segunda-feira, 17 de março de 2014

Um país de pessoas cada vez mais perversas

Primeiro foi o assalto à casa da atriz Letícia Spiller, que rendeu uma das mais monstruosas demonstrações de perversidade e burrice midiática, ao menos dos últimos tempos, perpetrada por um débil mental que, não com surpresa, escreve para a Veja. Agora foi a vez da deputada federal pelo PC do B gaúcho Manuela D'Ávila sofrer um assalto e, depois, o escárnio de um povo cada vez mais digno de pena.

Eis o desabafo da parlamentar:

Uma reflexão,

Na madrugada de segunda, cheguei da delegacia de polícia em casa, como outros tantos brasileiros chegam, após serem vítimas da violência urbana - cansada, perplexa, triste e contraditoriamente feliz por estarmos ali, vivos. Repassava em minha cabeça detalhes do assalto - como a feliz coincidência de meu enteado não estar no automóvel - quando fui surpreendida por uma ligação de um jornalista. Nosso boletim de ocorrência com todos os seus detalhes - como o fato de reconhecermos ou não os ladrões - estava nas mãos da imprensa e eles, os jornalistas, telefonaram na madrugada. Foi pela imprensa que minha mãe ficou sabendo. Não tive nem sequer tempo de telefonar. Claro, entendo o trabalho dos jornalistas. Tenho dificuldade de entender o vazamento do boletim de ocorrência.

Um pouco depois, fui para a internet agradecer as pessoas que, carinhosamente, estavam preocupadas e nos escreviam.

Tive acesso a comentários inacreditavelmente maldosos relacionados ao que nos aconteceu. Motivados por dois "jornalistas", diziam que, por ser comunista, merecia ser assaltada, pois estava distribuindo renda. Fazendo deboche com o assalto e com a minha ideologia, como se o fato de eu defender distribuição de renda mais justa justificasse a violência que sofri. Um dos jornalistas chegou a chamar de gesto de solidariedade o assalto. Algo tão maniqueísta como dizer que alguém que não é de esquerda defende a miséria ou como defender que alguém de direita seja torturado para ver como a ditadura militar doeu nos comunistas. Um desrespeito com a situação que vivi, típico de quem é totalitário, não me respeitando enquanto indivíduo porque penso diferente.

Li também que o que passamos havia sido pouco. Que deveria ter sido violentada por defender direitos humanos. Não imagino por que minha luta em defesa da livre orientação sexual, direitos das mulheres, condições carcerárias dignas, me faça merecedora de ser morta em um assalto à mão armada. Mais um gesto típico dos que não respeitam quem pensa diferente.

Mais ainda: outros tantos diziam que os ladrões estavam certos em roubar de mim por ser deputada, pois políticos são todos ladrões e apenas estavam pegando de volta o dinheiro roubado do povo. Como nunca roubei um centavo, não tenho centavo algum para devolver. O salário que recebo como parlamentar, há dez anos, devolvo com atuação séria e comprometida. Muitos podem não concordar com minhas ideias, mas ninguém pode questionar com solidez a minha seriedade e honestidade. E mais, os corruptos devem ser tirados da política de forma democrática com julgamento pelos espaços adequados e não sendo vítimas de violência ou bandidagem.

Claro que entendo a indignação da população com os políticos! É essa indignação que me motiva há 15 anos, e me faz lutar para mudar a política e, sobretudo, a forma como são financiadas as campanhas. Entendo as pessoas que pensam diferente de mim. E as respeito. Mas, para mim, o protesto contra a má política deve ser feito, em outubro, nas urnas. Contra as ideias que não concordamos também. Assim é a democracia. Que ela viva!

O que não entendo são as pessoas que reproduzem a violência e escrevem na internet como se isso não significasse nada. Como vamos enfrentar a violência no Brasil com essa postura? Como construir uma sociedade mais generosa, humana, respeitosa?

Alguns podem se perguntar: E sobre os ladrões, ela não vai falar? Sobre esses, falei com a polícia. Quero que todos paguem pelos erros que cometem, quem me assaltou inclusive. Contra a criminalidade, a violência, o tráfico de drogas, que transformam nossas cidades em palco de guerra, luto há quinze anos de minha vida. Há dez anos com mandatos. Apresentei leis, aprovei algumas. Disputei, por exemplo, duas vezes a prefeitura por entender que poderia mudar muitas questões na cidade. Perdi. Respeitei os vencedores.

