segunda-feira, 5 de maio de 2014

Prisão juvenil: é o exemplo dos Estados Unidos que você quer?

Muita gente afirma, por ignorância absoluta (nos dois sentidos da palavra) ou por descarada má fé, que a legislação criminal brasileira é branda. A crítica se estende ao tratamento dado aos adolescentes, de modo que um assunto permanentemente em pauta é a redução da maioridade penal. Quando os comentários raivosos eclodem, um dos argumentos toscos mais comuns é a comparação com outros países, cujos modelos seriam melhores simplesmente por serem mais rígidos, como se rigidez fosse sinônimo de qualidade e eficiência, afora a impossibilidade de um país copiar outro, pura e simplesmente.

Por óbvio, os Estados Unidos são sempre lembrados e aplaudidos. Afinal, lá tem pena de morte, prisão perpétua, custódia cautelar de longa duração, restrições processuais e, de resto, lá é o berço da "política de tolerância zero" e em geral dos movimentos de lei e ordem, frequentemente citados por gente que não sabe do que se trata, mas a nomenclatura soa bem.

À frente dessa campanha diuturna de emburrecimento, amplos setores da imprensa, comprometidos até a alma em fomentar o ódio contra os delinquentes, sempre demonizados. Hoje, contudo, fui surpreendido por reportagem fotográfica publicada no Portal R7 (veja aqui), cuja empatia já se revelava na manchete: "Infância roubada". E o sub-título ressaltava o absurdo das acusações que levam os menores à cadeia: "fugir da aula e arrotar na escola".

Reproduzo abaixo o texto da matéria  (inclusive com seus erros de redação), que contém informações altamente esclarecedoras, negritando aspectos especialmente graves:

Enquanto no Brasil se discute a possibilidade de menores de idade serem considerados adultos criminalmente, nos Estados Unidos esse tratamento já existe — e o resultado é desastroso, em razão de leis rigorosíssimas e falta de critério no julgamento dos casos

Como consequência, crianças e adolescentes sofrem em prisões superlotadas, sofrem abusos de guardas mal treinados e são iniciados na vida do crime para sobreviverem nos centros de detenção.

Por ano, o governo americano envia cerca de 2 milhões de menores de idade para a cadeia. Segundo a revista National Journal, 95% desse número é composto de adolescentes envolvidos em crimes não violentos.

O número coloca os EUA como o país que mais realiza prisões de menores de idade no mundo. Somente meio milhão dessas crianças e adolescentes são julgados como menores de idade, e apenas eles entram nas estatísticas oficiais de menores encarcerados — os outros são julgados por cortes criminais de adultos.


(Na imagem, seis jovens em solitárias "descansam" um pouco antes do banho de sol, em uma prisão para jovens em El Paso, no estado do Texas). Nota: No Brasil não existem mais solitárias, oficialmente. E elas não se pareciam em nada com estas, da fotografia. Eram cubículos totalmente sem luz e ventilação. Estas, mesmo que não ponham a vida humana em risco, não impedem os efeitos deletérios gravíssimos de uma contenção tão extrema. Além disso, um país civilizado oferece, aos menores infratores, tratamento mais brando do que aos adultos, por razões óbvias. A equiparação é inadmissível.

Agressões verbais, guerra de comida e até arrotos são considerados crimes passíveis de prisão. Alguns estados, como a Pensilvânia, possuem leis que preveem que crianças a partir de 10 anos já sejam julgadas como adultos, podendo ser condenadas à prisão perpétua.

Tais tipos de crime se enquadram nos chamados "status offenses" (infrações de status), popularmente conhecida como "conduta imprópria". Exemplos disso são: consumo de álcool, evasão escolar e fugir de casa. O problema, é que a lei de muitos estados — especialmente estados tradicionalmente republicanos, como o Texas — pouco diferenciam essas práticas de crimes graves, como furto e agressão violenta.

Apesar da ação de diversos grupos que lutam pelos direitos dos jovens detidos, a tendência é piorar: no início da década, quarenta e sete dos cinquenta estados americanos facilitaram o julgamento de adolescentes como adultos, segundo uma reportagem do jornal britânico The Guardian.

