domingo, 5 de fevereiro de 2012

Sobre A Bela e a Fera

Ontem levamos Júlia para ver A Bela e a Fera 3D (originalmente de 1991) no cinema. Foi apenas o terceiro filme que ela viu no cinema e o segundo que aguentou até o final, administrando as pipocas, porque em Rio ela quis sair assim que as pipocas acabaram...

Gosto muito do filme, que tem um dos melhores roteiros da Disney em sua fase de ressurgimento, que começou em 1989 com A pequena sereia, após anos de marasmo produtivo e declínio econômico. Gosto, apesar dos clichês chatíssimos que o velho Walt adorava: o maniqueísmo excessivo, a boa fé quase imbecil dos protagonistas, o vilão que trai o mocinho inocente e provoca a própria morte, porque o mocinho não pode ter sangue nas mãos, sem falar nas sequências de musical tipicamente americano que eu detesto (ainda mais porque, no contexto, aquele efeito caleidoscópio era uma forma de simplificar e baratear a produção).

Além disso, os efeitos visuais da época hoje parecem decepcionantes (e mesmo assim a cena da valsa permanece um triunfo) e o 3D é apenas um adereço, já que o filme não foi produzido originalmente assim, portanto sempre fica aquele jeitão de remendo. Mas o tom operístico está lá e por isso continuo gostando, até porque hoje não se faz mais nada assim. Hoje tem que prevalecer o estilo hip hop.

No entanto, a coisa que mais me impressiona em A Bela e a Fera é o quanto a feiticeira responsável por aquela confusão toda é uma tremenda de uma feladiputa.

Entenda: a desgraçada já saiu de casa mal intencionada. Alguém com tantos poderes não consegue arrumar um lugar para passar a noite?! E se ela queria apenas abrigo, por que não foi pedir usando sua aparência real? Medo de estupro, por acaso? Não! Ela se disfarçou de mendiga feia porque já sabia o que esperar do príncipe. Ele estava lá, quieto em casa, mas ela foi espicaçá-lo! Forçá-lo a fazer algo errado só porque já pretendia puni-lo. E quando ele dá motivo (porque era, de fato, um tremendo mauricinho mimado, desses que vemos aos montes hoje em dia), o que ela faz? Amaldiçoa todos o que estavam dentro do castelo, embora só houvesse um culpado e os criados fossem não apenas inocentes, mas vítimas do príncipe panaca.

Minha mentalidade jurídica não digere isso... E a artística não digere o buraco no roteiro: alguém bate à porta durante a noite e é o príncipe, em pessoa, que vai atender?

Os habitantes da aldeia interiorana onde Bela vive com seu pai, discriminado por ser um homem de ciência, são canhestros. Tudo bem que eram moradores de uma zona rural isolada, naqueles tempos distantes, e por isso desconfiavam de tudo que não entendiam, além de julgar que o papel das mulheres era ser capacho dos homens. Até dá para entender isso e como eles rejeitam a garota metida a inteligente que vivia lendo. Seu ícone e portavoz, o ridículo Gaston, explica didaticamente: diz que ela precisa parar de ler senão vai começar a ter ideias. Diz isso em tom afetado e jogando o volume na lama, para não deixar dúvidas. Mas eles podiam ser menos toscos, notadamente as trigêmeas com furor uterino que querem porque querem o único homem interessante (na visão delas) do lugar.

Aliás, esse personagem, Gaston, é o que hoje classificaríamos como metrossexual, mas num nível psiquiátrico. Afinal, seu grau de narcisismo evidentemente alcançou a condição de transtorno mental. Suas atitudes são tão ridículas que ele chega ao ponto de demonstrar a própria masculinidade abrindo a camisa para dizer que não tem vergonha de provar que é peludo por todo o corpo!

Histrionismos à parte, o filme é bom, com certeza. Mas uma coisa sempre me incomodou nele: no final das contas, a mensagem de que a verdadeira beleza precisa ser buscada na alma das pessoas, e não em sua aparência física, acaba se perdendo pelo fato de que Bela até declara amar a Fera, mas o beijo só ocorre depois que ele reassume a sua forma verdadeira. Ela não se casa com a Fera, e sim com um humano com beleza clichê de filme da Disney. Nesse ponto, até aquela droga da franquia Shrek é melhor. Refiro-me ao fato de que o filme nos induz a pensar que a princesa Fiona reassumirá sua forma humana, mas permanece ogra. Então ela diz que achava que voltaria a ser bela, a que Shrek responde: "Mas você está linda!"

Aí sim a tal moral da história funciona. Mas esse mote ruim já existia na versão original do conto, que foi escrito em 1740 por Gabrielle-Suzane Bardot, dama de Villeneuve, e popularizado por Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, numa versão mais enxuta (e melhor, a meu ver) de 1756. Leia o enredo na Wikipedia.

5 comentários:

Rz disse...

Não adianta, para mim a mais bonita,inteligente, instigante, filmagem de "A Bela e a Fera" foi a da dupla Jean Cocteau/Henri Alekan!
Creio que muitas crianças podem assistir a essa versão. Proporcionaria horas de conversas com seus pais e com os adultos em geral.
Abs cordial, Rz

Juliana Coelho Santos disse...

Nossa! Adorei este post sobre a "Bela e a Fera"! Primeiro porque eu gosto muito desse filme, segundo porque a sua visão jurídica do filme se aplica bem a ele(realmente os funcionários do principe não tinham culpa se ele era uma pessoa egoísta e mimada!) e terceiro porque fiquei bastante surpresa de "vê-lo" por aqui! :D
Abraço!

Yúdice Andrade disse...

Vou atrás dessa versão, Rz. Será interessante para Júlia começar a entender como uma mesma estória pode ser contada de várias formas.

Agradeço a receptividade, Juliana. Mas não entendi o que quis dizer com não esperar me ver em algum lugar. Onde seria?

Juliana Coelho Santos disse...

Aah não!! Desculpe o engano, quando eu escrevi "vê-lo" eu me referi ao filme!! É que eu não esperava ler sobre este filme, e portanto "vê-lo" por aqui no seu blog!

Rz disse...

De nada Yúdice! Se eu encontrar antes de você, aviso!
Abs cordial, Rz