia para as universidades, supostamente para compartilhar a sua expertise com os estudantes. Nas universidades (aliás, em toda a estrutura escolar), o professor era o sábio, que concedia um pouco de seus dons à massa mais ou menos ignara que fosse capaz de alcançar a sua erudição. Isso abria margem para a figura do "pano preto", professor que omitia informações ou até ensinava errado, para não gerar concorrentes a sua altura. Ouvi muito sobre gente assim.

Desse modo, mesmo os grandes professores, aqueles que honravam a docência, raramente eram titulados e, nas lides cotidianas, dificilmente ou nunca se dedicavam à produção acadêmica. Sua contribuição à cultura se limitava às aulas magistrais que ministravam, ao ensino do tipo catedrático, que produziria profissionais, alguns até muito bons, mas não necessariamente essa seria a via mais adequada para produzir boas cabeças para o desenvolvimento científico da região.

O tempo passou e os parâmetros mudaram drasticamente. Mesmo para o famigerado mercado, títulos de pós-graduação em sentido estrito estão fazendo grande diferença para fins de remuneração. Nas carreiras públicas, eles ajudam para fins de progressão, se você já é servidor; e pesam na prova de títulos, se você está pleiteando uma vaga. Obviamente, em qualquer processo seletivo, a existência do título será notada e terá alguma influência.

Em suma, no tempo de meus pais, o sonho das famílias era ter um filho "dotô", ou seja, bacharel. Hoje em dia, diploma de graduação é como carteira de motorista: mera autorização para conduzir o veículo, mas autorização, por si só, não leva ninguém a lugar algum. E se pensarmos em carreira acadêmica, o mestrado é que vale como habilitação. Hoje, como regra, o ingresso nas universidades públicas já exige doutorado. Infelizmente para nós paraenses, contudo, existe um abismo de qualificação. Pensar na minha área, o Direito, é até covardia, porque se trata de uma área em que ainda se investe um pouco. Se pensarmos em outros campos, o constrangimento é muito maior.

Neste ano, a UFPA disponibilizou 24 vagas para mestrado em Direito, que estão sendo disputadas por 232 candidatos (considerando as inscrições deferidas). Que diferença para os tempos de minha juventude, não? O CESUPA oferece 20 vagas anuais e a UNAMA, número semelhante. Ainda é pouco, considerando o quanto a nossa região precisa de mentes qualificadas para cuidar de si mesma, para se desenvolver nessa área tão delicada quanto a educação.

Torço por esses cursos. Torço por nossa região. Afinal, não é com política que vamos sair do marasmo em que nos encontramos. Precisamos de raciocínio crítico. E não apenas no mundo do Direito, mas em todos os campos. E isso mostra como ainda nem começamos a fazer o dever de casa.

2 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, eu discuti a questão da oferta de pós-graduação em sentido estrito na região Norte quando ainda estava trabalhando na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.
Fiquei muito feliz em ler esse seu post e ver que mesmo que "ainda nem começamos a fazer o dever de casa", a situação acadêmica vem melhorando no Pará. Sobre o trabalho da FGV Direito SP, não sei se você conhece esse banco de dados que foi montado lá, e que contou com o Sandro Alex no seu lançamento e na discussão dos próximos passos desse interessante projeto. Muitas pesquisas podem ser feitas com base nesses dados: http://direitosp.fgv.br/observatorio-ensino-direito

Abraços,

Vitor Martins Dias

p.s. Parabéns pelo mestrado.

Yúdice Andrade disse...

Caríssimo Vítor, antes de mais nada, perdão pela demora em responder. Minha vida na internet está bastante errática e no blog, pior ainda.
Consultarei com vivo interesse o link que você me encaminhou. Vamos trabalhando por aqui, tentando superar as enormes dificuldades, para buscar um futuro melhor para a educação em nosso Estado.
Grande abraço e obrigado pela felicitação.