Uma pesquisa feita pelo jornal concluiu que em 85% dos casos, promotores e legisladores utilizaram brechas na lei para levar jovens a julgamento como adultos, ao invés de submeterem a decisão aos juízes. Muitos dos condenados em tempos mínimos não têm direito nem a um advogado.

A mesma pesquisa também revelou que jovens negros têm cerca de 70% mais chance de serem condenados do que um jovem branco. De acordo com pesquisas recentes da Universidade da Carolina do Sul, até os 23 anos, metade dos jovens afro-americanos terão sido presos.

Outro problema relacionado às prisões é que não existe punições exclusivas para doentes mentais ou deficientes físicos: todos vão para o mesmo lugar, e geralmente sofrem abusos e traumas que nunca mais são reparados.


(Na imagem, jovens sofrem abuso nos chamados "Boot Camps", onde os detidos são humilhados por sargentos que impõem à eles uma pesada disciplina militar). Nota: Senhores brasileiros, é este o exemplo a ser seguido? Quatro adultos protegidos por um imenso sistema contra um garoto sozinho? O que se aprende com isso? O que se ganha com isso?

Um dos fatos mais criticados na prática de prender jovens por infrações leves, é a superlotação gerada pelo alto número de prisões. Um dos piores é o Centro de Detenção de Cheltenham, no estado de Maryland, com capacidade para 24 detidos, e conta com mais de 100 internos e apenas 3 ou 4 guardas. O resultado é um número absurdo de práticas violentas, como estupros, facadas e assassinatos.

Os ativistas afirmam que prender esses jovens é muito mais caro e tem muito menos reabilitações do que o aconselhamento de especialistas e assistentes sociais. E existe algo ainda pior: eles saem da cadeia muito mais violentos do que entraram.

Alguns deputados republicanos utilizam esse argumento econômico para tentar mudar as leis de prisões de menores, e reiteram que essas prisões são caras e geralmente geram uma quantidade imensa de reincidentes, o que torna tudo mais caro. 

Um único jovem preso custa cerca de R$ 195 mil (US$ 88 mil), enquanto programas de prevenção não exigem mais de R$ 4,45 mil (US$ 2 mil).

Existem também diversos casos de corrupção gritantes envolvendo juízes, promotores e diretores de penitenciárias — quase todas elas privadas, que ganham dinheiro público por cada jovem preso. Quanto mais presos, mais dinheiro para eles, o que cria uma indústria de prisões cada vez maior — somente na última década, o número de presos em penitenciárias privadas aumentou 88%.

O caso mais famoso envolveu dois juízes da Pensilvânia, Mark Ciavarella e o juiz sênior Michael Conahan, que receberam R$ 5,77 milhões (US$ 2,6 milhões) de diretores de centros de detenção infantil para condenar duas mil crianças no período de dois anos.

O caso ficou conhecido como "Escândalo das crianças em troca de dinheiro" (Kids for cash scandal, no original) e foi exposto em 2008. Como resultado, uma comissão especial do estado foi destacada para investigar o envolvimento de autoridades judiciárias com diretores de prisão.

Descobriu-se que crimes como "comentários sarcásticos no MySpace", "invasão de prédios abandonados" e "roubo de DVDs" receberam penas de dois ou três anos de reclusão, consideradas abusivas por todas as instâncias da Justiça americana.

O caso gerou ainda mais revolta quando foi descoberto que mais de 20 dos condenados injustamente pela dupla se suicidaram.

Outro caso que chocou o país foi o de Kathy Franklin, mãe de uma garotinha de seis anos que foi algemada e mandada para uma instituição de saúde mental, após "fazer birra com uma professora do primário". Kathy afirmou posteriormente que nunca recebeu contato da escola com relação ao comportamento da filha, Haley, embora reconheça que ela possui um temperamento "forte".

O tom empático da reportagem não compromete o seu conteúdo, que é basicamente uma reunião de informações objetivas. Realmente, muito esclarecedor.

Um comentário:

Ana Miranda disse...

Meu amigo, eu sempre serei contra a diminuição da idade penal, exatamente por tudo isso que você, tão bem, retratou em seu blog.

Obrigada por ter nos trazido esses esclarecimentos. ideias que eu já tinha.