terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Eu gosto de meninos e meninas

Segundo percebo, a maioria das pessoas que desejam filhos gostaria de ter um casal. Eu mesmo já acalentei esse anelo, numa outra fase da vida. Compreendo que a razão é o desejo de vivenciar duas experiências diferentes. No entanto, se esmiuçarmos a questão, veremos que geralmente existe um dado adicional: o filho varão deve ser o primogênito.

Aposto que a maioria das pessoas que cultiva esse anseio não parou para pensar a respeito e, provavelmente, sustenta inconscientemente os fundamentos dessa preferência que, a meu ver, é patriarcal: o filho homem deve nascer primeiro como uma alegoria de que, na sociedade, o homem deve vir na frente, ser o primeiro a ser visto e ouvido. E, com efeito, numa família, supõe-se que o filho mais velho terá precedência (ao menos cronológica) no nível de liberdade, na aquisição de direitos e mesmo de poderes  inclusive sobre os irmãos menores.

O curioso é que, como homens costumam ser mais resistentes a falar sobre planos de constituir família, normalmente são as mulheres que demonstram essa atávica inclinação. Talvez, de novo inconscientemente, sonhem com o filho mais velho protegendo a irmã menor, o que não deixa de ser também uma concessão aos velhos papeis sociais atribuídos aos sexos.

Se o desejo dessas pessoas se realizasse, a consequência seria que toda garota teria um irmão mais velho para pegar no pé. Que tal, meninas?

PS  O título da postagem remete à canção "Meninos e meninas", da Legião Urbana, que ficou na minha cabeça porque esta manhã escutava suas músicas no carro, como de hábito. Como o texto tratava de gêneros, pensei nisso. Não significa que eu planeje um segundo filho e muito menos que o próximo, se houvesse, seria um menino.

3 comentários:

Luiza Montenegro Duarte disse...

Muito bom, Yúdice! Teu texto foi bem amistoso e leve. Admito que já pensei em escrever sobre assunto, mas seria em um tom meio chato, já que isso me deixa indignada.
Dia desses, fui ao velório de um jovem e ouvi pessoas se lamentando por a mãe ter perdido seu único filho homem. Não fosse o local e a alta dose de sofrimento envolvida, eu teria perguntado se seria menos doloroso se tivesse morrido uma das duas mulheres.
Tenho certeza que não, mas as pessoas repetem essas bobagens sem refletir sobre elas. E podem machucar pessoas mais sensíveis (uma das duas garotas, por exemplo).
Uma pessoa muito próxima a mim vivia repetindo que um desafeto não era macho o suficiente porque não tinha conseguido "fazer" um filho homem (ele "fez" dois). Bastou questioná-lo um pouquinho para ele morrer de vergonha do que dizia, com o intuíto de ofender o outro, mas sem se perguntar o porquê de aquilo constituir uma ofensa.
Sobre o irmão mais velho, sempre digo que, se o intuíto for proteger a "princesinha" dos "gaviões predadores", deviam querer o contrário. Explico: das minhas amigas mais próximas, apenas uma tem irmão mais velho. Os amigos mais velhos do irmão mais velho viviam pela casa dela e, assim, ela tinha um acesso a eles que nós não tínhamos e morríamos de inveja! Não pense que eles deixavam de paquerá-la por "consideração" ao amigo. Negócios à parte, afinal. Eu, com dois irmãos menores, não me interessava nem um pouco pelos "pirralhos" que eles levavam pra casa.
Outra bobagem é a questão do sobrenome e da suposta perpetuação da família. Ora, quase nem existem mais os nomes pomposos e que imediatamente identificam uma família! E o Código Civil permite que o homem adote o nome da mulher e que o sobrenome dela fique por último, no nome do filho. Então, não tem mais razão de ser.
Nada disso faz nenhum sentido. E conceitos machistas arraigados me deixam com uma raiva que não fazes idéia. Ou melhor, fazes!

Luiza Montenegro Duarte disse...

Lembrei agora de outro senso comum sobre as família que me deixa perplexa, pois é propagado como verdade absoluta: a de que meninas se dão melhor com os pais e meninos com as mães, pois, entre pares do mesmo sexo, haveria competição.
Francamente, se seus pais competem com você, eles deveriam procurar tratamento psicológico. Se seus pais tratam meninos e meninas de forma diferente (no que diz respeito à estudo, responsabilidade, namoro e afins) eles deveriam se mudar para 1950.
Não vi isso acontecer na minha família e nem nas famílias mais próximas. Há afinidade maior ou menor com meus pais, dependendo do assunto, das circunstâncias da vida, da expectativa de cada um, etc.
Isso deve vir de uma época em que mães eram responsáveis por educar as filhas (ensinar a ser uma boa esposa) e os pais por exigir estudo e empenho profissional dos filhos. Exigir, educar e ensinar sempre gera conflito. Com a divisão de tarefas que existe nas famílias saudáveis, isso também não faz mais sentido.

Yúdice Andrade disse...

Teu lado feminista não assimila bem o caso, Luiza? Para mim, não é algo que me incomode, mas acho curioso, daí o texto "amistoso" (interessante o adjetivo).
O episódio do velório que mencionaste foi terrível, mas quero acreditar que a pessoa apenas não pensou na implicação do que dizia. Em geral, reproduzimos tantas ideias e sentimentos sem pensar que, por vezes, dizemos sandices sem má intenção. É por isso que as pessoas devem ser levadas a pensar. O que me aborrece são as pessoas que se recusam a fazê-lo, mesmo quando têm oportunidade.
Mas quem sabe uma hora dessas tu não nos apresentas a tua opinião a respeito? Abraço.