segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Entre caranguejos, amigos e lembranças

Somos uma família que recebe. Minha mãe se tornou uma pessoa dessas que sentia falta dos amigos e, vez por outra, inventava um almoço sem nenhum motivo além de reunir aqueles de quem se gosta. Sua casa era, de certa forma, um ponto de encontro. Houve épocas em que estranhávamos se não aparecia ninguém para almoçar por três, quatro semanas consecutivas.

A verdade é que minha mãe era um elemento agregador. Mesmo que fossem os amigos dos filhos, ela era o amálgama da casa, para tudo. Houve quem nos dissesse, durante os funerais, "não se esqueçam de nós", justamente pela percepção de que, sem ela, estaremos mais dispersos. A partir de sua ausência, portanto, tornou-se difícil pensar na ocorrência desses encontros, mesmo que todos saibamos o quanto eles são importantes para todos nós.

Ontem, pela primeira vez em algumas semanas, tivemos um encontro desses. E ele surgiu de maneira absolutamente espontânea. Minha esposa e tia, irmã de minha mãe e que com ela morou desde os 10 anos, decidiram comer caranguejo. Era apenas o nosso almoço de domingo, mas elas decidiram convidar duas pessoas muito próximas, que também apreciam a iguaria. Isso implicaria em dois maridos e duas crianças. Então mencionei uma família querida, que já vinha demandando se reunir a nós, justamente os amigos que estiveram conosco em Mosqueiro, no dia 27 de setembro, o último momento feliz de minha mãe.

Acabamos então com 12 visitantes para o almoço, compartilhando caranguejos graúdos, saborosos e cuja carne se soltava facilmente, um feijão maravilhoso, carne para as crianças, sobremesa. Apenas mais um almoço típico em nossa família. Mas era diferente, pela ausência, dura como rocha.

Anos atrás, tomei conhecimento de um samba famosíssimo, gravado por vários artistas conhecidos de antigamente, tais como Elizeth Cardoso, que o popularizou, Nelson Gonçalves e Clara Nunes. Chama-se "Naquela mesa". Informa-me a Wikipedia que se trata de uma composição de Sérgio Bittencourt, filho do conhecido músico Jacob do Bandolim, que compôs sob o impacto da morte de seu pai.

Quando escutei o samba pela primeira vez, fiquei muito emocionado. E olha que, naquela época, minha mãe nem doente estava. Felizmente, não me lembrei do samba ontem. Lembrei só agora, ao escrever estas linhas. Basta conhecer a letra para saber o motivo.

Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre, o que é viver melhor,
Naquela mesa ele contava estórias
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor
Naquela mesa ele juntava gente e contava contente
O que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho, eu fiquei seu fã

Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa no canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse o quanto doi a vida
Essa dor tão doída não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala no seu bandolim
Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele
Tá doendo em mim

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