Eu realmente não gosto de postar nada que possa redundar em elogios, porque isso me soa como um simulacro de auto-elogio e, como aprendi com meu mestre de direito penal, Prof. Hugo Rocha, "elogio em boca própria é vitupério". Mas hoje abrirei uma exceção, porque o elogio não é para mim e eu quero guardar esta data.
Estava chegando a um restaurante perto de casa, junto com minha filha, quando ela avistou um rapaz dormindo no batente de uma porta. O cheiro dele era perceptível de longe, mas Júlia não pareceu notar ou não se importou. Apenas olhou o homem e disse que precisávamos ajudá-lo de algum modo. Perguntei o que ela achava que poderíamos fazer e me respondeu: dar um pouco de dinheiro ou de comida. Então lhe fiz uma proposta.
Fizemos nossa refeição. Questionei se ela realmente gostaria de levar a comida e me disse que sim. Então fui preparar uma quentinha, com alguns itens que me pareceram adequados: arroz, saladinha de feijão, carne. E acrescentei um refrigerante, porque sou contra a ideia de que doações devem se limitar a sopa e água. A gente não quer só comida. Também precisamos de um pouco de prazer, especialmente aqueles para quem a vida não costuma concedê-los.
Saímos do restaurante e eu expliquei para Júlia que aquele gesto, para nós, talvez fosse muito pequeno. "Mas, para aquele homem, certamente significará muito. Não se trata de comida: é fazê-lo ver que alguém se importou. Talvez, se em algum momento ele pensar em fazer algo ruim ― roubar, p. ex. ―, ele se lembre que ainda existe gente como você." Então lhe passei a sacola, porque era essencial que ela mesma fizesse a entrega.
Nesse momento, havia um rapaz de bicicleta, conversando. Do pouco que escutei, pareceram palavras de incentivo. Aproximamo-nos e eu introduzi o assunto: "Passamos por aqui e lhe vimos. Minha filha gostaria de lhe dar algo para comer." Júlia então entregou a sacola e os dois homens reagiram com alegria. Desejaram coisas boas na vida de minha filha e não tive como não me emocionar muito. Veio-me à mente a lembrança de minha mãe, que ficaria maravilhada vendo sua netinha tendo aquela atitude ― ela, que passou tantas privações na vida.
Desejei boa noite e seguimos nosso caminho. Júlia disse que sempre quis praticar uma boa ação como aquela. Eu a abracei e lhe disse que ela ainda fará muitas outras na vida. E eu espero que faça, mesmo. Que ela tenha tempo e oportunidades de fazê-lo e que nunca lhe falte o desejo sincero no coração de fazê-lo.
Foi a primeira vez que me senti de novo perto de minha mãe, conectado a ela de algum modo, através da criatura que ela mais amava na vida. Estou tentando cumprir minha promessa. Hoje, parece que algo funcionou.
4 comentários:
Curti mil vezes!!!
Belo gesto e excelente aula à Júlia. A boa índole passa de mãe à filho, e de filho à filha, e de avó à neta.
Kenneth
Minha mãe me ensinou muitas coisas sobre certo e errado. Com o tempo, aprendi a separar o que me servia e o que não. Afinal, éramos de gerações muito diferentes. Mas a essência estava lá: a noção de não prejudicar os outros. A necessidade da honestidade. Agora sou eu que preciso repassar isso, em um mundo que se mostra refratário a bons valores, ao contrário daquele que eu conheci, que eram bem mais acessível a eles, por mais difícil que tudo fosse.
Que gesto espetacular primo.
Quem dera todas as crianças pudessem crescer com esta noçāo de civilidade.
Enorme abraço primo.
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