Certa vez, em uma cerimônia de premiação do Oscar, o apresentador principal disse que Meryl Streep era, de longe, a atriz com maior número de indicações ao prêmio. E emendou: o que também faz dela a maior perdedora de todos os tempos. Elegante, a atriz sorriu da piada que considerei grosseira e desnecessária. Penso que ficou desconfortável.
Chamemos de paradoxo Meryl Streep a essa situação em que, de tanto que se ganha, acaba por se perder mais do que todos os demais. Feito isto, podemos dizer que, nas eleições gerais de 2014, Marina Silva é vítima do aludido paradoxo.
Como todos sabemos, ela pretendia ser candidata à presidência da República por um partido novo, a Rede Sustentabilidade, que no entanto não conseguiu o número mínimo de subscrições para ser registrado perante o Tribunal Superior Eleitoral. Daí se filiou ao PSB para ser vice de Eduardo Campos, que morreu em plena campanha, em um desses lances cinematográficos da vida. Ela se tornou cabeça de chapa, em circunstâncias de grande comoção.
A uma velocidade impressionante, Marina passou a principal candidata, mais do que triplicando as intenções de voto de Campos, então na casa dos 9%, mais ou menos. Aparecia ainda atrás de Dilma Rousseff, porém todas as simulações de segundo turno lhe davam a vitória. A consequência óbvia desse desempenho assustador foi virar vitrine: a concorrência começou a bater firme. Nada que não fosse esperado e, por isso mesmo, esperava-se que a candidata tivesse traquejo para lidar com a situação. Não teve. Longe disso. A despeito de sua habitual elegância e do discurso que consegue a proeza de reunir força e doçura, Marina desde logo mostrou fraqueza ao modificar seus compromissos.
Marina enfrenta um revés de origem: a acusação de que utilizou o PSB apenas como uma legenda de aluguel, para ser elegível, mas não possui identidade com a agremiação e, por isso, não pretende seguir os seus objetivos estatutários. Na primeira oportunidade, pulará fora, quando a Rede finalmente existir. Para uma vice, isso poderia servir, mas não para a cabeça de chapa. Nomes importantes do PSB pularam fora no primeiro minuto e saíram atirando. Então vieram as mudanças de opinião, que lhe renderam a má fama de insegura (e consequentemente de oportunista), além de expor o seu outro flanco aberto: a ligação com o que há de pior no meio político-evangélico.
Tomando pancada de todos os lados (afinal, os candidatos sabem que não podem tirar Dilma do segundo turno, então economizam essa munição e batem em Marina), a acreana apostou no discurso da vitimização; fez-se de coitadinha. E como no geral da vida, a técnica do mimimi mostrou a sua ineficácia: os eleitores começaram a cansar. Os pontos que Marina perdiam eram exatamente os mesmos que Aécio Neves voltava a subir. Depois, aparentemente, Marina começou a perder votos para Dilma, como sugerem as últimas pesquisas. Mesmo fazendo uma campanha inconsistente, assentada em discursos vazios e promessas genéricas, o playboy "carioca" ainda senador por Minas Gerais voltou a se aproximar da concorrente, uma diferença em torno de 5%. Faltam três dias para as eleições. Não seria surpreendente se o segundo turno fosse formado pela velha (e exaustiva) parelha PT-PSDB.
Mas digamos que Marina vá mesmo ao segundo turno. Antes, ela ganharia com boa folga. Depois vieram as sucessivas pesquisas apontando empate técnico, com uma tendência mais favorável à ex-senadora. Depois, uma tendência pró Dilma. Agora, todas as pesquisas apontam vitória de Dilma, com uma vantagem que já bate em 9%, mais ou menos.
Com isso, Marina Silva pode entrar para a história como a Meryl Streep das campanhas à presidência da República no Brasil: o maior fenômeno eleitoral desde Collor de Mello (por favor, não estou comparando caráter e conduta; apenas destacando o fato de que ele explodiu nas pesquisas em velocidade recorde), com o detalhe de que ele se elegeu (infelizmente para o país) e Marina pode acabar esta campanha do mesmo jeito que a de 2010: com 20% das intenções de voto. Naquele momento, isso foi um grande feito. Hoje, contudo, será um colossal fracasso - para ela, pessoalmente, e para a legião de brasileiros que encontraram no antipetismo superlativo a razão de ser de suas vidas. Afinal, se os dois principais opositores enfraquecem um ao outro, quem se beneficia é a situação.
Mas quero acreditar que este episódio pode sinalizar que o eleitor brasileiro já não está tão disposto a acreditar em salvadores da pátria, tolice que ajudou a mídia e setores conservadores a colocar Collor no comando da nação. Se quiser ser presidente, Marina terá que fazer o dever de casa: criar o seu partido e construir, nele, uma candidatura com bases e princípios sólidos e claros, cercada por pessoas que realmente se empenhem por ela, não por conjunturas eventuais e inesperadas. Assim agindo, ela pode ser o principal nome da oposição em 2018.
Lembre-se que o político mais bem sucedido da história do Brasil é Lula (quer você goste disso, quer não) e ele perdeu três eleições sucessivas, para Collor e duas vezes para Fernando Henrique Cardoso, sendo que na última vez não houve sequer segundo turno. Somente na quarta contenda ele venceu, em segundo turno. Também foi reeleito em duas etapas. Seu desempenho eleitoral não é exatamente consagrador; é apenas eficaz. Marina está em sua segunda campanha à presidência e tem apenas 56 anos. Dispõe de tempo, apoio, preparo e fãs para construir seu nome. Vejamos quão paciente e programática ela consegue ser. Porque pragmática não está dando certo.
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