Pode ser modéstia, mas também pode ser coisa mais séria. Você já ouviu falar na síndrome do impostor (ou fenômeno impostor)?
Trata-se de um transtorno psicológico basicamente de autoquestionamento intelectual, descrito ainda na década de 1978 pelas psicólogas Suzanne Imes e Pauline Rose Clance, então pesquisadoras da Universidade Estadual da Geórgia, a partir da observação de grandes empreendedores que não se mostravam capazes de internalizar e de aceitar o próprio sucesso. Como consequência, atribuíam seus avanços à sorte e desenvolviam o temor de serem desmascarados, o que pode conduzir a um quadro de ansiedade e de depressão. Os impostores tendem a ser perfeccionistas e não gostam de pedir ajuda para realizar suas tarefas. Podem chegar ao ponto de não perceber que é possível viver sem esse tipo de angústia.
Quem se acha uma fraude duvida de suas habilidades e, até mesmo, de seu pertencimento ao ambiente em que se encontra. Resulta daí que essas pessoas têm dificuldades até de falar sobre o problema, já que padecem de um medo abrangente de ser descobertas como farsantes. A questão é confundir a aprovação pelo sucesso como amor ou reconhecimento da dignidade.
O tema tem sido objeto de pesquisas e de publicações recentes, embora ainda não reúna condições para ser catalogado como transtorno mental pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM). Segundo as psicólogas que o analisaram primeiro, e que inicialmente consideraram as mulheres como mais propensas, uma causa pode estar na criação por famílias extremamente preocupadas com o sucesso, mormente se incorrerem em práticas de excesso de elogios ou de críticas. Pressões sociais potencializam o problema. Enquadrar-se em um grupo vulnerável, como uma minoria étnica, também foi considerado. Será que você foi ajudado por questões de simpatia? Outra questão relevante é você estar envolvido com algum tipo de novo empreendimento, como iniciar um curso superior.
Posso dizer que, no universo acadêmico, sofrer da síndrome do impostor é previsível, já que estamos o tempo inteiro sob alguma espécie de fiscalização. Imagino que, nos dias correntes, todos nós, professores, vivenciamos um pouco disso, de ambos os lados do balcão: o problema está em nós mesmos e em nossos alunos, que devemos ajudar, na medida do possível.
A American Psychological Association, responsável pela matéria que baseou esta postagem (link abaixo), lista algumas medidas para enfrentar a síndrome:
Conversar com os mentores. Eles podem oferecer suporte por meio da supervisão dos trabalhos, além de tentar convencer o pupilo da irracionalidade de seus sentimentos. De minha parte, sendo professor da graduação, penso que desvincular o aluno da obsessão por notas pode ser um caminho útil.
Admitir os próprios conhecimentos. Além de olhar para os que estão à frente, o impostor deve trabalhar com quem está em posição menos privilegiada, p. ex. realizando tutorias, o que pode ajudá-lo a perceber que já avançou em sua caminhada e que pode ajudar outros. De quebra, isso ainda permite ajudar outras pessoas, o que sempre vale a pena.
Identificar as próprias habilidades. Obviamente, ninguém é bom em tudo, então o impostor deve avaliar honestamente suas habilidades, a fim de separar aquelas em que já é bom e aquelas outras, que realmente lhe pedem dedicação para o aprimoramento.
Admitir que ninguém é perfeito. Não adianta buscar a perfeição; o seu compromisso deve ser fazer suas tarefas bem o suficiente e, ainda, reservar um tempo para apreciar os frutos do seu trabalho árduo, inventar recompensas para o sucesso e aprender a comemorar. Como sempre digo, nenhum trabalho se justifica por si mesmo. Não é saudável trabalhar por trabalhar: usufruir é humano.
Mudar de ideia acerca das próprias realizações. O impostor precisa romper com o ciclo supersticioso acerca de suas realizações, reduzindo expectativas ou compartilhando responsabilidades (pedindo ajuda para cumprir compromissos).
Procurar ajuda. Sim, procurar ajuda profissional é uma grande ideia.
Fonte: http://www.apa.org/gradpsych/2013/11/fraud.aspx
Mais:
- Página de Pauline Clance (em que se pode ver que, como boa americana, ela já inventou uma escala para mensurar o transtorno): http://paulineroseclance.com/impostor_phenomenon.html
- Em português: http://ihjtkent.org.br/pdf/anexo-salixfragilis.pdf
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