Inspirada num pensamento de Nietzsche, "Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você", quando fui para Brasília transformei uma frase em mantra - "não vou me transformar naquilo que combato".

Luto por uma cultura de paz, que respeite as diferenças e construa relações mais solidárias e generosas entre as pessoas. Que o abismo não olhe tanto para dentro de nós e que possam refletir sobre a violência que cometeram contra mim e minhas pessoas queridas em cada comentário desses. Lutar para mudar o Brasil, com amor no coração, vale mais a pena.

Manuela d'Ávila

Fonte: http://www.ormnews.com.br/noticia/deputada-desabafa-no-facebook-apos-ser-assaltada

Que moça sensata e serena! Mas ela é exceção em meio à população que hoje pulula nas redes sociais e nos comentários dos portais de notícias. Promover o ódio, a vingança e o menosprezo parece ser motivo de orgulho, agora. Estou cada vez mais envergonhado de fazer parte de uma nação de sociopatas e cada vez mais descrente quanto a mudanças positivas.

Deplorável.

6 comentários:

Anônimo disse...

E assim caminha o Brasil. Literalmente para o buraco, para o caos. Infelizmente não estamos melhorando nosso tecido social. Muito pelo contrário. A cada dia o convívio social está pior. A cada dia aumentam os desvios dos dinheiros públicos, a cada dia aumenta a criminalidade, a cada dia aumenta a impunidade, a cada dia somos surpreendidos por leis absurdas e que, no mais das vezes, só legalizam as ilegalidades, e por aí adiante.
Quando é que os brasileiros dirão : basta, chega, vamos mudar o nosso país?

Kenneth

Yúdice Andrade disse...

Também me pergunto isso, Kenneth. E me preocupo com o fato de que, frequentemente, a pessoa começa a subir quando atinge o fundo do poço. Será que precisaremos mesmo descer tão baixo, sofrer tanto para abrir os olhos?

Anônimo disse...

Acho que já estamos lá no fundo do poço há algum tempo. E o pior é que as pessoas não abrem os olhos. O esgarçamento social está no limite do tolerável, e o país não avança na área social, nas relações humanas. Basta olharmos o comportamento da maioria dos brasileiros no trânsito. Reflete a falta de educação e de princípios dos brasileiros, que só respeitam a sí mesmos, o que não leva a lugar algum, vez que não se pode respeitar o nada, o vazio, o etéreo.
Kenneth

Helder disse...

Caro Yúdice,

Acredito que as pessoas não souberam se expressar ao comentar a triste situação. O problema é o que o partido dela apoia a ditadura mais cruel que se ouve falar nos dias de hoje: a da Coreia do Norte. Isso não é intriga da oposição, está no próprio site do PC do B: http://www.pcdob.org.br/noticia.php?id_noticia=171511&id_secao=104

Não entendo como ela tem coragem em falar da ditadura no Brasil nos anos 70! É muita incoerência. Claro que não comemoro o fato de ela ter sido assaltada, porém às vezes temos vontade de falar algumas verdades para alguns políticos, no caso dela, pela tamanha desonestidade intelectual.

Yúdice Andrade disse...

Caro Helder, li a matéria e lamentei muito o seu conteúdo. Dizer que por aquelas bandas existe uma luta por construir um Estado democrático me soa a um completo delírio. Em favor da deputada, direi que o texto é assinado e o sr. Antônio Capistrano deve responder por seu ufanismo irreal.

Lamento, também, que o PC do B tenha incluído o texto em seu site, o que permite a conclusão de que há concordância do partido em relação à ideia. Só posso desejar que a jovem deputada ao menos concorde conosco que defender o comunismo não significa, de modo algum, apoiar projetos como o da Coreia do Norte.

Agradeço pela indicação. Detesto posar de inocente útil, por isso conhecer esses contrapontos é muito importante. Volte sempre.

Luiza Martinelli Coelho disse...

Nessas horas sinto uma profunda tristeza e descrença nesse país, e até medo sobre o que o futuro nos reserva. Hoje lendo notícias no site da Globo e reparei nos comentários dos leitores,e senhor quanto imbecilidade! O anúncio de adiamento de canonização de um jesuíta gera comentários ofensivos, quase uma cruzada. Tolerância é uma palavra esquecida ou até desconhecida para pessoas nesse país . E pensar que escrevem tanta asneiras conscientemente é assustador.
O blog continua ótimo!
abs.