quinta-feira, 15 de março de 2012

A longa e interminável jornada das mulheres pelo mundo (III)

Já escrevi uma postagem com este título. E o utilizo de novo porque o mote é o mesmo: como ainda sofrem as mulheres no mundo de hoje!

Desta vez, a tragédia envolve uma marroquina de apenas 16 anos, que se suicidou após ser obrigada a se casar com o homem que a estuprara um ano antes. O casamento foi imposto para preservar a honra da família. A perda da virgindade fora do casamento é algo tão aversivo que só pode ser minimizada se o autor do malfeito casar com a perdida. Por isso, as famílias fazem de tudo para conseguir esses casamentos e à mulher estuprada só resta se submeter. Ou se matar.

O estuprador, por sua vez, também tem interesse no casamento, porque o Código Penal do Marrocos impede que seja processado, nesse caso. E como ele, depois de casado, pode cometer todo tipo de barbaridade, para ele não faz muita diferença.

Achou repugnante a legislação marroquina? Então saiba que o Código Penal brasileiro previa medida semelhante. Isso mesmo. Nos crimes sexuais, a punibilidade era extinta se a vítima se casasse com o próprio estuprador. Também era extinta se a vítima se casasse com outro homem e não pedisse a continuidade da ação penal contra o agressor no prazo de 30 dias.

Talvez você pense que isso é coisa do século passado. Na verdade, a extinção da punibilidade dos crimes sexuais pelo casamento só foi eliminada do Direito Penal brasileiro pela Lei n. 11.106, de 2005. Percebeu? 2005. Mais especificamente, ela entrou em vigor no dia 29.3.2005, portanto ainda não faz nem 7 anos.

Por aqui, obviamente, o contexto social já era totalmente diferente do que ainda subsiste no Marrocos. Mas uma legislação atrasada não deixa de ser um sintoma do que a sociedade é.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sob o véu ocidental fica fácil assumir um lado nessa discussão...

Aline Bentes disse...

Anônimo (que escreveu o comentário acima), me perdoe... Sabemos que a questão do multiculturalismo deve ser respeitada, e que nós, ocidentais, temos muito a aprender e a caminhar com relação ao mundo oriental. Mas não se pode resumir o respeito (ou não) à honra, à dignidade e ao próprio corpo da mulher à questão cultural. Estupro é estupro em qualquer lugar: no Brasil, no Marrocos, no Japão ou na Indonésia. E é uma brutal violência à mulher, em qualquer cultura ou parte do mundo. Assim não fosse, a Amina, protagonista dessa história, não teria se suicidado. Pois mesmo inserida nessa cultura, ela se sentiu violentada. Como devem se sentir, provavelmente, todas as mulheres que sofrem esse tipo - e muitos outros -de violência. Sei que a questão é delicada, mas deve existir uma linha divisória entre o aceitável ou não em face da cultura, senão corremos o risco de aceitar verdadeiras atrocidades, justificando-as por esse meio. É preciso caminhar e superar algumas questões. Se assim não fosse, a escravidão não teria sido abolida, já que fazia parte da cultura do mundo ocidental. Em nome da cultura não se pode ferir os direitos mais básicos do ser humano. É o que penso.

Yúdice Andrade disse...

Das 14h12, estou muito longe de defender a hegemonia do Ocidente sobre o Oriente, assim como entendo e, em princípio, respeito a autodeterminação dos povos. Mas o seu comentário sugere que o ocidente está coberto por um manto de obscurantismo ou maldade, o que não me parece ser uma impressão muito adequada.
Filosoficamente, isso remete à velha questão de existirem mesmo, ou não, valores humanos fundamentais, passíveis de reconhecimento em todas as épocas, em qualquer lugar do mundo. Se houver, que valores seriam esses? Quem poderia defini-los?
Não é uma questão nada fácil, sem dúvida.